Por Bruna Santine
Dino Soares de Arruda Filho é
advogado e empresário que viveu a maior parte da sua vida em São Paulo. Há 13
anos é voluntário na Fundação Gota de Leite e Assistência à Criança- Fungotac. Como presidente voluntário da instituição a
cidade o acolheu tornando-se um poços- caldense, que faz do seu trabalho seu
maior orgulho.
Dino Arruda nasceu em Jaú, com
dois anos de idade mudou-se para São Paulo, onde permaneceu por 57 anos. Há 13
anos mora em Poços. A cidade atraiu primeiro a irmã quando se casou, logo
depois, os pais de Dino também se mudaram para a cidade, e depois de alguns
anos, Poços acabou o acolhendo também.
Mesmo antes de se mudar, com o
casamento da irmã em 1964 e a mudança dela para a cidade, Dino pode conhecer as
épocas áureas e conta como se lembra das boates de Poços. “Lembro da Castelões,
da boate Bachianinha que ficava perto de onde hoje se localiza a loja dos
cristais São Marcos, na praça Pedro Sanches. Outra boate que eu gostava muito
era a Mug House, que ficava na represa do Bortolan”, lembra ele.
Os grandes carnavais, e o frio
enfrentado nas férias de julho foram episódios que ficaram marcados na memória
de Dino. “Era muito frio, mas muito mesmo, nós que visitávamos a cidade
sofríamos”, brinca ele.
Após passar o réveillon em
Poços em 2003, uma prima da irmã, a senhora Lilian Carvalho Dias, o convidou
para fazer parte da fundação Gota de Leite. “Vim algumas vezes, fui gostando do
trabalho e fiquei, são 13 anos fazendo parte da diretoria e há nove anos sou
presidente executivo da Fungotac”, fala ele.
Formado em direito e
empresário, Dino trabalhava no ramo alimentício quando decidiu se mudar
definitivamente para Poços. O trabalho o ajudou a superar o divórcio,
apaixonando-se pela equipe e pela cidade.
Quando iniciou seu trabalho na
Fungotac a fundação passava por sérios problemas financeiros e foi Dino quem
precisou solucionar essas questões. Para isso, procurou bancos da cidade para
negociar as dívidas e precisou da ajuda da família para poder equilibrar as
contas da entidade. “ Minha mãe emprestou um dinheiro para que pudéssemos pagar
os bancos e sair dos juros” , conta o presidente.
Até então, o empresário nunca
tinha trabalhado com crianças, ou tinha feito algo diretamente ligado ao
trabalho voluntário, mas percebeu, que mesmo depois de muito tempo, poderia dar
um novo sentido ao significado do verdadeiro trabalho. “Amo essas crianças,
quando estou estressado, vou ao colégio e elas me abraçam tanto que passa
qualquer preocupação. Hoje trabalho para eles, antes trabalhava somente para
mim”, enaltece Dino.
A fundação sobrevive
principalmente de doações, além dos recursos que vêem da escola Nini Mourão,
que é mantenedora da Gota de Leite. Dino comenta que é surpreendente saber que
as pessoas que mais ajudam a entidade, são as mais pobres, que com um valor pequeno
por mês conseguem ajudar a manter o local.
A arrecadação desses recursos
também é uma das principais funções do presidente executivo. “Vou atrás de quem
pode nos ajudar, das empresas, das pessoas que podem, e esse papel é um dos
mais importantes para manter os atendimentos e a qualidade da fundação”,
explica Dino.
O presidente acredita que a Fungotac
está estabelecida, mas os desafios para
manter a estrutura, os gastos e toda a demanda da fundação são diários. “Precisaremos
fazer uma reforma no prédio que está cheio de trincas, a construção é muito
antiga, esse já vai ser um novo desafio”, ressalta.
Já com Poços no coração, o
presidente adotou a cidade e ela o adotou, em 2011, recebeu o título de cidadão
poços- caldense entregue pela Câmara Municipal de Poços de Caldas, sendo
reconhecido pelos serviços prestados a cidade. Em 2014 foi eleito a
personalidade do ano, em uma pesquisa feita na cidade, foi a personalidade “poços-
caldense” mais lembrada pela população.
A Fungotac
A Fundação Gota de leite e
Assistência à Criança está há 86 ajudando a população de Poços. Dino fala um
pouco do surgimento desse trabalho e das suas fundadoras.
“O colégio foi fundado por Nini
Mourão, que realizou a sua vida através do aprendizado e cuidado das crianças.
Junto com Lilian Carvalho Dias, puderam
sustentar o que a fundação pode fazer hoje pela cidade. Elas foram os ‘baluartes’
dessa fundação, Dona Lilian está há 67 anos no conselho da fundação”, exalta
Dino.
Uma grande curiosidade foi como
Dona Nini Mourão conseguiu a doação do atual prédio. Amiga de Assis Chateubriand,
um dos maiores jornalistas e comunicadores do país, Dona Nini fez contato com o
amigo que tinha influências em todo o Brasil, inclusive no exterior, assim
conseguiu a doação do prédio feita diretamente por Assis.
Dino ainda fala sobre a garra
de dona Lilian Carvalho Dias na construção das creches. “A construção da creche
do Charque, por exemplo, teve ajuda da própria dona Lilian, que transportava o
material em seu carro e ajudou na construção”, ressalta o presidente.
O colégio Nini Mourão é o
mantenedor da Fungotac. A escola era chamada no passado de ‘A Casa da Criança’
e Dino encontra com muitas pessoas que passaram pela escola. O ensino foi gratuito
durante 65 anos.
Com a vinda de outras entidades
para a cidade o colégio precisou se adaptar e hoje há a cobrança de
mensalidade. “O Nini Mourão é o colégio mais barato da cidade, por ser uma
instituição sem fins lucrativos, cobramos o necessário para cobrir os gastos.
Mas o ensino de qualidade nos deixou em lugares significativos no ENEM. Ficamos
em segundo lugar em dois anos”, enfatiza o presidente.
Orgulhoso, Dr. Dino mostra toda
a estrutura do colégio, as salas de computação, e a sala de psicopedagogia. “Tudo
foi conseguido com a ajuda das empresas, bancos, e dos próprios profissionais
que trabalham conosco”, fala Dino mostrando a sala que a própria diretora
decorou e estruturou para receber alunos
com autismo e déficit de atenção.
A Fungotac atende a saúde, são
200 procedimentos odontológicos ao mês, 300 consultas médicas. A instituição
tem uma farmácia própria que fornece os medicamentos após as consultas. O leite
também é distribuído para mais de 500 famílias há 86 anos, tempo em que a
fundação funciona.
Dino ressalta que nunca houve
uma ajuda governamental, com exceção, do período de mandato do Doutor Mosconi,
quando conseguiu, junto ao então governador Aécio Neves, a doação de um
ultrassom e um mamógrafo que são usados hoje na entidade.
Histórias Construídas
Sobre todas essas histórias que
passaram pela instituição, Dino se recorda de uma que marcou toda a equipe. Ele
conta de uma historia que aconteceu na creche do Charque, que fica no bairro
Dom Bosco que é tocada por LiLian Carvalho Dias. Em 2011, Dona Lilian recebeu m
telefonema da embaixada da França. “No telefone uma senhora dizia a Lilian que
há 30 anos tinha adotado uma menina, e dona Lilian a tinha ajudado”, conta Dino,
que lembra que muitas crianças eram deixadas na creche.
Naquele tempo a doação podia
ser feita sem as burocracias exigidas atualmente e a fundação ajudou muitas
crianças, principalmente as mães para que pudessem criar os filhos.
Lilian se recordou, e ouviu da
moça ao telefone que a filha que fora adotada, queria conhecer o lugar de onde
tinha vindo. “Alguns dias depois estávamos recepcionado a jovem que pode
conhecer a cidade que tinha nascido. Foi uma semente que germinou depois de 30
anos”, recorda ele.
Dino saberia mais tarde que a
jovem se mudaria definitivamente para o Brasil, para a cidade de São Paulo, se
casaria com um brasileiro e adotaria duas crianças. “Ela ainda manteve contato
conosco, e a partir desse momento passou a ajudar a instituição todos os meses”,
conta Dino.
Histórias como essa passaram
por todos esses 86 anos. Há 13 anos Dr. Dino pode acompanhar a evolução da
escola e do atendimento às grávidas, crianças e idosos.
Além do atendimento a saúde, no
qual realiza-se todo o pré-natal das grávidas- distribuindo enxovais, fazendo
exames de ultrassom e atendimento odontológico- a instituição também tem
acompanhamento psicológico e jurídico gratuito a população.
Além da sede principal e a
escola, a fundação tem uma quadra poliesportiva no bairro Santo André, a creche
do Charque no bairro Dom Bosco e a unidade casulo no bairro São José.
Dino ainda brinca que a
instituição atende uma ampla faixa-etária. “Desde babando a caducando”, brinca
ele. E menciona também das aulas de ginástica que são oferecidas aos idosos.
A fundação tem convênios com a
prefeitura através do SUS, são 12 dentistas, trabalhando nos períodos da manhã,
tarde e noite. O trabalho de Dino é voluntário, mas trabalhar para o próximo é
seu maior orgulho. “ Convivo com muitas pessoas, o meu trabalho é saúde, sem
ele não teria a mesma disposição para a vida”, confessa.
Os planos para a fundação não
param, o próximo projeto em vista é a criação de um banco de leite para as mães
que, por algum motivo, não conseguem amamentar seus filhos.
Dino tem um neto de um ano que
mora em outra cidade, mas o visita sempre. Com o convívio com as crianças, mata
um pouco dessa saudade. A Fungotac chega a atender mais de 30 mil pessoas por
ano.
Dino Arruda ainda faz parte da diretoria da irmandade
do Hospital Santa Casa e ajuda também a arrecadar recursos para o melhoramento do
hospital que recebe 86 cidades da região. “Desses atendimentos 95 % são do
Sistema Único de Saúde- SUS. Estamos trabalhando para poder ajudar mais e
conseguir estruturar o hospital”, explica Dino.
O ioga e o tênis de mesa fazem
parte da rotina do presidente. “Jogo ping- pong com as crianças, uma delas
esses dias me mandou uma carta dizendo que gostava muito de mim, mas que ainda
ganharia de mim no ping-pong”, conta o sorridente Dr. Dino.
Mostrando as cartas recebidas
pelos alunos, Dino se alegra em poder ter um trabalho que ajuda tantas pessoas,
e principalmente, o ajuda a seguir caminhando. Mesmo chegando a Poços há pouco
tempo, Dr. Dino transformou a vida de muitas pessoas, inclusive a sua própria,
e tornou-se um poços- caldense.
Pedro Merli
Há 65 anos um pequeno negócio
de fabricação de embutidos surgia na cidade de Poços de Caldas, era o início das
atividades do Frigosnossa- Frigorífico Nossa Senhora da Saúde, marca regional
que se consagrou no decorrer do anos.
Nosso entrevistado do projeto Construindo Nossa História é o empresário
Pedro Merli que testemunharia os esforços dos pais Pompílio Merli e Ana
Chimitão Merli ao deixarem São José do Rio Pardo e enfrentarem um novo começo
na cidade de Poços junto aos seus nove filhos.
Pedro Merli , então com 14
anos, chegava em Poços de Caldas junto com seus pais Pompílio Merli e Ana
Chimatão Merli, e seus 8 irmãos na cidade. Nascido em Sítio Novo, em São José
do Rio Pardo- SP, Pedro cresceu na roça ajudando o pai na lavoura. “Meu pai trabalhava
junto com o meu avô na roça. Meu pai comprou um pedaço de terra da Fazenda São
Theodoro, era uma fazenda grande que foi loteada, e meu pai pegou a parte da
Usina”, diz ele.
Pedro Merli se lembra dos
tempos difíceis que ele e a família enfrentavam na época da guerra. “Por causa
da guerra, a farinha era racionada, então meu pai levava todos os filhos para
que pudessem pegar mais, já que a quantidade era limitada a um kilo por pessoa.
Como eram muitas bocas, ele usava todos os filhos para conseguir pegar a
farinha para toda a família”.
Pompílio Merli usava suas terras para a
plantação de cebola e tomate, Pedro o ajudava, mas também estudava na escola
rural. “Minha professora chamava Corália, ela dava aula primeiro para os
maiores, depois ensinava os mais novos, a professora era da cidade de Casa
Branca- SP e meu pai tinha uma carroça trole, e eu sempre buscava ela na
estação da Vila Constini”, fala Pedro.
Pedro ainda fala que o pai conseguiu ganhar
algum dinheiro quando adaptou o eixo da usina que tinha no pedaço de terra
loteado, para cortar mandioca. “Ele cortava a mandioca, e fazia farinha de mandioca, mas também fazia fubá de
milho e fubá de arroz. A mandioca ele
vendia. Já o fubá ele trocava,uma lata
de fubá pronta, pela mercadoria, a mandioca, o arroz, o milho”, e assim ele foi
conseguindo ganhar um dinheiro.
Em 1950, o tio Natal Merli,
convidaria o seu pai, Pompílio, para abrir uma salsicharia em Poços. “Meu tio
tinha uma salsicharia em José do Rio Pardo, meu pai já estava cansado de trabalhar
na roça e não ver resultados, então meu pai aceitou a sugestão do meu tio e
mudamos todos para Poços”, diz o empresário.
O pai vendeu a terra, e em 1951
começaria a funcionar a salsicharia. “Meu pai era muito católico e escolheu o
nome de Nossa Senhora da Saúde”, comenta Pedro Merli. A salsicharia era da
sociedade Merli, Lima e Cia e ficaria até 1957. “Os sócios do meu pai não
quiseram mais continuar na sociedade e queriam fechar o negócio, mas meu pai
disse que tocaria sozinho, já que ele tinha mudado para a cidade, lá ele
continuaria”, emociona-se Pedro.
Então a pequena fábrica passa a ser Pompílio
Merli e com o incentivo e ajuda dos filhos o empresário continua a empresa
sozinho. “Eu pegava o ônibus Expresso Brasileiro de noite para ir até São Paulo
procurar as máquinas que a salsicharia precisava”, conta o empresário. O
empresário lembra da dificuldade para continuar o negócio já que eles não
tinham dinheiro. “Em São Paulo, fui à procura de um alemão que vendia a maioria
das máquinas que precisávamos e fui honesto, eu precisava das máquinas, mas não
tinha dinheiro para comprá-las”, fala Pedro que comenta que contou com a
compreensão do alemão para poder levar as máquinas, assim a compra foi
facilitada e ele pode trazer as máquinas para que a família recomeçasse o
negócio.
No início somente o Matadouro
Municipal que funcionava e o pai, Pompílio Merli, punha os filhos para vender
os produtos da salsicharia, que já trabalhava com embutidos também.
Os estudos
Pedro Merli sempre ajudou o pai
com os trabalhos na salsicharia, mas através de um amigo, descobriria também a
possibilidade de estudar além das aulas dadas nas escolas da roça. “Eu tinha um
amigo que se chamava Feide Amado, certo dia ele foi fazer a inscrição para a
escola e pediu que o acompanhasse. Eu fui. Chegando lá, ele e a professora
insistiram para eu fazer o teste para ingressar na escola”, conta Pedro que
depois de muita insistência fez o teste, mas não passou, já que o que aprendia
na roça era pouco perto do ensinamento da cidade.
Mesmo assim, o professor Arinos
o chamou e o convidou a estudar. “Eu peguei como um desafio e fui estudar
contabilidade. Eu tinha muita dificuldade com matemática e português, mas eu
enfrentava. Nessa época eu já namorava a minha esposa Tereza Vilas Boas, e como
era professora, ela me ajudava muito”, diz o empresário.
Pedro lembra que em sala de aula ele não
gostava de ser ridicularizado e conta um episódio. “Um dia em sala de aula o
professor começou a comentar que havia pessoas que só tiravam zero em certas
matérias e que isso era um absurdo, eu levantei na mesma hora e sai bravo da
sala, eu me esforçava para ir bem”, conta Merli que depois escutou do professor
que a indireta não tinha sido para ele.
Mas o embaraço serviu de oportunidade para o melhor aluno em matemática
oferecer aulas particulares nos finais de semana. “Eu aceitei e com a ajuda
desse aluno recebi elogios dos professores pelo meu desempenho nas provas”,
comemora o agora bom aluno em matemática.
No 4º ano, Pedro Merli seria o orador da turma.
Durante o período de estudo e
sempre trabalhando com o pai, Pedro lembrou que sofreu com a rotina pesada.
“Tinha dia que eu acordava às 3h da manhã. No frio, eu ia com a minha mula
Paraíba, que dava muito trabalho. Comecei a passar mal, eu paralisava e não saia
da cama. Ao procurar os médicos soube que teria que diminuir a rotina”, fala o
empresário.
Aos 25 anos, Merli se casa com a professora
Tereza Vilas Boas, quem o sempre ajudou, principalmente nos estudos. Depois de
formado em contabilidade, Pedro se interessaria por um curso de administração.
“Lendo a revista O Cruzeiro me deparei com um anúncio de um curso de
administração por correspondência, e resolvi fazer”, conta Pedro. Em três anos
ele estava formado.
A empresa por correspondência
que realizava esses cursos era o Instituto Universal Brasileiro, fundado em
1941, um dos percussores dos então conhecidos ensinos à distância. “Eles
mandavam os exercícios e material e eu devolvia os exercícios feitos para eles
corrigirem, funcionava assim”, explica Pedro.
Frigorífico Nossa Senhora da Saúde
O pai Pompílio Merli começou a
melhorar e comprou um caminhão do Zé português. “Lembro dos caminhões Ford que
ele tinha, neste momento a salsicharia era na rua Pernambuco, hoje a Champagnat.
O paralelepípedo acabava em frente a casa dos pais de Pedro. “ Na farmácia Central
eu pegava o ônibus pra ir para a escola e não tinha mais nada para o outro
lado, a cidade acabava ali”, conta Pedro Merli.
Logo comprariam o lajotão, o terreno atual do
frigorífico, e montariam o matadouro por volta dos anos 60. A salsicharia passa
ao nome jurídico Nossa Senhora da Saúde Ltda. “Com a participação de todos os
irmãos, principalmente os mais velhos, Gildo,
Orlanda, Orlando e eu, Pedro,
conseguimos chegar onde estamos hoje”, diz o empresário.
Pedro ainda lembra da época da federalização e
que o exército ameaçava fechar o frigorífico que eles tinham acabado de construir.
“Estávamos aqui no frigorífico e chegou uma perua do exército. Na porta
disseram que teriam que fechar o frigorífico”, fala Pedro. Para isso não
acontecer, a família teve que fazer um
matadouro federal. “Pegamos dinheiro emprestado no banco para poder fazer isso”,
explica Merli.
Merli ainda ressalta que teve
um lado bom dessa história. “A federalização acabou com todos os matadouros
municipais, o que foi bom porque o matadouro municipal não tinha muita
fiscalização, e hoje o sistema de inspeção federal (SIF) fiscaliza tudo e temos
que seguir várias regras”, explica o empresário. Hoje a empresa vende para o
Rio de Janeiro, São Paulo e para as demais cidades de Minas Gerais. “Não
vendemos mais porque não temos produção
suficiente, mas ampliaremos”, conta o empresário.
O empresário ainda lembra como
era a sua rotina ainda quando não existia o frigorífico. “Eu trazia o gado de
Botelhos- MG, eu e o Zé Viana que foi mandado pelo meu tio de São José do Rio
Pardo para nos ensinar como lidar com um frigorífico, porque nós não
sabíamos como mexer com o frigorífico. Zé Viana acabou casando com a minha irmã
de Pedro, Orlanda e tornou-se cunhado de
Pedro. “Ele era muito inteligente,
consertava até as máquinas, que eram alemãs e difíceis de manusear”, lembra
Pedro Merli.
Pedro fala que ao trazer o gado de Botelhos
alguns imprevistos aconteciam. “Nós entravamos ali pelo bairro Vila Rica e
sempre um boi ficava com as roupas penduradas no chifre, conta Pedro que levava
o gado até o matadouro municipal que ficava onde hoje fica a pista de skate ao
lado do Parque Municipal. “Passávamos a João Pinheiro que só tinha uma mão, e
como não tinha carros, não tinha movimento. Perto do matadouro, só tinha o
Miglioranzi, que tinha um autoclave para cozinhar os ossos.
De toda a sua trajetória, Pedro Merli ainda
lembra quando jogava futebol nos times da cidade. “Fui campeão pelo time Vera
Cruz, joguei para vários times. Quando eu cheguei em Poços já tinham alguns
times formados, mas como precisava contribuir financeiramente, não pude entrar
porque não tinha dinheiro para isso”, conta Merli que mais tarde conseguiria
participar dos times.
Pedro Merli formou sua família
com a esposa Tereza, com cinco filhos tem orgulho de dizer que a empresa é
familiar e continua crescendo. “Lembro do meu menino mais velho chegando para
trabalhar aos 13 anos e hoje gosto de ver a família continuando o trabalho do meu
pai”, orgulha-se Pedro Merli.
Benedito Domingos - O Papai Noel
Papai Noel há mais de 25 anos,
Benedito Domingos, participa do clube nacional de Papais Noeis, faz
apresentações em vários municípios no interior de Minas e São Paulo. Para o
Construindo Nossa História, ele conta como foi a sua trajetória durante todos
esses anos e as histórias que vivenciou.
Benedito Domingos, o papai Noel
Benedito, como é conhecido, encontrou-se com esse papel por acaso, quando
brincava com a filha no Natal. Seguindo a sugestão de um vizinho, vestiu-se de
Papai Noel para levar os presentes paras as crianças da rua do bairro onde
morava.
Depois de um ano dessa
experiência, Benedito viu que poderia levar a brincadeira a sério. “Um papai
Noel que era tradicional em uma loja da cidade faleceu, e eu me ofereci para
ocupar o lugar dele”, conta Benedito sobre o emprego que ficou durante doze
anos.
Paralelamente, Benedito propôs
um trabalho voluntário nos correios para que o Papai Noel entregasse os
presentes às crianças que mandavam as tradicionais cartinhas. “Atendemos mais
de 1800 crianças somente em um dia, fiquei nesse projeto por oito anos”,
comenta ele.
Benedito tinha 25 anos quando
começou a se caracterizar do bom velhinho. A partir dos anos 2000 ele começou a
deixar a barba natural, o que o deixa mais parecido com o Papai Noel. “Como
ainda sou novo, eu descoloro para ficar mais natural”, explica ele.
Participou por dois anos
consecutivos do Encontro Nacional de Papais Noeis que acontece em Gramado- RS,
e reúne bons velhinhos de todo o Brasil. “Eu fui o único representante de Minas
Gerais. Além disso, eu era o mais novo entre eles, mas o com mais experiência”,
pontua ele.
Depois do Natal Benedito volta
para o emprego de técnico de segurança do trabalho e para sua empresa de
formação de bombeiros civis. “Eu tiro a barba em janeiro e depois de alguns
meses a deixo crescer novamente”, explica o empresário.
Entre as histórias em que
vivenciou nesses 25 anos, Domingos se lembra de uma senhora de 95 anos que
encontrou com o Papai Noel pela primeira vez e esperara por isso a vida toda.
“Quando fui ao seu encontro, ela confessou que poderia morrer em paz”, conta o
Papai Noel, que um tempo depois soube da morte da velhinha.
Como Papai Noel, Benedito ainda
se emociona ao lembrar que desde que começou o seu trabalho, não pode mais
passar os natais com os filhos, ou participar de suas formaturas. “Ainda sinto
por não ter conseguido passar o Natal mais com os meus filhos, mas levo alegria
pra outras milhares de pessoas”, emociona-se ele que continua a alegrar muitas
crianças.
As irmãs Menezes
O Construindo Nossa História
traz o exemplo de vida de duas irmãs, Maria Isabel Menezes e Josefa Menezes de
Oliveira, uma com quase noventa anos e outra com um pouco mais que isso, elas
trazem a vitalidade de uma vida bem aproveitada, com o trabalho e o convívio
familiar. Junto a isso, orgulham-se de carregar as memórias de todos esses anos
de Poços de Caldas.
Entre as louças de casamento dos pais - ainda
guardadas com todo o carinho pelas irmãs- elas abrem a sua casa para falar um
pouco da cidade. As duas nasceram na rua Goiás, mas se lembram mais da fase na
rua Pernambuco. A casa onde cresceram ficava ao lado de onde está o posto de
saúde, no passado, a cadeia de Poços de Caldas era neste local. “Me lembro dos
presos subirem no muro e jogarem milho para nós comermos”, lembra Josefa. O que elas evidenciam é que
nesta cadeia os presos plantavam e fabricavam brinquedos de madeira e que não
havia rebeliões.
Em 1933, como recorda
precisamente Maria Isabel, a família se mudou para a rua em frente à Praça da
Independência, um lugar cheio de pinheiros, onde hoje encontra-se o Hospital
Santa Casa. “Meu pai comprou uma casa velha, mas derrubou tudo e reformou para
mudarmos”, lembra ela.
O pai das irmãs foi o primeiro
motorista de praça da cidade, o transporte era feito em carro de aluguel, e por
isso, não havia a denominação de taxista. “A profissão de taxista veio muito
tempo depois”, fala Maria Isabel. Os pais, Sebastião Menezes e Maria Fermina
Menezes, criariam os onze filhos, na nova casa.
Maria Isabel, ao mencionar a
infância, fala de quanto o pai gostava de passear com os filhos. “Ele nos
levava nos desfiles de 7 de setembro, sempre comprava um doce ou sorvete. Quando a fonte luminosa foi inaugurada, ele
também nos levava depois do expediente”, lembra ela.
O pai foi motorista por 47 anos
no ponto perto do coreto da Praça Pedro Sanches. “Mais tarde ele foi membro da
diretoria dos taxistas e comandava os charretistas e cavaleiros, ele era a
pessoa principal naquele trecho”, explica Josefa. Naquela época, o pai
ostentava um telefone, um dos únicos da cidade. “Em 1958 ele comprou um carro
importado e todas as noivas de Poços passaram a ser conduzidas pelo meu pai,
era um Chevrolet muito bonito”, orgulha-se a irmã mais velha, Maria Isabel.
Maria Isabel estudou na escola
Menino Jesus, uma escola mantida pelo colégio São Domingos. Josefa, ainda
estudou na escola Davi Campista até o quinto ano. Após isso, ela começou a
trabalhar nas primeiras creches que surgiam na cidade. Josefa trabalhou 24 anos
nas creches. “Doutor Gaspar era Secretário da Educação e me chamou para
trabalhar com ele em 1980, eu já era casada, fiz muitos cursos na prefeitura,
me capacitei. Trabalhei na creche do bairro São José e depois da inauguração da
creche de Santa Terezinha, fui transferida para esta por ter mais experiência”,
recorda.
Uma questão ainda em vigor é a
discriminação que as pessoas negras sofreram e ainda sofrem, mas as irmãs falam
que não passaram por isso. “Meu irmão era o único negro do colégio Marista,
minha outra irmã, uma das únicas negras
no curso do professor Arinos, e nenhum deles eram menosprezado por ser negro,
muito pelo contrário. “Nunca fomos descriminados, meu pai trabalhou para a
sociedade, família como Mourão, Carvalho Dias, Monteiro e Junqueira, mas também
sempre ajudou quem precisava”, Josefa
faz questão de reforçar .
Dois Irmãos estudaram na escola Ateneu
Brasiliense, escola formada antes da famosa Escola Técnica de Comércio, que
depois seria o colégio Pelicano. Outro irmão estudaria também na escola 7 de
Setembro que ficava na rua Assis Figueiredo, hoje, prédio comercial das lojas
Cem. Outra escola, a do professor Dom Ferro, a escola Sociedade Italiana também
foi mencionada. “Esse professor batia nos alunos, meus irmãos e primos
apanharam muito e meu pai resolveu tirar os meninos da escola”, explica Josefa.
Já Maria Isabel começou o curso
de costura aos 12 anos, com a Dona Nenê Rugani, costureira famosa da cidade.
“Dona Nenê tinha muita boa vontade em ensinar e passava todos os detalhes”,
conta a costureira. Depois de alguns meses, Maria Isabel já recebia um pequeno
salário e ajudava a professora nos trabalhos.
“Nossa mãe também costurava muito bem, nós sempre andávamos bem
vestidas, uma das irmãs fazia tricô, a avó fazia crochê”, reforça Josefa. Maria Isabel ajudou a pagar os estudos de
vários irmãos.
Através da sua costura
trabalhou no Grande Hotel , na avenida Francisco Salles. “Eu arrumava os
lençóis, as roupas dos hospedes”. O pai não achava vantajoso o trabalho, e ela
resolveu trabalhar em casa. “Antes eu usava as mesas da cozinha e a cama de
casal dos meus pais”. A mãe achava ruim, e logo ela fez seu quarto de costura
com tudo separado.
Natal e Ano Novo a costureira
trabalhava mais ainda. “Como não existia roupas prontas, eu fazia uniformes,
roupas para formaturas, eucaristia e vestidos de noiva”, conta orgulhosa. A costureira explica que só não fazia calças,
porque as mulheres não usavam. Maria Isabel parou de costurar no ano passado,
aos 90 anos. “Costurei muito, trabalhei muito”, exalta ela.
Elas ainda se lembram dos
irmãos, um, era cantor na rádio Cultura, chamava-se Menezes Neto. A rádio
cultura era na praça Pedro Sanches e os programas eram de auditório. “Ele era sambista, cantava e sambava, e
lotava os auditórios da rádio”, enaltece a irmã. O irmão chegou a cantar com
Carlos Galhardo, Sílvio Caldas, Orlando Silva-
famosos cantores da época.
Lúcia, depois de estudar com o
professor Arinos, fez secretariado. “O monsenhor Trajano abriu uma escola onde
hoje é o Museu Histórico e Geográfico e
ela foi trabalhar com ele”, explica Josefa.
As festas de formatura no Vogue
e no Palace Cassino foram comemorações que ficaram na memória da família.
“Adorávamos ir a todas as festas de formatura dos irmãos”, confessa Maria
Isabel.
O Hospital Santa Casa
O larguinho- como era chamada a
praça da Independência- tinha quatro
carreiras de pinheiro, a rua Minas Gerais continuava até a mata. “Foi o
hospital que cortou a rua, do outro lado tinha um cruzeiro, aonde o pessoal
rezava para pedir chuvas, fazer novenas e promessas”, diz
a costureira.
A mudança da Santa Casa também
é ligada a família, Doutor Rovilson foi quem levou a fama da ideia da mudança,
mas Maria Isabel conta com convicção, que os verdadeiros autores da mudança,
foram outros. “Pia Niofiti e papai que tiveram a ideia de mudar o hospital para
a praça. Antes, os planos eram para a cadeia ser transferida para o local”,
lembra ela. O pai comentou com o Doutor Rovilson que seria melhor transferir a
Santa Casa para o local, ele não queria morar perto da cadeia novamente.
A transferência não foi feita
de qualquer jeito, profissionais da saúde alegaram que o lugar era muito frio e
que os pacientes teriam pneumonia facilmente. Essa indagação foi feita para o
pai das Menezes. “Meu pai disse que nenhum dos filhos tinha tido pneumonia e
que eles poderiam verificar”, conta Maria Isabel. Médicos de todo o país
examinaram as crianças que moravam perto do local para comprovar que seria um
lugar seguro para a implantação do hospital.
Bodas de ouro
A festa de Bodas de Ouro dos
pais foi feita em 27 de setembro de 1969 pelos filhos. Um amigo da família,
Luiz Lucca, deu a ideia de as irmãs abrirem uma caderneta no banco para juntar
dinheiro para a festa. “Minha irmã mais velha abriu a conta na Caixa, tínhamos
dois anos para juntar o dinheiro”, disse Maria Isabel. “Não ficou uma dívida”,
completa Josefa. A festa era surpresa. Para ajuda da festa, conseguiram fazer
convites, enfeites que foram trazidos do Rio de Janeiro. “Meu pai ainda exigiu
convidar alguns compadres que faltavam”, brinca ela.
O Pai foi fazer o terno do dia
com um famoso alfaiate da época- Pagin, a camisa era da Paris Modas, e para a
mãe, Maria Isabel já estava planejando o modelo dourado. Os sobrinhos também foram vestidos com roupas
feitas por Maria Isabel. A festa foi tão grande que as autoridades da época
participaram, prefeitos e vereadores fizeram questão de presenciar. “Foi uma
festa bem preparada durante os dois anos”, exalta a costureira. “A popularidade
do meu pai era incrível”, completa Josefa.
O prefeito, Aroldo Junqueira,
mandou asfaltar a rua da casa da família para homenagear o pai. Que depois da
sua morte foi homenageado, sendo nome de uma rua no bairro Santa Rosália
(Sebastiao Marques de Menezes). Essa homenagem rendeu polêmica, a mulher de um
delgado contestou a nomeação. “A viúva veio até a nossa casa e nos maltratou,
falou para a minha mãe que erámos só negros e que o marido dela, que era
delegado, que tinha o direito a homenagem”, o delegado tinha uma má fama na
cidade- tinha matado uma criança- e uma das irmãs expulsou a mulher da casa da
família.
Com a festa de aniversário pronta, o pai
faleceu no dia que completaria 79 anos, o velório arrastou toda a cidade. “Na
época não havia muitos carros, e a quantidade de carros e pessoas no velório
nos surpreendeu”, conta as irmãs.
Cestas de natal
O pai era vicentino e foi muito
caridoso, além de trabalhar para a alta sociedade de Poços, o pai também
ajudava quem não podia pagar pelos seus serviços. “Houve um caso em que um pai
precisou levar o filho doente a Campinas- SP, e não tinha dinheiro para a
corrida. O caso era grave, e meu pai levou a criança mesmo sem o pagamento. O
pai da criança prometeu que o pagaria assim que conseguisse o dinheiro.
Passou-se nove anos, depois de todos esses anos, o pai da criança doente, esta
que havia falecido há um tempo- foi até em casa pagar meu pai”, conta surpresa
Maria Isabel.
Desses atos do pai, uma das
irmãs, chamada Lúcia (que também cantava no coral da igreja) herdou dele o
espírito caridoso. Com a ajuda dos comerciantes e pessoas conhecidas, na época
do Natal, ela montava cestas para os mais carentes. “Lúcia montava mais de 200
cestas e no dia 23 de dezembro distribuía com ajuda de amigos. Era muito lindo,
como ela cantava, enquanto o pessoal buscava as doações, ela soava músicas
natalinas”, conta a professora aposentada.
Essa herança foi passada para
Josefa, mostrando os alimentos que recebeu para as cestas desse ano, orgulha-se
de ainda poder fazer. “Eu faço todos os anos, a Lúcia era procurada para cantar
nos casamentos, tinha uma voz encantadora, mas também a procuravam para pedir
ajuda”, enaltece ela. Essa irmã foi secretaria da igreja matriz por mais de 40
anos. “Faz 15 anos que há missa diariamente para ela, uma das únicas da cidade
a ter essa honra”, completa a irmã.
Para finalizar, as irmãs não deixam de
comentar sobre os famosos comércios da cidade. “A primeira loja de Poços de
Caldas foi a Futurista, na época a proprietária era Vitalina Rossi”, falam. A
venda de Otávio Mantovani, e a casa de joias de Joao Mendonça também foram
estabelecimentos lembrados.
Ana Aparecida Galo Nastrini
Umas das primeiras parteiras da
cidade, Ana Aparecida Galo Nastrini, conta como foi começar, ainda jovem, a
trazer vidas ao mundo como parteira. Além disso, comenta da famosa venda de seu
pai, das tradições e de todo o desdobramento da sua profissão.
Mesmo nascida em Poços, na casa
da avó que também era parteira, Ana foi registrada pelo pai na cidade de
Caconde- SP, onde ele trabalhava. Foi em uma fazenda de Caconde que o pai
começou os primeiros passos no comércio. “Nesta fazenda meu pai tinha uma venda
bem grande que vendia de roupas e tudo mais, e ainda havia um restaurante”,
nesse local o pai empregava uma cozinheira e até um contador.
Mesmo com uma vida farta em
alimentos, Ana fala que os presentes, principalmente de Natal, eram fabricados
pela própria mãe. “Sempre tivemos muita fartura, mas das coisas simples, meu
pai não ligava muito para presentes, minha mãe que fazia algumas coisas para nos
agradar”, lembra ela. Com a inundação da represa a fazenda onde o pai
trabalhava desapareceu. Ana tinha 11 anos, quando os pais resolveram voltar
para Poços com ela e os outros seis filhos.
O pai, João Galo, ficou mais de
60 anos com a Venda do Galo, o comércio ao redor já se modernizava e o
comerciante ainda desafiava o tempo. O
local ainda abrigava a tradicional balança para pesar as sacas de grãos e uma
leiteria, onde o leite vindo da fazenda era comprado pela vizinhança. Pequenas
tradições que foram perdidas no tempo.
Ana começou a trabalhar muito
cedo, um costume da época, por isso, depois dos estudos, a jovem cuidava de uma
menina. Sempre foi criada na praça onde hoje abriga o hospital Santa Casa, e da
inauguração do hospital, ela se lembra bem. “A inauguração aconteceu em 1962 e
foi maravilhosa. Tinha muitos artistas e foi uma grande festa na cidade. O
hospital foi inaugurado no mês de maio, e em junho eu já estava trabalhando
lá”, fala ela.
Nesta época, uma enfermeira
padrão dava aulas no hospital, e depois da teoria as alunas podiam praticar os
exercícios no próprio local. “A irmã Eugenia deu aulas para muitas parteiras, e
com ela comecei o curso”, enfatiza. Ana tinha apenas 16 anos quando começou as
aulas no hospital. “Me dediquei demais e como eu gostava muito, eu tive
facilidade.”
A parteira se recorda da
primeira vez que realizou um parto. “Eu ainda era estudante, havia apenas duas
parteiras no hospital, uma estava de férias e a outra tinha trabalhado vários
dias seguidos, estava muito cansada e estava descansando. Nesse momento chegou
uma paciente, e eu me senti preparada pra colocar em pratica o que tinha
estudado.” Ana comenta como era cuidadosa no pré-parto- momento antes do plantão- “Eu conversava com as pacientes e as
tranquilizava, fazia questão de fazer isso”, conta.
A certeza do que estava preste
a fazer, pela primeira vez, não deixava dúvida que tinha encontrado sua paixão.
“Eu tinha certeza de que iria acertar, minha postura era de quem já sabia e de
que não era o primeiro toque que estava fazendo”, brinca ela sobre o primeiro
exame. “Não esqueço o nome da paciente,
Penha”, completa.
Mas como era a primeira vez,
mesmo com toda a certeza, Ana precisava pedir a parteira do hospital que
confirmasse se o diagnostico estava certo. “A acordei dizendo que a paciente
tinha chegado, passei todo o relatório, e falei que precisava da confirmação
dela”, explica. Essa conversa ficou marcada na memória de Ana, que comenta o
diálogo desse dia. “Ela achou que eu estava brincando, mas insisti para que ela
fosse a paciente e confirmasse se eu tinha acertado”, a enfermeira foi, e
aprovou o trabalho de Ana.
A nova parteira só precisava
dessa confirmação para saber que estava no caminho certo e depois disso, a
parteira experiente deixou nas mãos da novata o primeiro parto de sua vida.
“Ela me deu boa noite e eu fiz o meu primeiro parto de maneira perfeita,
sabendo o que podia ou não fazer”, depois desse já admitiu mais duas pacientes
e começou o trabalho como parteira. Esse curso funcionava como um ensino
técnico, como a população era menor, havia espaço para ter aulas no próprio
hospital.
Trabalhou por muito tempo no
hospital, depois do casamento, se ausentou por um tempo, mas logo depois voltou
ao trabalho. Nesse retorno, em 1971, foi trabalhar no hospital Pedro Sanches.
“Todos os hospitais eram bem equipados para a época”, exalta ela. Dez anos
depois, Ana começa a trabalhar em uma clínica especializada em pré- natal e
gestantes.
A clínica tinha como médicos:
Paulo Marcelos, Paulo Janusi, Joao Guilherme e João Bastista Cioffi. “O
diferencial dessa época era que as pacientes eram acompanhadas pelos médicos
desde o pré- natal até o parto, isso dava segurança a gestante”, reforça a
parteira.
O ultrassom foi uma ferramenta
que sempre acompanhou o trabalho dos profissionais da saúde. “O sexo da criança
era descoberto somente pelo ultrassom, e algumas vezes, não era possível
dependendo da posição”, explica ela. Nesta época o exame de sangue para
identificar o sexo da criança não existia.
Mesmo trabalhando como parteira,
ela também fazia alguns serviços particulares acompanhando as mães com seus
filhos. “Eu acompanhava as mães em casa para ensinar a dar banho e cuidar dos
recém nascidos.” Todo o trabalho era feito durante o dia enquanto não estava no
hospital.
Outro trabalho extra de Ana era
cuidar de idosos. Nessa época, o trabalho no hospital era diário e de 12 horas.
“Eu trabalhava das 7 as 19, trabalhei muito tempo a noite, mas não abria mão da
minha folga aos sábados”, enfatiza ela.
Essa folga preciosa era usada
para poder participar dos bailes que aconteciam na cidade, principalmente na
Boate Azul no Palace e no Country Club. “Eu amava dançar, e não perdia nenhum
baile nos finais de semana”, conta. A enfermeira aposentada tem saudades da
liberdade que a cidade proporcionava. “Sempre andei a pé nas ruas de Poços,
como não tinha televisão, todo mundo ficava sentado nas portas, conversando. A
proximidade das pessoas era um valor que hoje não temos mais.”
Com quase 27 anos trabalhados,
a profissional se aposentou - profissionais da enfermagem se aposentavam com 25
anos de profissão- ela deixa de trabalhar nos hospitais, mas o trabalho
particular continua, cuidando de pessoas idosas ou doentes.
Depois de tantos anos nessa área, algumas histórias
ficaram marcadas, e uma delas foi de um diagnóstico de uma falsa gravidez. “De
todos os fatos que presenciei, um que me marcou foi o de uma falsa gravidez. A
mulher estava toda preparada, com enxoval pronto. O médico não era daqui, mas
quando eu a examinei percebi que não havia batimentos cardíacos e que na
verdade era um fibroma, uma espécie de tumor benigno. No final ele fez a
cesariana, mas para retirar o tumor e não um feto”, relembra a então parteira.
Além de ajudar a chegada de
vidas, a morte também acontece na rotina profissional de uma enfermeira, mas
Ana agradece por nunca ter presenciado a morte de uma mãe durante os partos que
realizou.
Outra atividade corriqueira da
profissão é fazer mais que o seu papel, muitas vezes, substituindo até o
próprio médico. “Uma vez, uma paciente foi internada, avisei o médico dela, já
que a paciente era particular, e ele me pediu para ligar assim que a hora certa
para a realização do parto chegasse. Chegada
a hora, tentei falar com o médico várias vezes, mas não consegui. Eu
mesma realizei o parto”, conta ela.
Depois, quando a paciente foi
pagar o médico, Ana que estava no quarto, foi impedida de sair. “A paciente fez
questão de falar para o médico que quem deveria receber aquele dinheiro, era
eu, a profissional que tinha realizado o parto”, conta, sem graça, a
enfermeira.
Uma característica muito forte
do bom trabalho da parteira era os pontos impecáveis que Ana deixava na
paciente. “As pessoas reconheciam meu trabalho pelos pontos que eu fazia, eu
sempre procurei deixar bem feito e fazia com muito capricho. Esse
reconhecimento do meu trabalho me enchia de orgulho”, confessa a aposentada.
A enfermeira comenta como o
parto normal era o usual entre as pacientes, no seu tempo de trabalho, a
cesárea era indicada somente em casos em que o parto normal não era possível.
“Mas presenciei o aumento da cesárea, quando ninguém queria o parto normal e
ninguém entendio aquilo”, indigna-se a ex- parteira.
Ana fala que a respiração é a
ferramenta mais importante de um bom parto. “Se a pessoa tiver um autocontrole
na respiração durante o período da dilatação, é tranquilo”, ensina a experiente
profissional. Falando dos próprios partos dos dois filhos, ela comenta que o do
primeiro filho foi rápido, mas da segunda filha as contrações duraram mais. “Tive
contrações durante dois dias e uma noite, mas quando fui para o hospital, ela
nasceu em meia hora”, fala rindo.
O marido conheceu por ser amigo
do irmão, e o romance começou em um baile, um dos programas preferidos de Ana.
“A dança sempre foi meu fraco, sou apaixonada pela dança, sempre fui”, confessa
ela. Em várias falas, ela reforça a liberdade que se tinha ao andar nas ruas da
cidade, até de madrugada. E da liberdade que a dança a proporciona. “Nos
últimos anos, ao cuidar dos pacientes em casa, fiquei mais caseira. Em um curto
período tive muitas perdas, perdi meu marido em novembro e meu último paciente
em janeiro”, lamenta.
Hoje ela ainda aceita alguns
idosos na sua casa. “Quando precisam de uma companhia, eu ainda pego, mas para
cuidar mesmo de pacientes acamados, eu não dou conta, mesmo gostando muito do
que faço”, finaliza Ana.
Jacy Miguel
O entrevistado da semana vem de
uma família tradicional da cidade, Jacy Miguel além de ser filho de Waldemar
Miguel, fez história com a direção da concessionária da Ford, a Vemisa,
chegando a ser um dos maiores revendedores da marca no Brasil. Sempre cuidando
dos negócios da família, se divide entre as raízes e o gosto pela cidade de
Poços.
De Serrania, desde pequeno
trabalhou na loja de tecidos do pai. Estudou contabilidade em Alfenas- MG.
Depois dos estudos ele retorna a cidade natal para trabalhar novamente na loja,
permanecendo por um período curto, quando resolve mudar-se para Poços, cidade
onde dois dos seus irmãos já estavam.
O segundo filho de uma turma de
onze irmãos, Jacy chega a Poços em 1971 e compra uma distribuidora Ford na
cidade. Os irmãos já estavam a frente da loja A Casa do Linho, comércio também
de tecidos. A concessionária já estava
em funcionamento e era chamada de JB Carvalho. “Transferimos o nome para Veículos
Miguel S/A (Vemisa)”. A empresa funcionou por 32 anos.
Conhecido também por Darcy,
Jacy conta o porquê do apelido. “Minha mãe queria que eu me chamasse Darcy, e
papai Jacy. Na hora de registrar, o meu pai colocou o nome que ele queria Jacy,
mas deve ter falado pra minha mãe que havia colocado o que ela escolhera. Então
minha mãe me chamava de Darcy. Fui descobrir meu nome de registro já jovem,
quando fui fazer a admissão no curso de Alfenas”, conta Darcy, que lembra que o
irmão mais velho já o alertava que seu nome verdadeiro era Jacy.
Nesses 32 anos na direção da
Vemisa Jacy pode acompanhar de perto a evolução dos automóveis e lembra os
primeiros veículos que puderam comercializar. “Corcel, aero willys, jipe, caminhonete
rural eram alguns dos carros. Nesse período a Ford já tinha assumido a Willys”,
explica Jacy.
Darcy, como também é chamado, brinca com a
fama que conseguiu com o trabalho na concessionaria. “Na época da revendedora
da Ford conheci muitas pessoas e fiquei muito conhecido na cidade”. A
aproximação com os clientes foi outra coisa lembrada pelo empresário, que fazia
verdadeiras amizades com os clientes, as quais, conserva até hoje, quando
consegue encontrar com alguns.
A concessionaria conseguiu
sucesso nos anos em que esteve em Poços. Jacy Miguel comenta que naquela época
a modalidade de consórcio era muito forte. “Chegamos a vender 120 carros mês,
tínhamos mais de mil consorciados”, ressalta o empresário.
Entre papéis e jornais antigos,
o empresário mostra documentos em que a revendedora foi destaque em vendas, foi
contemplada e o carro do consórcio foi entregue pela diretoria da Ford, que
esteve na cidade na época. Em um jornal em comemoração aos 80 anos da Ford em
1988, os feitos da empresa eram citados. “Tivemos relacionamento com a cúpula
da Ford, conhecendo o Henry Ford II”, comenta Darcy.
O contato aconteceu em uma
convenção promovida para todos os distribuidores do país. Jacy ainda mostra uma
carta que foi encaminhada a todos os revendedores quando Henry Ford II se
envolveu em uma disputa com os acionistas da empresa. Na carta, tranquilizava
os revendedores que eles não seriam atingidos e que o assunto era pessoal.
O empresário comenta que os
lançamentos de automóveis do mercado não demoravam para chegar a cidade e
lembra o privilégio que teve ao conseguir vender um dos carros mais caros que
eles tinham na distribuidora. “Fui o maior vendedor de landau, fui premiado por
essas vendas. Tempos atrás eu procurei os compradores desses veículos e os presenteei,
como reconhecimento da ajuda. Aqui em Poços foram cinco ou seis carros
vendidos”, reforça o empresário.
Outra premiação que fica
exposta na mesa do escritório foi uma viagem a Paris que Jacy ganhou pelos bons
resultados de venda da concessionária. “Somente 20 representantes da Ford, dos
mais de 400 que existiam no Brasil, foram contempladas com a premiação. “Eu
presenteei meus pais, como era novo, eu sabia que poderia ir mais para frente”,
conta o empresário. Os pais ficaram 15 dias em Paris com recomendações de
vestuário e orientações sobre os custos da viagem.
Foi também um dos grandes
freqüentadores das colunas sociais e cliente VIP da casa noturna London, que
ficava na rua São Paulo. No local, Darcy tinha uma mesa reservada
permanentemente para amigos e colunistas sociais. Em 1979, a mesa foi ocupada
pelo presidente do sindicato metalúrgico, o ex- presidente Luis Inácio Lula da
Silva, que estava na cidade para acompanhar uma greve que acontecia na empresa
Alcoa.
A Vemisa ainda ficou em 1984
entre as dez empresas de Poços de Caldas que mais gerou imposto de circulação
de mercadorias, o ICM, ficando entre empresas grandes como Alcoa e Cerâmica
Togni.
Paralelamente Jacy trabalhou
desde o início na agricultura e hoje, se dedica totalmente a essa área. Trabalhando com café e criação de gado bovino
branco. As fazendas ficam em Serrania e região. “Eu que faço a direção das
fazendas”, comenta o empresário mostrando os quadros das propriedades em seu
escritório.
Das fazendas, a mais
tradicional é a de Serrania, onde seu pai chegou a trabalhar e depois foi
adquirida pela família. “Essa fazenda tem 100 anos. Outra fazenda que gosto
muito é a do Campo do Meio, que fica no lago de Furnas, chama-se ‘Retorno’ e
foi construída por um usineiro”.
Darcy conta que acostumou-se a
dormir tarde e por isso, não segue o hábito do campo . “Eu durmo devagar”,
brinca ele. Ele ainda comenta sobre a companheira, que é veterinária, e o ajuda
muito na fazenda.
“Eu resido em Serrania e em
Poços, fico dois dias em Poços, preciso ir a Serrania para cuidar dos negócios,
mas acho a vida em Poços uma delícia, por isso me divido para ficar nas duas cidade.
Poços é muito bonita, não há lugar como essa cidade”, exalta o fazendeiro. O
endereço de Darcy ainda é aqui, mas como as origens ficaram em Serrania, o
fazendeiro volta para ficar mais próximo da história da família.
Dentro de todas as viagens que
fez para outros países, Jacy ressalta a importância de valorizarmos cidades
como Poços que possui riquezas a serem descobertas. “Gosto de viajar, conheci
Cancun, Portugal, Aruba, mas gosto de aproveitar a cidade, temos que aproveitar
aqui”, ressalta ele.
Sempre através de muito
trabalho, Jacy comenta a trajetória dos pais que o ajudaram a seguir o próprio
caminho. “Somos muito felizes quando estamos trabalhando, quem não trabalha não
tem o que contar”, fala Darcy.
O pai
O pai de Jacy, Waldemar Miguel,
iniciou a vida profissional como sapateiro sem saber onde levaria sua família,
com a esposa Conceição Aparecida Miguel construiu um legado na região.
Posteriormente trabalhou como meeiro na Fazenda de Serrania, que hoje pertence
a família. Em 1936, foi morar e trabalhar na fazenda de Serrania, onde começou
a produzir diversos produtos agrícolas, principalmente, algodão, cachaça e
rapadura.
Em 1939 voltou à cidade e
adquiriu do tio uma loja de tecidos e armarinhos. A história da família Miguel
começa desse ponto. Darcy conta que o pai foi proprietário de três laticínios,
levando os queijos para São Paulo toda semana. “Durante 30 anos, toda segunda-
feira meu pai levou os queijos a São Paulo,” lembra o fazendeiro.
O pai foi também presidente do
terceiro banco da cidade de Alfenas por 11 anos. A primeira fábrica de tecidos
do estado de Minas Gerais foi fundada por Waldemar em 1955. A indústria era de
fabricação exclusiva de linho. Com a qualidade dos fios e do linho produzido na
fábrica a partir do ano de 1976 a empresa começou a exportar tecidos para o
Japão. “A fábrica tinha 350 funcionários, e exportávamos para a Itália também”,
explica Darcy. A Tecelagem Serrania continuaria até depois dos anos 90.
Waldemar foi perfeito da cidade de Serrania
nos anos entre 1953 a 1959. Em 1964 monta a loja de tecidos em Poços, a Casa do
Linho, onde os filhos começam a seguir seus passos nos negócios. Nos anos 80,
recebe o título de Comendador.
Waldemar Miguel falece ao 87
anos, enquanto sua esposa, Conceição fica com a família até seus 103 anos.
Clovis Lúcio Viera - o Binho
Fascinado por histórias, Clovis
Lúcio Vieira, conseguiu através do seu trabalho colher vivências e compartilhar
as suas com os amigos. Há 29 anos está à frente de um negócio que deu certo, o
Bar do Binho, tradicional pela qualidade e dedicação de um curioso.
Clóvis Lucio Vieira, o Binho,
do Bar do Binho ganhou esse apelido da mãe ainda pequeno e, sem saber dizer o
porquê, desde então todos o conhecem pelo apelido.
Nascido em Guaxupé, Binho
cresceu a beira da estrada da Mogiana, o avô era mestre de obras da estação e a
família morava nas casas construídas próximas a estrada de ferro, onde morava a
chamada turma de conservação. “Era muito bonito ver de perto o trem e toda a
vida que tinha entorno dele”, lembra Binho.
Quando Binho tinha sete anos a
família se mudou para Poços. O pai, viajante, trabalhava nas cidades da região
e por gostar de Poços resolveu se mudar para cá. “Meu pai vendia armarinhos no
atacado em toda a região do sul de Minas”, conta o comerciante.
A família morava na rua Capitão
Afonso Junqueira e Binho recorda que o paredão da rua estava sendo terminado
ainda. “Não existia o paredão de pedra que se observa hoje. As ruas eram de
terras. Poços parecia um imenso jardim, era o centro da cidade e os bairros Vila
Cruz, Vila Nova, Cascatinha e o São José que parecia ser muito distante”,
comenta Binho.
Ele ainda relembra como a
cidade sofreu com a paralisação dos cassinos em 1946. “A cidade ficou parada
porque toda a economia e turismo dependiam dos jogos. E só voltou depois de
1970 com as empresas da Alcoa e Mitsui”, completa.
Ele conta como as crianças
tinham liberdade antigamente. “Nós éramos pequenos, mas íamos para a escola
sozinhos, todas as crianças iam, não tinha perigo nenhum”, pontua Binho que se
lembra de fazer longas caminhadas pela cidade com os colegas de escola.
Nesta época, Binho e sua
família já haviam mudado para perto da Av. José Remígio Prezia, e mesmo
estudando na escola David Campista, ele e os irmãos caminhavam sozinhos até a
escola.
Como ainda não havia televisão
- o que para o comerciante afastou as pessoas- as crianças ficavam na rua brincando
e os banhos de rio eram a maior diversão dos garotos. “O rio Vai e Volta, por
exemplo, nós podíamos pescar nele, tinha muito cascudo, tinha muita água”,
enaltece ele.
Ainda menino, ele conta que
alguns rios já eram famosos pela garotada. “Perto da mesma Av. Remígio Prezia
tinha um lugar que chamávamos de ‘Anga’, lá tinha muita água nadávamos muito. Perto
de onde hoje fica o clube da Alcoa tinha o Poção também era muito bom”, lembra
Binho de como aproveitava os rios da cidade. Ele ainda conta que jogar bola e
roubar frutas eram outras diversões das crianças.
Na adolescência, final dos anos
60 para os anos 70, o passeio principal era ir a Praça Pedro Sanches e assistir
filmes nos dois cinemas da cidade, o São Luiz e o Vogue. “A cidade toda
freqüentava os mesmos lugares, tinha as matinês, todo mundo se arrumava, as
meninas de vestidos e nós de sapatos e roupa social, era um evento”, brinca ele
que lembrou que a famosa calça jeans Lee só apareceria anos depois.
Ainda sobre as roupas da época,
Binho lembra que os uniformes das escolas eram tradicionais, cada escola tinha
a sua identificação. “O uniforme das meninas do São Domingos era muito bonito,
lembrava o estilo marinheiro”, fala ele.
O que marcou a adolescência de
Binho também foram os circos. “A frequência de circos na cidade era grande,
eles eram montados onde hoje fica o Mercado Municipal, que foi inaugurado
somente em 1974”, relembra.
Antigamente os terrenos das
casas eram enormes e o costume era toda casa ter a sua horta, assim as
refeições eram sempre com fartura. “Havia pobreza sim, mas parece que as
pessoas na passavam fome, as coisas eram mais simples, as pessoas eram
satisfeitas”, enfatiza Binho.
Aos 17 anos Binho começa a
trabalhar com o pai e conhece todo o sul de Minas. As viagens eram feitas em
estradas de terra, somente as estradas que levavam para o Rio de Janeiro que eram
asfaltadas, as que levavam às cidades de Minas ficaram prontas em 1975.
“Como eram estradas de terra
usávamos carros de tração nas quatro rodas, como o rural willys, jeep 54, com a
chuva só esses carros enfrentavam a lama”, conta o então viajante.
Enquanto viajante Binho se lembra
de uma vez em que o carro, na época um fusquinha, estragou e ele precisou ligar
para o pai. “Era uma manhã de 1976, perto de Serrania, o carro estragou,e para
chamar alguém a gente precisava ir ao centro telefônico. Pedi a ligação e ela
completaria somente seis horas da tarde, já que era para outra cidade”, conta
ele que passou o dia todo sentado no banco da praça esperando a ligação.
Viajou por 12 anos vendendo
armarinhos, até se mudar para a cidade de São Paulo, onde morou por cinco anos
trabalhou na venda de lentes de contato.
O destino
Depois da estadia em São Paulo,
o vendedor volta para as estradas, mas um acidente muito grave leva Binho para
outros rumos. “Fiquei seis meses no hospital em Campinas- SP. Meu irmão tinha
um bar/restaurante na cidade, eu ia ajudá-lo no bar quando comecei a melhorar”,
nessa ajuda, Binho descobriu um prazer.
Depois de recuperado, ele
voltou para Poços, mas já não sabia o que faria profissionalmente. Durante uma
conversa com a irmã, Binho disse que havia gostado muito de trabalhar no bar do
irmão, então essa irmã o aconselhou a abrir um bar e o ajudou, assim surgia o
Bar do Binho.
Durante três meses Binho ficou
construindo o bar, eram jornadas das seis horas da manhã a meia noite, e quase
não acreditando que conseguiria, inaugurou o bar em 2 de outubro de 1987.
No bar, o cozinheiro fazia tira
gostos diferentes, que chamavam a atenção da clientela. “Na época eu fazia
coisas diferentes como pé de porco, rabada, rã frita, moelinha”, pontua o
comerciante.
Em janeiro do ano seguinte
Binho já consegue reformar o local e ampliá-lo para receber mais clientes. “O
pessoal que freqüentava o bar eram os amigos que eu tinha feito nessa vida,
sempre fui de muita amizade e foram eles que ajudaram a continuar meu bar”,
explica.
Entres esses amigos muitos se
tornaram juízes e policias e o bar ficou conhecido pela alta freqüência do
pessoal do judiciário e da polícia. “Eu os conhecia de longa data e essa
amizade se fortaleceu quando eles começaram a freqüentar aqui”, diz o
comerciante.
Binho sempre gostou de
conversar de política, de história e já gostava de frequentar bares pra
conversar com os amigos. “Eu tive um amigo juiz que trouxe outros oficiais de
justiça, tinham delegados e investigadores da polícia civil que moravam aqui
perto e frequentavam o bar”, relata Binho.
“Dr. Juvenal, delegado
regional, foi um dos grandes amigos que fiz nesses anos, ele ficou sete anos em
Poços e tinha sido capitão da PM em Belo Horizonte- MG e começou a trazer os
oficiais para o bar ”, completa ele.
Assim o bar começou a ser
frequentado por policias da PM, da Civil e por profissionais do judiciário. Binho
fez vários jantares para os oficiais. “Um dia, chegaram um cabo e um tenente,
que tinham vindo verificar uma reclamação de um vizinho, quando eles viram
todos aqueles oficiais, eles voltaram para trás”, conta rindo o comerciante que
recepcionaria o mesmo tenente no restaurante dias depois.
O botiquim continua no mesmo
local desde a inauguração. Os amigos juízes e promotores também ajudaram a
levar o pessoal da faculdade para o bar. “Como eles davam aula nas faculdades,
já pude contar com a divulgação deles”, conta Binho que via seu bar cheio de
jovens nos finais de semana.
O que fazia do bar um sucesso
era a qualidade. “Eu buscava a mercadoria no mercadão de São Paulo, comprava
lagosta, camarão, perna de cabrito, ostra, caranguejo”, fala o comerciante que
sempre tentava inovar.
Durante 14 anos o Bar do Binho
teve cara de buteco, funcionava de domingo a domingo. Com o nascimento da filha
Binho resolveu se dedicar mais a família e transformou o bar em restaurante,
dedicando-se mais a refeições, mas nunca deixando de trazer novidades.
“Montei um bom cardápio, faço
um filé mignon que é conhecido na cidade, o prato leva uma boa salada mista
completa com couve flor e batata, traz também mandioca frita e tutu de feijão,
esse prato é a marca do bar”, confessa o proprietário.
Hoje o restaurante serve
almoços diários, entregando também marmitex e pratos pontos. “Com essa crise me
adequei a todos os bolsos continuando com a qualidade, mas tentando reajustar
os preços”, explica.
Binho conta como é bom servir a
terceira geração. “Conheci os pais enquanto namoravam, vi eles nascerem, e hoje
vejo essas crianças trazendo seus próprios filhos”, exalta Binho que faz
questão de cumprimentar cada pessoa que entra em seu bar.
Em um ritmo mais moderado os
amigos ainda visitam Binho à noite para o famoso tira gosto. “Já reconheço os
clientes pela voz, tem alguns que chegam e falam: Querido Pai”, se lembrando de
uma carta que ele e os amigos fizeram falando a respeito dos ‘cara inchada’ que
bebiam no bar.
Entre histórias de vizinhos,
esposas que buscavam o marido no bar, amigos que esqueciam o cigarro no
congelador, Binho fala do prazer que tem em cuidar do seu negócio. “Cada um que
frequenta o meu bar traz uma história, a gente ri, conversa e aqui não tem
stress”, falo o proprietário que adora ler e escutar histórias.
Falando nisso, Binho conta como
começou o gosto pela leitura. “Nós íamos às matinês do cinema para ver os
filmes de faroeste, desses filmes surgiam muitos gibis e nós sempre trocávamos
entre os amigos nessas sessões. Depois, meu pai mesmo não lendo, começou a
assinar o jornal, e eu e meus irmãos líamos todo dia, aos poucos interessávamos
pelas enciclopédias, e comecei a viajar pelos livros”, finaliza ele.
Siomara Bonafé
Siomara desmistifica a
glamorização do seu trabalho
Diretora da empresa de eventos Prisma e da Versátil, Siomara
Bonafé compartilha sua história como pioneira em eventos na área médica e
coorporativa, e o recém posto adquirido, o de mãe do vereador mais jovem eleito
na cidade.
Siomara é da cidade de São Paulo, mas sempre morou na cidade de
Mogi das Cruzes- SP, onde fez a faculdade de biologia e se casou. Está em Poços
há 27 anos. Casou-se com o marido Júlio César Falaschi Costa, e mudou-se para
São Paulo. No desejo de criar os filhos em uma cidade do interior o destino
acaba os ajudando, e Julio é convidado por um amigo médico para integrar sua
equipe em uma clínica da cidade. Julio se muda com a família, Siomara e o bebê
de quatro meses.
Siomara conta que não teve problemas em se adaptar a cidade. “Não
tínhamos conhecidos ou parentes, mas fomos muito bem aceitos e acolhidos por
Poços e por seus moradores”, diz ela.
Por vir de uma metrópole como São Paulo, o casal teve que se
adaptar aos costumes de cidade pequena. “No início eu achava muito estranho as
pessoas pararem no meio da rua com o carro”, brinca a empresária.
Com o casamento, Siomara se dedica a criação dos filhos e não
exerce a biologia. “No final do curso eu já não me identificava mais, como tive
meus filhos e pude me dedicar a eles, aproveitei essa oportunidade”, conta ela.
Após três anos do nascimento do primeiro filho, Siomara tem mais
um menino. “Eu sempre morei em apartamento, então sempre gostei de morar
próximo aos jardins da cidade, levei muito meus filhos a esses jardins e ao
Parque Municipal”, diz ela.
Após o crescimento dos filhos, Siomara sentiu a necessidade de se
recolocar no mercado de trabalho e encontrar algo que a motivasse. “Pelo meu
marido ser médico, eu frequentava alguns congressos com ele e pude perceber que
a cidade poderia recepcionar esse tipo de evento, e era uma área que me
interessava”, aponta a promoter.
Siomara começa em uma empresa da cidade como promoter e começa a
ter contato com o que seria a sua especialidade, eventos e congressos nas áreas
médicas. “A cidade ainda não tinha enxergado o potencial que ela tinha para
esses tipos de eventos e nós resolvemos investir”, enfatiza Siomara.
Em 2003, com o fechamento da primeira empresa em que trabalhou, Siomara
resolve abrir sua própria empresa, a Prisma Eventos, que conduziria os eventos
da área médica da cidade. “Com a experiência que ganhei em cursos,
especializações e nos anos de experiência, pude consolidar a minha empresa”, relata
a empresária.
A promoter reforça que a beleza da cidade, e o quanto ele chamava
atenção do turismo também contribuiu para que os congressos fossem um sucesso.
“Alguns congressistas só de saberem que o evento aconteceria na cidade de Poços
de Caldas já confirmavam a presença”, conta ela.
Os primeiros anos não foram fáceis, esses tipos de eventos eram
raros na cidade. “Com o tempo conseguimos consolidar grandes eventos de
congressos sul- mineiros de médicos, temos eventos com mais de 200
palestrantes”, explica.
Siomara conta como o resultado final mascara todo o trabalho
realizado por trás. “As pessoas enxergam o local pronto, com palestras e kits
organizados, mas ficamos cerca de um semestre para que aquele evento ocorra da
maneira correta, por isso, a Prisma eventos consegue trabalhar com dois congressos
desse tamanho por ano”, explica ela.
Com uma equipe pequena, Siomara comenta como fazem verdadeiros
milagres. “A área de eventos não é fácil, se você não tem o feeling, ou o
equilíbrio nas situações difíceis, nenhum evento fica de pé”, destaca a
diretora.
Com a Prisma a empresária participa de ventos por todo o Brasil,
nas cidades da região, e em grandes centros como Belo Horizonte e São Paulo.
“Pela excelência do nosso trabalho conseguimos alcançar esses lugares”, exalta
Siomara.
Depois do aprimoramento em eventos da área médica, em que toda
estrutura também era feita pela Prisma, Siomara se rende a uma outra paixão, a
realização de casamentos. “Os casamentos nos trazem emoções diferentes, poder
montar essas cerimônias já faz parte de um querer particular”, confessa.
Siomara conta sobre um casamento que foi especial. O casal se
casou em Ilha Bela, cidade do litoral paulista, e toda a estrutura e o lugar
eram muito bonitos. “Na noite anterior do casamento o céu estava lindo, no dia,
aconteceu um temporal que alagou toda a cidade, mesmo assim conseguimos nos
virar e arrumar todo o casamento”, conta ela.
Neste casamento o pai da noiva sempre indagava a Siomara qual seria
a surpresa que ela faria no casamento. “Até então eu nunca tinha parado pra
pensar que um casamento precisaria ter surpresas”, e começou a pensar em alguma
coisa.
“A noiva era moderna e não queria dançar nenhuma valsa, como eles
tinham se conhecido em um carnaval no nordeste, ela queria que tocasse um axé”,
conta Siomara.
Com essa história do axé, Siomara encontrou uma música linda da
banda Asa de Águia, que servia bem para o casamento e para o momento. “A letra
era maravilhosa, quando coloquei para o meu marido escutar, nós nos
emocionamos, e não tive dúvida que aquela seria a música ideal”, fala ela.
Siomara aproveitou o trabalho das crianças da APAE que fazem
papeis recicláveis, e com esses papeis escreveu a letra da música. “Avisei só
ao noivo para ele conseguir conduzir a noiva, foi maravilhoso, mesmo as pessoas
que estavam trabalhando comigo se emocionaram, e enfim encontrei a surpresa que
o pai da noiva tanto pedia”, explica ela.
Uma situação engraçada aconteceu em um evento de café na cidade
vizinha de Machado- MG. “Fomos parar em um lugar muito distante, era um evento
de café para estrangeiros e na hora da preparação achei estranho a demora da
montagem da mesa de buffet”, reforçou a empresária que foi atrás do que havia
acontecido.
Na atual situação, o caminhão com a comida do buffet tinha se
perdido na estrada desde madrugada, e consequentemente, não havia nada para
oferecer aos participantes. “Eu já estava pensando em servir somente o café
preto, que era o que mais tinha por lá, e máquinas de café também não faltavam,
mas eu precisava servir o almoço. E o que eu faria com o almoço?”.
Em questões de segundos Siomara já teve que bolar outra estratégia
que pudessem substituir aquela situação. “Eu já pensava em comprar massas,
fazer um molho, comprar os refratários. Quando o caminhão chegou ao local
rebocado por um trator que havia passado no local, foi muita sorte”, conta
Siomara, que felizmente não precisou colocar o plano B em prática.
Siomara reforça como o trabalho
é visto pela maioria. “Digo novamente, ver tudo pronto e organizado é a parte
final do meu trabalho, eu me orgulho ao ver o que conseguimos como resultado
final, mas o que fazemos e nos desdobramos pra isso acontecer só quem trabalha
nessa área, sabe”, afirma.
Além desses dois seguimentos, eventos para área médica e
casamentos, a Prisma também trabalha com eventos corporativos em outras áreas. Por
exemplo, a exposição de Noivas Festas & Eventos, já tradicional na cidade,
que reúne os melhores profissionais nessa área. “E trouxemos a Construdecore,
feira de arquitetura, construção e decoração. Outro evento que foi um sucesso e
muito gratificante para mim foi o Baile de Máscaras do Carnaval do ano passado”,
exalta a empresária.
Além da empresa de eventos Prisma, Siomara começa um novo
empreendimento. “A Versátil surgiu concomitantemente com a Prisma, mas era
voltada para atender necessidades internas, agora resolvemos expandir”, explica
ela.
A Versátil é uma empresa de estruturas para feiras e eventos, a
necessidade da separação foi em conjunto com a maior procura do mercado. “Hoje
recebemos pedidos até de Belém, no estado do Pará. A empresa tem muito
trabalho, então resolvi separá-las para podermos nos dedicar mais a cada
vertente”, diz a empresária.
Além disso, Siomara é
diretora da Poços de Caldas Convention Visitors Bureau que tem a missão de ampliar o fluxo de
turistas para Poços de Caldas por meio de captação de eventos. Através dos
eventos cooporativos e feiras, a cidade preenche um período que não há visita
dos turistas.
Filhos
Siomara é mãe de Gustavo Bonafé vereador eleito para o mandato de
2017, o mais jovem vereador eleito com um grande número de eleitores. E de
Rafael, que hoje mora nos EUA. “Sempre me preocupei com a profissão que os meus
filhos seguiram, talvez por eu mesma ter feito um curso com o qual não quis
trabalhar”,comenta ela que, como comentou anteriormente, cursou biologia.
Siomara lembre que sempre deu a liberdade que os filhos precisavam
para fazer as suas escolhas, mas sempre esteve presente para orientá-los. “Eu
sempre conversava com eles sobre qual profissão eles tinham vontade de exercer,
e quando eles me falavam alguma, eu tentava mostrar à eles na prática”, explica
ela.
Gustavo se interessou por muitas áreas, no início a pediatria o
atraiu, comentando com a mãe, ela resolveu o levar a um amigo médico. “Como ele
começou a mencionar o desejo pela profissão, achei que era o meu dever mostrar
como era a profissão de verdade, fora da teoria, pedi pra o Dr. João Ronaldo
que o deixasse passar o dia vendo suas atividades, e ele foi”, relata a mãe.
Vendo de perto toda a rotina que um pediatra enfrentava, Gustavo
desistiu da medicina. “Mas desde o início o Gustavo falava que queria ajudar
pessoas, então fui o ajudando nesse foco, depois de um intercâmbio na Mongolia,
Gustavo decidiu que trabalharia com pessoas e focaria nisso”, fala Siomara.
O outro filho Rafael já sabia o que seria desde pequeno. “Mesmo na
escola ele já gostava de um palco, ele participava de tudo que ele podia, e era
claro que ele não poderia ter outra direção, assim sempre os apoiamos”, pontua
ela. O filho fez cursos de teatro, entre eles o da Escola de Atores Wolf Maia, uma
das principais do país, trabalhou em várias áreas e hoje estuda cinema nos EUA.
Gustavo inicia cursos de autoconhecimento, de empreendedorismo e
liderança. “Através desses trabalhos, o Gustavo começa a fazer o que ele sempre
quis, ajudar pessoas”, enfatiza ela.
Um dos cursos de Gustavo chama-se Germinar, um curso para formação
de lideranças, mas que ajuda o indivíduo nas descobertas de suas
potencialidades, como resolver conflitos e saber tomar decisões. Outros
trabalham com oficinas de lego e interpretações de desenhos. “Acredito e faço
as oficinas do Gustavo, o Germinar, por exemplo, toda a família participou, é
um curso indicado para todas as pessoas, eu sempre aproveito para me reciclar”
comenta a diretora.
Siomara comenta como a política sempre foi tratada entre os filhos
e o marido. “Eu e meu marido somos ligados em assuntos políticos e sempre
fizemos questão de tornar a política interessante para os nossos filhos, a
política tem que interessar o jovem, porque o futuro dependerá deles”, comenta
Siomara.
Há quatro anos Gustavo decidiu que entraria para a política da
cidade. “Para mim como mãe é um orgulho vê-lo como vereador, mais ainda mais ver
a preocupação dele em ajudar as pessoas”, completa ela.
Outro valor que fez parte da educação dos filhos foi os
proporcionar o necessário. “Sempre demos a melhor educação, as viagens que eles
se interessavam, mas depois disso cada um seguiria a sua vida e suas
conquistas”, comenta Siomara sobre os filhos agora traçarem o próprio caminho.
O entrevistado dessa semana já foi mencionado em mais de 16
livros. Apesar de não ter a intenção de ser professor, foi essa profissão que o
consagrou e o tornou um dos mais tradicionais diretores do Instituo Educacional
São João da Escócia. Adelmar de Oliveira nos conta todas as suas conquistas
para a educação de Poços e outras das suas façanhas, como ele mesmo gosta de
chamar.
Adelmar nasceu em Campestre- MG e até os sete anos morou na
roça, o mais velho de onze irmãos, ainda viu a mãe criar um sobrinho. “Todos
meus irmãos tiveram sua representatividade na cidade. Muitos são professores”
orgulha-se Adelmar.
Sobre sua origem familiar, só teve conhecimento anos atrás
quando descobriu sobre seus antecedentes. “Meu pai não conversava com os filhos
sobre isso, descobri sobre os parentes e a origem nobre recentemente”, reforça
ele que descobriu que Lucas Borges de Carvalho, um dos primeiros portugueses a
chegar ao sul de Minas Gerais seria um antecedente direto.
Começou a trabalhar aos sete anos. Ainda jovem, conseguiu
abrir uma lavanderia industrial moderna, e teve quatro empregados. Nesse
trabalho atendia todos os hotéis da cidade. Mas além do trabalho, queria
estudar e exercer outras funções.
O primeiro desejo
foi ser delegado federal. Ficou dez anos
sem estudar entre o primário e o secundário. Mesmo tendo ficado dez anos
parado, passou na admissão, uma espécie de prova para entrar no colégio Pio
XII, e no segundo ano do ginásio Adelmar começou os estudos no Instituto
Educacional São João da Escócia, onde traçaria toda a sua história.
No último ano de contabilidade, curso escolhido por Adelmar,
já aconteceu o convite para ficar na instituição e começar a dar aulas, além do
emprego de professor garantido, Adelmar foi convidado também a participar da
maçonaria. “Até então eu não sabia o que era a Maçonaria, mas em menos de dez
anos fui ao último grau da maçonaria”, exalta ele.
Recebeu um convite do juiz de Direito chamado Doutor Milton
Reis para trabalhar voluntariamente para o juizado de menores. “Recebíamos uma
carteirinha de comissário de menor e outra do delegado da cidade”, fala o então
jovem professor e comissário.
Tinha fama de bravo, mas porque não aceitava coisas erradas.
“Uma vez um delegado quis desfazer de mim como comissário de menor, e ameaçou
me prender, eu o desafiei a fazer, mas o juiz chegou antes da confusão e
indagou o delegado”, conta o então comissário que era subordinado ao juiz e não
ao delegado. Um dos serviços do comissário era não deixar menores de idade
entrarem no cinema e nesta confusão, esse delegado queria deixar uma menor
entrar. Com o puxão de orelha do juiz, o
delegado começou a chorar e foi notícia em vários jornais do Brasil. ‘Juiz
solta comissário e prende delegado’, era a manchete dos jornais, lembra
Adelmar.
A oratória era um ponto forte de Adelmar, como se expressava
bem, gostava de dar palestras. Além disso, desde que iniciou sua carreira na
área de educação, fez a diferença. Incentivou a criação de centros acadêmicos e
de arte. Foi um dos fundadores, junto com Tita, Totonho, Manuci e outros, da
primeira União Muncipal de estudantes de Poços de Caldas.
Passou pelos anos da revolução de 64 vendo amigos sendo
presos, exilados ou mortos, mas o mais surpreendente para ele foi ser
considerado um espião do SNI – órgão de repressão do exército. “Como eu usava a
minha carteira, eu fui considerado parte da polícia, mesmo não sendo”, relata o
então comissário de menores. Mesmo nas faculdades em que cursava os soldados
“batiam” continência para o professor, o considerando parte do órgão.
Por considerar Adelmar um homem de influências na época da
revolução, os próprios diretores da Faculdade de Guaxupé, o pediram ajuda para
o reconhecimento da instituição educacional. “Como eu conhecia um professor
especialista na faculdade de direito de Pinhal, conversei com ele, quem me
orientou e eu consegui o tal reconhecimento, mas nada tinha a ver com o SNI”,
confessa ele.
Instituto Educacional São João da Escócia
Além de começar a dar aulas logo que se formou no colégio na
década de 60, Adelmar ajudou a ampliar o ensino e modernizar o método
pedagógico. Lecionou mais de oito matérias, entre elas, história e
sociologia. Como diretor, ajudou a
iniciar os cursos técnicos de química e eletrônica. “Eu fazia a diferença
porque era diferente, eu queria o progresso para o colégio e queria ensinar os
alunos de uma maneira mais moderna”, enaltece o também diretor.
O colégio foi a sua vida, e orgulha-se de ter sido professor
dos filhos das famílias mais tradicionais da cidade. “Acho que fui o professor
que mais teve aluno aqui em Poços”, brinca ele, que lecionou por mais de 27
anos e foi diretor por mais 20 anos.
Um de seus grandes companheiros de trabalho foi o professor
Arinos. “Ele me ajudou muito e eu a ele, eu tentava modernizar as grandes
ideias do professor”, lembra ele que também foi convidado para ser diretor do
Colégio Marista, mas como estava doente, indicou Arinos para substituí-lo e
ficou no São João da Escócia.
Outra façanha do Diretor foi conseguir mais prédios, além do
primeiro que fica na esquina da rua Ceará e Minas Gerais, o diretor ajudou a
conseguir a construção do prédio da educação infantil e da quadra esportiva do
colégio. “Havia um espanhol na cidade que era muito rico e não tinha filhos,
como estava mais velho, resolveu fazer uma doação para o colégio”, menciona o
professor aposentado.
Na vida educacional Adelmar foi responsável pela formação de
muitos grêmios estudantis. Fundador dos grêmios estudantis da faculdade de
filosofia de Guaxupé e Pinhal- quando foi estudar nas faculdades já dava aulas-
“Modifiquei o método de ensino do colégio. Eu não admitia que a indicassem
livros somente para satisfazer vendedores”, indigna-se ele.
Foi membro fundador
do centro cívico do colégio e comenta algumas das matérias que eram ensinas.
Deu aulas de Moral Cívico que tratava sobre a constituição, moral e ética e
como viver em sociedade. Outra matéria era Organização e Normas do trabalho,
matérias que atualmente temos somente na faculdade, e especificamente sobre a
primeira, somente em uma faculdade de Direito.
Foi delegado do sindicato dos professores destacando a
importância da valorização da profissão. Presidente da Comissão de Educação e
Cultura de Poços de Caldas, participou da reforma de ensino e da diretoria do
mobral ( educação para jovens e adultos).
Foi conselheiro da Autarquia Municipal de Ensino Superior de Poços de Caldas, hoje a
Pontifícia Universidade Católica- Puc. “Quando fui tomar a posse, o padre
Trajano foi contra, mas outras pessoas reconheceram minha importância no
conselho”, reforça o professor. Mesmo
com todo o movimento contra de Trajano, a coragem e o respeito conquistado pelo
diretor ultrapassou qualquer iniciativa do Padre de impedir a posse de Adelmar.
Futebol
O esporte também fazia parte da vida de Adelmar, jogou até
com Paulo Cury, que depois seria presidente do Atlético Mineiro. Foi meio
direita do Campestre Futebol Club, mas enquanto todos os jogadores tinham 20 e
poucos anos, Adelmar era uma criança de 14 anos.
Quando veio para Poços foi titular do time juvenil da
Caldense, e orgulha-se em falar da habilidade herdada pelo filho. “Meu filho
também foi um esportista muito bom, Estenio, foi um dos maiores atletas de
Poços, na corrida, futebol e outros”, exalta ele. Além do filho, Adelmar ainda comenta da filha
que é outra alegria de sua vida. Do fruto do primeiro casamento, teve os dois
filhos e hoje tem três netos. Foi presidente do Futebol Amador de Poços.
E não deixa de falar dos namoros e das coincidências de
encontrar os filhos de ex- namoradas na sala de aula. “Sempre tinha pra falar
que eu tinha namorado a mãe”, brinca ele. Se aposenta no colégio por problemas
de saúde.
Esse professor, diretor e também comissário de menores ainda
foi eleito vereador em 1970, profissão que exerceu durante apenas um mandato.
“Não gostei, fiz muito bem o meu papel, mas não quis me candidatar novamente”,
esclarece ele.
Cidadão honorário de Poços de Caldas acumula elogios e “façanhas”. Aos 82 anos gosta de estar cercado pela história que ajudou a construir. Entre livros, recortes de jornais e muita memória, Adelmar aproveita o que conquistou. Mesmo não tendo a intenção de ser professor, foi considerado um dos melhores..
Roberto Bonifácio Ventura
Apaixonado por Beatles e Elisa
Regina, Roberto Bonifácio Ventura ainda faz da música o alicerce da sua vida.
Como professor de um coral para a terceira idade não abandona o universo
musical. Para O Construindo A Nossa História conta como foi a relação com a
música poços- caldense e como foi participar de um dos primeiros e únicos
curtas gravados na cidade.
Roberto nasceu em uma casa
perto da igreja São Benedito em 1953, e conta que não era
um santo. “Hoje me chamariam de criança imperativa, naquele tempo era criança
doida mesmo”, brinca Roberto. As ruas
não asfaltadas eram trilhas para as brincadeiras de bandeirante e pique esconde. Para Roberto a infância é a melhor fase da
vida.
Os estudos começaram em uma
escola onde o prédio ficava perto da Igreja Matriz. Hoje, na mesma casa, ainda
funcionam alguns cursos que são oferecidos pela igreja. A escola já não tinha o mesmo brilho da
infância, o ambiente hostil fez com que Roberto aprendesse a se defender.
“Mesmo não gostando e violência eu percebi que precisava me virar naquele
mundo”, completa ele.
Mas depois desse aprendizado, o
ambiente escolar passou a ser encarado de outra forma. Foi na escola Pio XII
que Roberto começou a participar de festivais de música e descobriu o que
realmente amava na vida. “Foi o colégio que eu mais amei na vida, lá tive
professores maravilhosos e muitos amigos e percebi que a música faria parte da
minha vida”, lembra Ventura.
Ainda se lembrou dos pais, a
convivência com a mãe, muito esperta, e o pai habilidoso, o ajudou a ponderar
as qualidades de cada um. O pai era
considerado um dos melhores confeiteiros da cidade, trabalhava no Quisisana,
onde aprendeu a língua francesa e a etiqueta do país europeu. “Meu pai se
sentava a mesa corretamente e comia delicadamente. E no local de trabalho só
falava francês”, explica ele. Embora o pai, Américo Bonifácio, fizesse doces
maravilhosos, Roberto não gostava e os amigos quem se davam bem ganhando os
doces famosos do pai.
Falando sobre a escola se
lembra da criação dos filhos, que puderam fazer faculdade e enchem o pai de
orgulho com a inteligência que demostram. Pai de três filhos, conta como foi
difícil ficar longe do primogênito. “Meu primeiro filho nasceu de um casamento
com uma suíça, depois da separação, ele
foi levado para o país da mãe”, lamenta Roberto que ficou 22 anos sem ver o
filho.
O primeiro casamento foi aos 20
anos com a garota suíça que tinha aparecido em Poços. “Quando a família da
minha namorada perdeu tudo, ela foi morar em casa e eu senti a obrigação de
casar”, comenta Roberto lembrando que
o casamento não foi realizado no papel
porque a burocracia- de um casamento de uma estrangeira e um brasileiro- dificultou.
O Filme
Em 1974, quando Roberto
trabalhava na Associação de Funcionários Púbicos do Estado de São Paulo, ainda
casado com a primeira esposa, viu um anúncio no jornal que anunciava que
procuravam atores para um filme que seria rodado na cidade. “Eu e um amigo
fomos ao teste para o elenco e passamos”, conta ele.
O filme chamava-se ‘H-23 Tempo
de Fuga’ o enredo era sobre uma bomba
que seria testada no pacífico, e quando o teste acontece as pessoas
ficam desorientadas a terra é devastada. O filme ainda retratava uma excursão
que levava as pessoas para verem um vulcão.
Roberto não era o ator principal, mas nos primeiros dias de gravação o
ator principal foi descartado, e Roberto, escolhido para substitui-lo.
Dirigido por Mario Martins, as
filmagens foram feitas durante um ano. Depois de finalizado foi exibido em todo
o sul de Minas. “Fomos os primeiros a fazer um
filme na cidade e o primeiro filme de ficção científica gravado no país.
Fomos convidados a participar de um festival de curtas na cidade de Las Vegas-
Nevada, mas não tínhamos dinheiro para a viagem”, confessa o então ator.
Sobre as técnicas usadas,
Ventura comenta como era difícil a filmagem já que não poderia ter erros,
“Retratava-se a cena, se não ficasse boa perdíamos aquela filmagem, o rolo
‘queimava’ e precisava usar um novo. A voz era colocada depois, pois não
existia o recurso de gravar o som na hora da filmagem, simultaneamente”,
explica o ator.
Mesmo com o papel no curta,
gostando da experiência como ator, Roberto ainda se deslumbrava com a música e
foi por esse caminho que escolheu trilhar. Fã de Elis Regina e The Beatles
empolga-se ao falar da primeira vez que escutou uma música do grupo inglês. “Eu
estava andando pela rua e escutei trechos de ‘Love me do’, foi uma experiência
inesquecível e eu percebi que era aquilo o que eu queria seguir”, enaltece o
músico.
Com a separação da primeira esposa e com o
distanciamento do filho, Roberto enfrentou uma das piores fases da vida. Por
isso, resolveu mudar para os Estados Unidos, aos 28 anos. Durante os anos que
esteve fora passou por Nova York, Houston- Texas e Europa percorrendo várias
cidades com amigos, um de Guatemala e outro americano. “Reencontrei anos
depois, esse amigo de Guatemala. Ele me buscou para conhecer sua casa e passei
um mês no país dele”, conta animado.
Nesses países ainda arriscou
cantar algumas músicas brasileiras, o que os estrangeiros adoravam. Mas logo
resolveu voltar para Poços. Na volta o músico resolve morar com amigos em uma
casa antiga no centro. Nessa fase conhece sua segunda esposa, com quem teve
dois filhos. “Nos encontramos em um
teatro na Urca, começamos a namorar, em seis meses estávamos casados”,
comenta o músico que separaria novamente.
Além dos filhos, fala de outra
criação, um livro, já pronto, de crônicas. Tal obra mistura histórias pessoais
com ficção. “Minha crônica é lúdica e cruel, dependendo do jeito que estou. Amo
escrever e conhecer pessoas, cada uma delas tem um mundo”, reforça o também
escritor. O livro ainda precisa ser revisado e finalizado.
Por esse amor pelas pessoas
Roberto coleciona amigos de todas as idades, desde crianças até pessoas mais
velhas. “Tenho muitos amigos, minha casa é frequentada por muita gente e
principalmente por jovens, me sinto pai de todos eles”, enaltece ele.
A música
Voltando ao universo da música,
Roberto lembra quando os ritmos entraram na sua vida. “A influência venho da
minha irmã, indiretamente”. Ela recebia muitas serenatas e Roberto como um bom
irmão mais novo caçoava da irmã, mas entre as brincadeiras, ele começou a
prestar atenção aos ritmos. “Fui atrás do rapazes até conseguir cantar uma
serenata com eles, depois de muita insistência”, comenta ele. A partir disso
ele decide aprender sozinho.
Começa a cantar em
conjuntos: no ‘Penas do Tiê’, nome
inspirado na música de Fagner que referia-se a um pássaro do nordeste- cantava MPB e samba e participava de
casamentos e bailes. Já no ‘Agnus Day’,
outra banda da qual participou e que o nome era inspirado na primeira música de
João Bosco ‘Agnus Sei’, fez muito sucesso pela cidade e ficou ainda mais
conhecido apresentando nos locais mais frequentados.
Um local lembrado foi o bar
‘Verde e Amarelo’ que ficava em cima da famosa London, casa noturna muito
lembrada por nossos entrevistados. O bar também era famoso e Roberto cantou no
local por mais ou menos quatro anos. Todas essas atrações noturnas ficavam onde
hoje conhecemos pelo shopping Gibimba.
A música sempre o acompanhou,
mas depois de um período afastado, se reencontraram. Agora o que norteia o
músico é o trabalho no Coral do Serviço de Obras Sociais- SOS. Depois de fazer
um curso na entidade, Roberto foi convidado a dar aulas de canto para os alunos
do local. Há três anos o coral faz várias apresentações pela cidade, são mais
de 30 alunos e todos da terceira idade.
“Além do ensino de canto, eu
tento ensiná-los a viver o presente e a valorizarem-se”. Com esse convívio
Roberto consegue ver de perto o benefício da música, o qual ele sentiu na sua
própria vida.
“Várias pessoas me procuram
para relatar o quanto a música foi importante para eles desde que entraram no
coral. Filhos e netos também me contam e agradecem porque percebem as mudanças
nos alunos”, fala o cantor de seu atual orgulho.
“Musicalmente elas se
transformaram, abriram as mentes, converso muito com todos. Hoje eles adoram
cantar e dançar, é uma alegria ver o resultado da música nessas pessoas”,
completa o professor que não cansa da música e da convivência com as diferentes
pessoas que passam pelo seu caminho.
Iara Manata Pontes
Iara Manata Pontes mudou-se
para Poços em busca de novos rumos. O destino lhe preparou a convivência com um
método pedagógico inovador que transformaria o futuro de muitas crianças.
Assim, a pedagoga iniciou na direção da escola Polivalente e traçou sua
história na área da educação poços- caldense.
Natural de Divinópolis- MG,
Iara veio para Poços em 1974 para instalar a Escola Polivalente em Poços, um
ano depois a escola começaria a funcionar. Formada em pedagogia, iniciou a
carreira como professora primária, deu aulas na escola infantil, na segunda e
quarta série, e também na zona rural. No último ano do curso de pedagogia, Iara
foi convidada para trabalhar na delegacia de ensino de Divinópolis- MG, se
dedicando a área administrativa.
Com o desejo de sair de
Divinópolis, o plano de Iara e seu marido, o escritor Hugo Pontes, era se mudarem
para Poços, já que um primo do escritor residia na cidade. “O professor Arinos,
o primo de Hugo, nos fez o convite de mudarmos para cá, e o namoro com a cidade
começou a partir dessa ligação familiar”, contou a professora.
Arinos também trabalhava na
área educação da cidade, e convidou o casal para trabalhar aqui. “Eu viria como
orientadora educacional e Hugo, como professor”, explicou Iara. Essa proposta ocorreu
quando o casal passava alguns dias em Conceição do Rio Verde- MG, cidade
vizinha da qual a família de Hugo pertencia.
O que mais atraiu o casal foi a tranqüilidade
e a beleza natural. “Poços me lembrava muito a minha infância que foi passada
em Cruzeiro- SP, uma cidade também montanhosa e bonita”, relembra a pedagoga.
Entre os meses de decisão da
mudança Iara descobriu que havia um concurso para a escola Polivalente. “Eu
preferi fazer o concurso e passei. Fiz o curso de capacitação para a direção da
escola Polivalente e em setembro de 1974 começou os preparativos para a
instalação da escola”, pontua a agora diretora que participou de todo o
processo de implantação.
O Polivalente foi o resultado
de um programa do Ministério da Educação que se chamava “Programa de Expansão e
Melhoria do Ensino”, esse programa trazia uma conceituação inovadora e
diferenciada. “Tudo era pensado na melhor educação para os alunos, então além
da parte pedagógica que era a principal, até a estrutura do prédio era
planejada para melhorar o ensino das crianças e os trabalhos dos professores”,
enfatiza Iara.
A localização do prédio
obedecia a uma diretriz municipal sobre a direção que a cidade cresceria. “Na
época houve o que eles chamaram de reversão de expectativa, então ao invés de
crescer para a zona oeste, onde fica o prédio do Polivalente, ela cresceu para
a zona leste”, fala Iara sobre a demora da urbanização do local.
Havia uma avaliação para a
entrada dos alunos, e as salas não podiam passar de 40 alunos, que posteriormente,
era dividida em duas turmas para as aulas nos laboratórios. “Essa avaliação não
era uma classificação de nota, mas um entendimento dos alunos. Havia uma
avaliação física para saber como estava o desenvolvimento de lateralidade e
espaço, era um trabalho completo”, lembra a também professora.
Consequentemente, a escola
também tinha conhecimento sobre o nível das crianças nas disciplinas regulares
e assim conseguiam equilibrar melhor as turmas. “Essa seleção não era para
colocar melhores alunos somente em uma sala, mas justamente para mesclar esses
níveis para que toda a escola seguisse o mesmo ritmo”, destaca Iara.
As salas eram amplas, os
laboratórios eram equipados, havia salas de estudos para os professores. “Os
professores trabalhavam em regime integral, então planejávamos as próximas
aulas na própria escola”, explica.
Uma das vertentes desse projeto
era preparar os alunos para o mercado de trabalho e para a convivência em
grupo. A escola recebia alunos da quinta a oitava série.
Além das disciplinas regulares,
os alunos aprendiam sobre quatro áreas que eram chamadas de “Iniciação ao Mundo
do Trabalho”. Esse programa iniciava as crianças a realidade que enfrentariam
quando adultas. “Nós tínhamos práticas em Técnicas Agrícolas, Artes
Industriais, Educação para o Lar e Técnicas Comerciais”, conta a então
diretora.
O regime da escola era
semestral, nas primeiras duas séries (quinta e sexta) os alunos experimentavam
cada uma das quatro áreas, caso se identificassem com alguma, poderiam
aprofundar nas duas séries seguintes (sétima e oitava). “Esse aprimoramento era
livre, se quisessem trocar de área também podiam”, completa Iara.
O diferencial da escola Polivalente
era ter um projeto pedagógico, que na época não existia, esse projeto era
baseado em uma filosofia Rogeriana - que é a educação centrada no aluno.
Em 1975 a escola implantava uma
nova metodologia de ensino, os alunos sentavam em grupo, cada disciplina tinha
sua sala específica. “Encontro muitos ex- alunos e todos se lembram de como o
ensino era diferenciado”, comenta a diretora.
Iara Pontes ficou a frente da
direção da escola por 14 anos, pode presenciar o ensinamento de uma escola
inovadora até para os tempos atuais, o que dirá nos anos setenta. “Tínhamos
muita resistência, estávamos vivendo uma época de ditadura, tínhamos que
enfrentar muita coisa para conseguirmos levar o projeto adiante”, conta.
Às sextas- feiras os
professores montavam projetos com os alunos. “Eles escolhiam áreas que se
interessavam como artes, teatro, aprofundamento em matemática”, pontua Iara.
Ela se lembra de tentar manter
um diálogo com as outras escolas, para que pudessem conversar umas com as
outras. “Como recebíamos alunos de outras escolas queríamos ajudar esse aluno a
chegar bem na nossa, mas muitas escolas não entendiam isso e nos viam como
prepotentes”, relata a professora.
A escola também foi pioneira na
recepção de crianças especiais. O primeiro aluno era deficiente visual. “Na
época os alunos aprenderam braile para acompanhar, o aluno se chamava Oto, ele
nos testava para ver se tínhamos caridade dele, por isso, ele foi mal
propositalmente para que tomasse a bomba, e ele bombou naquele ano”, lembra
Iara que ainda tem notícias do ex- aluno.
Iniciação ao Mundo do Trabalho
O “Iniciação ao Mundo do
Trabalho” trazia o diferencial de apresentar às crianças realidades que elas
poderiam seguir quando adultas. Eram áreas que tinham maior incidência na época
e norteariam a vida profissional desses alunos.
A Educação Agrícola acompanhava
a realidade de muitos jovens que moravam na zona rural e ajudavam os pais com
os cuidados no campo, além disso, apresentava àqueles que não conheciam essas
práticas as atividades que eram evolvidas no campo. “Tínhamos uma sala especial
que as crianças vivenciavam com os professores as atividades rurais, como o
preparado da colheita, criação de pequenos animais e conhecimento sobre os
ciclos agrícolas”, lembra a diretora.
Dentro de Artes Industriais
havia as artes gráficas, madeira, metal e couro. “Para essas atividades havia
todo o maquinário para que os alunos aprendessem na prática”, enfatiza a
diretora.
Já em Educação Para o Lar os
alunos aprendiam o preparo da sua própria refeição, cuidados com higiene
pessoal, organização da rotina dos cuidados de uma casa. “Esse curso abrangia
tantos meninos quanto meninas, todos aprendiam as mesmas lições, os meninos já
aprendiam como dar banho em bebês”, destaca Iara.
Em Técnicas Comerciais o
conteúdo era sobre comércio e serviços, nessa etapa os alunos tinham um banco
dentro da escola que os ensinava toda a prática de controle financeiro, fazendo
depósito e transações com o dinheiro fictício. “A criança tinha a oportunidade
de conhecer o universo do trabalho, não era profissionalização, mas um
conhecimento”, afirma.
Em encontros com ex- alunos
Iara escuta relatos de saudosismo. “Muitos me encontram e falam que nunca mais,
nem mesmo no ensino superior, tiveram o contato com o método que desenvolvíamos”,
relata.
Há anos a escola deixou de
adotar esse método. “A própria Secretaria de Educação não proporcionou as condições
para que o projeto pudesse continuar”, lamenta Iara.
Quando vê as propostas atuais
de pensar em grupo, atentar para as necessidades individuais de cada aluno, Iara
se lembra do que começou em 1975. Como pedagoga, Iara comenta como a área de
educação é conservadora. “A semente ficou, essas mudanças da maneira de ensinar
e olhar o aluno traz o que fiz nos anos setenta na escola. O processo de
mudança na educação é muito lento e resistente”, enfatiza Iara.
Ensino Médio e Profissionalizante
O ensino médio só foi
implantado nas redes públicas nos anos 80. Na cidade onde havia ensino médio
nas escolas particulares, não haveria ensino médio nas públicas. Nessa época, a
escola Polivalente cria seus primeiros ensinos técnicos.
“Fizemos a opção pelos cursos de
alimentos e enfermagem, alimentos porque a região comportava muitas fábricas de
alimentos, além da fabricação de doces artesanais, e enfermagem por ser uma
área da saúde”, explica a diretora.
O primeiro curso técnico em
alimentos em Minas Gerais foi implantado em Poços. “Conseguimos um convênio com
a Unicamp para que os professores fossem capacitados na Universidade”, conta
Iara. Assim a escola Polivalente e a escola David Campista foram as primeiras
escolas a terem ensino médio e profissionalizantes na cidade.
Segundo a pedagoga o governo do Eduardo
Azeredo acabou com os cursos técnicos e os laboratórios do Polivalente foram
abandonados. “O curso de técnico de alimentos só voltou a funcionar com o
Senai”, destacou ela.
Novos desafios
Após a aposentadoria Iara não
parou, com o casal de filhos já crescidos, ela decide fazer o mestrado na
Unicamp em educação na área específica de gestão, prestou mais um concurso e
começou a trabalhar na UEMG, também na área de gestão. “Todos meus cargos foram
conseguidos através de concurso”, orgulha-se Iara.
Nessa volta, a pedagoga pode
participar de mais uma implantação, já que a UEMG também iniciava uma nova
modalidade com proposta diferenciada de ensino de pedagogia. “Essa inovação veio ao encontro de tudo que
vivenciei na Unicamp e no meu período no Polivalente”, enaltece Iara. Como o
projeto não foi continuado, Iara não se interessou em continuar e ficou apenas
dois anos na instituição educacional.
Iara tem um casal de filhos e
três netos. Da vida na educação Iara herdou o hábito da leitura e preenche sua
vida com os cuidados com a mãe e com os netos, conta ela mostrando o vestido
feito com todo o cuidado para a neta mais nova. Orgulha-se de escutar histórias
vencedoras de ex- alunos que se tornaram bons profissionais e por ter
participado dessa construção de boas histórias.
Leandro
Bertozzi
O nosso homenageado da semana já fez
muito em pouco tempo, e por isso dividiu conosco a sua história. Leandro
Bertozzi é produtor cultural, e depois de experiências na prefeitura, pode
enfim fazer o seu trabalho com a cultura, que desde o início esbarrou em sua
trajetória profissional.
Nascido
em Poços, tem duas irmãs, uma delas, sua gêmea. Morou a maior parte da sua
infância no bairro São Geraldo. Leandro se lembra das brincadeiras nas ruas,
como futebol e beti. “Onde hoje é o Condomínio Pitangueiras, era só mato é lá
brincávamos muito. Montávamos a nossa própria área de lazer”, conta ele.
Hoje
com uma filha de 5 anos, Leandro fala da dificuldade de se brincar livremente.
“Lembrando da minha infância, vejo que a minha filha não terá a mesma
oportunidade, mesmo agora que a levo, acho difícil achar lugares abertos na
cidade além do Parque Municipal, que é um dos principais”, comenta Leandro.
Pequenas
coisas da infância foram lembradas. “Lembro de uma vez que dois cachorros nos
perseguiram e, por um instante, o que anunciava uma tragédia, tornou-se uma
diversão. Fora os tombos de bicicletas, que são clássicos”, comenta Leandro,
sobre a simplicidade que a infância carrega.
Outra
lembrança de Leandro foi a relação com as irmãs. “Brigávamos sempre, isso nos
ajudava a não brigar com os outros na rua”, brinca Leandro. Ligado à família,
Leandro tenta sempre estar acompanhado dela.
Ele
fala da escolha da profissão. “Muitas vezes saímos do colégio sem saber o que
realmente queremos”. Ao sair do colégio, iniciou seus estudos em turismo. “O
país vivia um boom do turismo e como aqui era uma cidade turística, me
interessei pelo curso”, conta Leandro.
Ao
encerrar o curso, Leandro tinha interesse em trabalhar em um conceituado resort
localizado na Bahia, experiência que seria importante para o seu currículo como
turismólogo. “Esse resort é conceituado mundialmente até hoje, era um sonho
trabalhar lá, consegui uma vaga e fui, sem previsão de volta”, fala o produtor.
Neste
resort os funcionários moravam e trabalhavam dentro do local. O contato com os
colegas de trabalho e com os hóspedes era intenso. “Ás vezes o hospede não
queria contato, mas fazia parte do processo do trabalho essa aproximação”,
lembra Leandro.
O
chefe era um marroquino com educação francesa que estava morando na Bahia, e
logo que chegou, escutou dele. “Olha a sua função aqui é pagar mico”, disse o
chefe a Leandro, que o questionava sobre dançar, o que ele nunca tinha feito na
vida.
No
resort foram três anos de aprendizado. “Todas as noites havia apresentações
teatrais. Muitas peças conceituadas apresentavam espetáculos e em outras
apresentações tínhamos que participar também”, conta o produtor.
A
partir desse contato, começa a despertar o interesse de Leandro pela linha
cultural. Ao ver grandes produções de perto e até por ter que atuar em outras,
Leandro começa a entender esse universo. “Nunca tinha me visto no papel de
ator, ou animador, até então eu tinha dificuldade de me colocar em cima de um
palco”. Isso me impulsionou a conhecer-me melhor”, fala o então recreador.
No
hotel, Leandro conseguiu ter contato com muitas pessoas, principalmente
estrangeiros e pessoas públicas. “Ter contato com essa diversidade de culturas
e pessoas também me ajudou a focar no que eu realmente queria”, fala o
produtor.
Foi
quando Leandro começou a perceber que poderia trabalhar com arte, não
necessariamente nos palcos, mas por trás, nos bastidores. Depois de três anos,
ele chegaria ao posto de maior visibilidade do resort em sua área, mas a volta
pra Poços já estava planejada. “Lembro que era começo de Carnaval, e enquanto
as pessoas estavam chegando para o maior carnaval do país, eu, contra a
maioria, saía da Bahia”, comenta ele.
Em
2004, aos 25 anos, Leandro volta a Poços e começa a fazer alguns cursos
voltados para a área cultural. “Foi quando percebi que o turismo e a cultura
andavam juntos”, diz ele.
Como
o turismo da cidade muitas vezes não consegue se auto- sustentar, a cultura
entra como um meio para atrair mais turistas. “Eventos culturais
tornam-se produtos culturais que atraem muitos turistas”, comenta Leandro.
Cultura
em Poços
Após
os cursos, com a posse do governo de Sebastião Navarro, Leandro foi convidado
para ser o assessor de eventos da Secretaria de Turismo. Logo no primeiro
carnaval, o assessor realizou uma ação diferente. “Apresentamos peças teatrais
nas ruas durante o Carnaval”. Leandro aproveita para se lembrar das
tradicionais charangas, uma das principais atrações do Carnaval de Poços.
“Aqueles bonecos parecidos com os dos carnavais de Olinda, e as marchinhas
embalavam as charangas que aconteciam na fonte luminosa, atrás do Palace
Cassino”, lembra o produtor.
A
charanga de Poços é um encontro de grupos de teatro e dança que se reúnem e
escolhem uma temática para homenagear alguma coisa ou alguém. “A arte tem que
ser para todos, tem que levar ao público uma experiência, a arte é livre.
Fugindo um pouco das tradições no Carnaval”, diz Leandro.
Urca
Após
dois meses, Leandro foi transferido como diretor do Espaço Cultural da Urca.
Como já fazia três anos que Leandro estava fora da cidade, ele quis se inteirar
de todas as necessidades que o teatro e todo o espaço precisavam. “Quando
eu entendi, eu vi que estava faltando tudo, desde infra-estrutura, organização
de agendamentos, utilização do espaço, tudo era feito de uma maneira muito
amadora, foi uma batalha grande mudar a cultura do ‘sempre foi assim’”, explica
Leandro.
Muitas
pessoas não tinham conhecimento do que acontecia ali dentro, e o pessoal
começou a perceber que o trabalho de Leandro não seria somente uma ocupação do
cargo, mas uma adequação dos serviços para que funcionassem da melhor maneira
possível.
“Aos
poucos as pessoas foram entendendo e se juntaram ao nosso objetivo”. O meio
artístico também percebeu que havia uma pessoa disposta a colaborar e a
realmente valorizar a arte, principalmente, o local.
Leandro
então reinicia a reestruturação do espaço. “Quando comecei na Urca, o teatro
era utilizado para atividades fora da proposta artística, como formaturas”.
Essa foi outra batalha da direção de Leandro.
A
partir daí, Leandro percebeu que só o trabalho público não seria suficiente, e
começou a planejar um evento que mudaria o cenário da Urca. “Eu propus com o
pessoal de arte de Poços de fazermos o “Viva Urca”, um evento que os artistas
participariam, voluntariamente, e a verba seria destinada para a revitalização
do espaço”, lembrou o produtor.
O
primeiro Viva Urca foi realizado em 2006, a intenção era revitalizar o espaço
para que os artistas da cidade pudessem utilizá-lo melhor. “Foi uma conquista
da mobilização desses primeiros artistas”, diz Leandro.
Assim,
Leandro conseguiu em sua gestão organizar o espaço cultural. “O número de
espetáculos aumentou, conseguimos focar mais nas apresentações teatrais”, fala
o produtor.
O
que era para acontecer apensas uma vez se repetiu muitas vezes e hoje completa
11 anos de criação. “O Viva Urca foi tão bem sucedido, que o próprio prefeito
da época conversou comigo e disse que estava disposto a ajudar”, conta Leandro.
O
evento sempre acontece no mês de janeiro e o reconhecimento dos artistas poços-
caldenses também é uma vitória do movimento. “Não tenho dúvidas que os
primeiros passos para esse reconhecimento nasceram com o Viva Urca, a partir
disso, os artistas da cidade conquistaram seu espaço”, enfatiza Leandro.
O
evento passou a não comportar o número de atrações, por isso, foi criado outras
oportunidades para os artistas. “Criei o Radar Musical, e o Festival de Dança”,
fala Leandro que viu aparecer muitos talentos “esquecidos” nesses movimentos
culturais.
Para
o produtor qualquer pessoa que esteja à frente do Espaço Cultural da Urca
precisa entender que o local está a serviço da população e que é necessário
manter a qualidade e melhorar o que precisa ser melhorado. “Esse nosso auge da
cultura começou há 10 anos, é resultado de um longo processo”, explica Leandro.
“O
artista é uma peça essencial para a ferramenta da nossa vida, o que temos hoje
na cidade é resultado do esforço dos próprios artistas que lutaram pelo seu
espaço”, completa o produtor cultural.
Após
toda essa reestruturação da Urca, Leandro foi trabalhar no Museu Histórico e
Geográfico de Poços de Caldas. E durante todo esse processo Leandro percebeu
que os artistas precisavam de um apoio que não existia. “Trabalhando direto com
a cultura, comecei a ajudá-los, mesmo trabalhando na prefeitura”, fala ele.
Carimbo
Cultural
Durante
muitos anos, desde o seu primeiro trabalho no resort, os caminhos o guiaram
para a área cultural. Trabalhar sem pressão de terceiros e contribuir para que
as coisas acontecessem, foram motivos relevantes que levaram Leandro a criar o
Carimbo Cultural. “Dessa maneira eu escolheria com quem trabalharia do jeito
que eu gostaria”, diz ele.
Assim
o Carimbo Cultural se tornou uma empresa para produção de eventos, assessoria
artística e elaboração de projetos. “Foi a melhor escolha que fiz para mim e
para o pessoal que trabalha com essas ações”, completa.
O
Viva Urca, o Radar Musical o Chora Viola são alguns dos eventos feito pela
empresa. “A ideia é sempre fazer o trabalho em parceria com todos, artistas e
produtores locais”, explica. Este ano (2016) o “As cores do Coreto” foi um
diferencial com apresentações de gente local, artistas talentosos que a cidade
revela.
Leandro
comenta da necessidade de valorização dos artistas que começaram os primeiros
movimentos culturais da cidade. “Precisamos valorizar as nossas raízes, as
pessoas que começaram, com todas as dificuldades, os primeiros passos da
cultura na cidade. Fazer o projeto para as outras pessoas é gratificante e me
faz amar o que eu faço”, enaltece ele.
Leandro
fala como a profissão traz a possibilidade de conhecer pessoas. “A melhor
maneira de aprendermos sobre a nossa cultura, o caminho a seguir, e ver o que
realmente é essencial, é conhecendo essas pessoas, as suas necessidades. Essa
troca é muito valiosa”.
Temos
que direcionar toda a nossa atividade cultural para acontecer todo o ano.
“Temos que dar espaço para todos os segmentos, o poder de criação da cidade é
muito bom”, diz Leandro, que lembra que o fluxo de apresentações culturais tem
potencial para ser uma referência nacional de cultura.
“Ainda
tem muitas opções “escondidas” que não foram divulgadas que precisamos mostrar
para a cidade, digo isso sem receio nenhum, por trabalhar a algum tempo na
área, sei que ela ainda tem muitos talentos a revelar”, empolga o produtor.
Terezinha
Fernandes Moreno
Terezinha
Fernandes Moreno conta ao “Construindo Nossa História” como conseguiu, através
de muito trabalho e dedicação, se desdobrar como bancária, mãe de três filhos,
mas, principalmente, como uma das criadoras do Bicicross Poços Clube, onde
cuida de várias crianças que adotam o esporte.
Terezinha nasceu em maio
de 1950 em São João da Boa Vista- SP, mas está há 43 anos em Poços. Depois do
casamento, ela se mudou para a cidade.
“Meu marido já
trabalhava há três anos na Alcoa, em 1970 ele já veio para Poços, e depois de
nos casarmos mudamos para cá”, conta ela. Mesmo antes de se casar Terezinha
havia feito um concurso no Banco do Brasil em São João, mas como já havia se
mudado para Poços, conseguiu a transferência para a cidade.
De 1973 a 1995 Terezinha
trabalhou na agência do Banco do Brasil. “No início nosso movimento era muito
grande, éramos a única agência da região”, explica Terezinha. Na época a
agricultura era um dos principais setores da economia. “Eu trabalhava com
carteiras agrícolas com financiamentos de milho, de café, tudo era feito aqui
na cidade”, diz a então bancária.
Sobre o banco, Terezinha
comenta sobre as atividades antes da era do computador. “Quando um cliente
pedia o extrato da conta, nós tínhamos que fazer uma requisição para um órgão
chamado CESEC em Campinas- SP demorava uma semana e quando chegava eram montes
de folhas”, conta.
Ainda sobre a rotina do
banco, Terezinha explica como eram feitos os contratos da carteira agrícola.
“Os contratos eram batidos à máquina de escrever e tinham cinco vias, ou seja,
nós tínhamos que bater o mesmo contrato, cinco vezes. Os contratos davam cinco
folhas, e quando errávamos tínhamos que fazer o esquema dos papéis”, relata ela
sobre as dificuldade que enfrentava.
Ela inda comenta como uma
paralisação dos bancos atuais não altera tanto a rotina das pessoas. “Se essas
greves de muito tempo ocorressem no tempo que trabalhava, parava tudo, hoje
fazemos muitas coisas pelo celular e caixas eletrônicos”, enfatiza a bancária
aposentada.
Sobre o marido, Terezinha
conta que o conheceu criança. “Nós convivíamos desde pequenos, ele era meu
vizinho e brincávamos sempre na rua”. Conta que foram os primeiros namorados um
do outro, desde os 14 anos e esperaram para se casar. “Meu marido trabalhava em
São Paulo, e quando a Alcoa veio para cá ele conseguiu uma vaga”, explica.
Edmilson Moreira, o
marido de Terezinha, trabalhou na Alcoa desde o início e ela acompanhou de
perto a evolução da fábrica. “Meu marido fazia muitos turnos aos finais de
semana e os meus filhos adoravam buscá-lo”, conta. Terezinha lembra que existia
somente uma sala de cubas, que era uma construção enorme na fábrica- que depois
teria quatro salas dessas.
A bancária comenta que a
Alcoa foi uma mãe para quem trabalhava naquela época. “O clube da Alcoa era
outro local que frequentávamos muito, era um clube ótimo com muitas opções
paras as crianças. Formamos uma turma muito boa de amigos que tinham crianças
da mesma idade”, lembra ela.
O clube do Banco do
Brasil também é uma lembrança boa no passado de Terezinha. “A AABB também era
outro local que adorávamos ir com as crianças, também tínhamos uma turma boa
por lá”, comenta Terezinha. E ainda completa, “as crianças não ficavam só
dentro de casa, elas praticavam esportes, saiam de frente do vídeo game e da
TV”.
Nos últimos seis anos
Terezinha ficou como gerente de atendimentos especiais e trabalhou mais na rua
do que dentro do banco. “Trabalhei mais fora do banco, e logo me aposentei”,
afirma Terezinha.
Bicicross Poços Clube
Ainda trabalhando no
banco, Terezinha recebeu um convite inusitado. Um pessoal, que era patrocinado
pelo Frigonossa, a procurou. “O Roberto Braga, funcionário do frigorífico,
comentou que queria fundar um clube de bicicross e que já tinham tudo
estruturado e chamaram os meus filhos para participar”, lembra Terezinha.
Na primeira reação,
a intenção era levar os filhos para conhecer o esporte, mas como estava no
início, Terezinha ajudaria na administração do clube. Em 1990, o Bicicross
Poços Clube é fundado e Terezinha participa desses primeiros passos. “Nesse
período, fui um pouco de tudo. Passei pelas vagas de presidente, tesoureiro,
secretário”, explica ela sobre o grupo empenhado que criou o clube.
Na época, o Frigonossa os
patrocinava. No começo os filhos de Terezinha e mais alguns atletas treinaram
até adquirirem uma certa experiência. “Começamos do zero, mas em casa
tenho mais de 100 troféus dos meus filhos dos campeonatos mineiros, o qual
iniciamos”, fala Terezinha. A equipe tinha cerca de 20 meninos no início.
Com o empenho da
diretoria e da equipe de atletas, o clube pode participar de campeonatos
mineiros. A pista utilizada para os treinos sempre foi a do Parque Municipal
Antônio Molinari. “Conseguimos melhorar a pista e adequá-la para os
treinamentos dos meninos”, explica Terezinha, que conta que mesmo assim a pista
ainda era muito pequena.
Depois de alguns anos
participando dos campeonatos mineiros, Terezinha fala do cansaço que a equipe
enfrentava. “Os campeonatos mineiros eram em cidades muito distantes, Betim,
Belo Horizonte, Pirapora”, explica Terezinha, que viajava com os meninos.
Depois de muitas viagens
pelo Brasil, a equipe transferiu-se para o campeonato paulista. “As viagens
ficaram longas demais e por estarmos perto da divisa com o estado de São Paulo
seria mais fácil participarmos do campeonato paulista”, relata Terezinha.
Terezinha conta que
percorreram quase o Brasil todo com as competições. “Fomos para o sul, para
Goiânia, cidades do estado de São Paulo e até fora do país nos Pan- Americanos
na Argentina e Colômbia”, fala ela.
Um filho de Terezinha
chegou a ser campeão Pan-Americano. “Nas viagens apenas cinco ou seis pilotos
viajavam, porque as viagens eram caras e os próprios pais tinham que bancar.
Tínhamos uma ajuda do Friogonossa, mas o grande custo era bancado pelos
próprios alunos”, conta Terezinha.
“Hoje participamos
de campeonatos em cidades próximas de no máximo quatro horas de viagem e antes
gastávamos a noite inteira”, informa. Mais tarde os filhos de Terezinha
parariam. “Um foi correr nos EUA, o outro chegou a ser até narrador”. Terezinha
decide sair também em 2003, participando de forma indireta.
2º fase
Em 2011, afastada do
Clube, com um neto de cinco anos, um dos filhos de Terezinha decide voltar a
equipe de Bicicross. “Fomos conversar com o secretário de Esportes da época
sobre montar um novo clube de bicicross”, diz Terezinha. Mas, ao conversar com
ele, ele sugere que Terezinha reative o Bicicross Poços de Caldas que estava
praticamente parado e não tinha diretoria para orientar os pilotos.
“Como estava abandonado,
fiquei seis meses para desenrolar a papelada do clube e colocar tudo nos eixos
novamente”. Como já tinha o convênio com a prefeitura, era só arrumar a
papelada. Então em julho de 2011 o Bicicross Poços Clube é reativado com
Terezinha Moreno novamente na direção.
Terezinha reuniu os
pilotos que estavam no clube, fez uma reunião e explicou como seria a nova
administração. “Comecei o bicicross do nada e eu faria isso novamente, para
chegarmos ao topo, como chegamos da primeira vez”, afirmou a então diretora.
Terezinha precisou
organizar a casa. “Cada um estava viajando por conta ou um grupo específico, eu
queria juntar todos novamente, como era no início”, lembra Terezinha.
Aos poucos a equipe foi
reestruturada, e está há cinco anos participando do campeonato paulista.
O bicicross começaria a fazer parte da Confederação Brasileira de Ciclismo.
Terezinha ainda comenta
sobre o treinador dos meninos. “Ismael é um dos parceiros que está desde o
início, orienta os alunos e nos leva a grandes posições no campeonato”, exalta
ela.
Com a intenção de
realizar campeonatos na cidade, um dos pilotos, que se profissionalizou, se
engajou nessa missão. Vendo a situação que os pilotos treinavam, Renatinho
Rezende, atleta olímpico de BMX, mobilizou a reforma da pista. Os irmãos
Rezende começaram o treinamento com Terezinha. “Renatinho começou aos 7 anos na
nossa equipe, e depois continuou de forma independente. Os outros irmãos também
começaram conosco”, explica a diretora.
“Os irmãos Rezende sempre
estão presentes, mesmo não treinando mais em Poços, eles nos apoiam. Eles são
um orgulho para o Bicicross de Poços”, completa Terezinha.
Em setembro houve um
evento com a pista já reformada. “Quem cuida da pista hoje é o Bicicross Poços
de Caldas, a Prefeitura não faz a manutenção, a competência seria dela, já que
a pista pertence ao Parque Municipal”, pontua Terezinha.
A diretora conta que a
manutenção da pista prejudica boa parte do dinheiro que o clube consegue
arrecadar. “Temos que contratar jardineiro, precisamos fechar a pista
porque estava sendo ocupada a noite, fazemos o que a prefeitura não faz”,
afirma Terezinha.
Outra explicação pelo
controle da pista é o cuidado com as crianças. “Por ser um esporte radical,
precisamos estar atentos, com a pista aberta, muitas crianças entravam na pista
e poderia ocorrer algum acidente”, fala Terezinha.
Com a implantação do
esporte nas Olimpíadas o número de pessoas interessadas aumentou. “Qualquer um
que tenha interesse em treinar pode, a pista fica aberta em horários
determinados e estamos dispostos a receber a todos”, comenta a diretora.
Hoje a equipe tem mais de
40 pilotos, é a maior equipe do campeonato, ela engloba as idades de 5 a 40
anos. As etapas são divididas por idade. Para participar do campeonato basta
treinar. “Normalmente quem pega firme nos treinamentos consegue prosseguir e
participar dos campeonatos, ano quem vem teremos uma equipe grande dos meninos
mais novos”, explica.
Além da administração do
clube de bicicross, Terezinha é empresária e mesmo assim encontra tempo para o
esporte. “Viajamos de madrugada, eu e mais uma turma de meninos, e quando volto
ainda preciso trabalhar. Faço porque gosto e me liguei a esses meninos”, pontua
ela.Esses meninos fazem parte da minha família. “Eles me respeitam muito e
temos que levar muito a sério para ter um bom resultado”, completa ela.
Como os campeonatos
voltaram a acontecer na cidade Terezinha comenta sobre a pressão que os
pilotos, até os mais experientes, têm a competir na própria cidade. “Eles
ganham e correm muito bem em outras cidades, mas quando chegam a Poços, o
nervosismo toma conta”, explica ela.
Hoje a equipe é
vice-campeã do campeonato paulista entre 22 equipes concorrentes. “Nós
conseguimos chegar como éramos antigamente através de muito trabalho, respeito
e colaboração de todos”, exalta Terezinha.
José Victor Moraes
Poços-caldense e
palmeirense, José Victor de Moraes, mais conhecido como Moraes, fez história em
Poços pelos anos de experiência em farmácias. Tendo o farmacêutico Cirilo como
mentor e podendo participar de perto da evolução no mundo farmacêutico, Moraes
ainda contribui muito para o dia- a- dia da população da cidade com seu
conhecimento na área da saúde.
José Victor Moraes nasceu
em 1941, na rua Pernambuco, perto de onde hoje fica a Maçonaria. Vindo de uma
família de imigrantes que trabalhava na zona rural, Moraes viu seu pai
trabalhar com muita dificuldade para conseguir montar um restaurante. “O
restaurante do meu pai ficava na rua Assis, em frente ao mercado municipal, que
era onde hoje localiza-se a Casa Carneiro”, conta Moraes.
Ao crescer naquela área central
da cidade, Moraes conheceu muita gente e pode participar da cultura da cidade
de perto. “Os violeiros sempre tocavam em frente ao restaurante, era uma festa
bonita. E na época da festa São Benedito meu pai recebia os caiapós para o
almoço, era tanta gente, que eles muitas vezes ficavam no quintal de casa”,
lembra “seu” Moraes, que era muito pequeno, mas tem essas lembranças muito
fortes. “Na época ainda existia o roubo da bugrinha, que era uma criança caiapó
que era procurada pelos caiapós durante a tradição”, completa.
Moraes lembra-se do
vizinho ilustre que teve a época, o jogador Mauro Ramos de Oliveira, campeão da
seleção brasileira de 1958. “Lembro dele garoto. Meu pai, o Mauro e os
comerciantes da região formaram um time de futebol chamado RAF- Real Força
Aérea, baseado nos times da Inglaterra, os jogos aconteciam perto da Caldense,
onde existia um terreno. Eu era bem pequeno e ficava sentado no chão vendo meu
pai jogar”, fala o farmacêutico.
Quando pequeno Moraes
ainda lembra a época dos cassinos e como era tradição a ida a esses locais. “
Me lembro de ficar com uma tia para que meus pais pudessem ir ao cassino, meu
pai se vestia com paletó, gravata e chapéu, aquilo ficou marcado na memória”,
diz Moraes. Nessa época a família se mudava para a rua Rio Grande do Sul, onde
ficaria por um longo tempo.
Aos 10 anos o menino foi
iniciado no trabalho. “As mães tinham a opção de inscreverem os filhos num
curso de admissão ao invés de fazer o 4º ano, era como o curso
profissionalizante de hoje e eu já precisava de um emprego”, conta Moraes. Com
10 anos, através de uma prima que trabalhava na Farmácia Rosário, José Victor
Moraes iniciava sua carreira farmacêutica.
Em meados de 1952 a
Farmácia Rosário tinha como proprietário Jurandir Ferreira, mas já estava vendida
para o farmacêutico Cirilo, que admitiria Moraes. “Fui o primeiro funcionário
admitido pela nova administração do Cirilo, logo na entrevista, ele já falaria
que como já existia um José Victor na farmácia, ele passaria a me chamar de
Moraes, como sou conhecido até hoje”, explica o farmacêutico.
A “Pharmácia”
Quando Moraes começou na
farmácia ela ainda conservava muitos procedimentos que hoje são
industrializados. “Na farmácia Rosário, na qual eu iniciei, existia máquinas
para fazer os supositórios, os comprimidos, e ainda tinha o laboratório”, conta
Moraes, que lembrou que o farmacêutico responsável da época o colocava para
ajudar na fabricação das fórmulas. “O farmacêutico me chamava, e eu o auxiliava
em tudo. Desde lavar os recipientes, separar ingredientes até ajudar a fechar
as embalagens”, lembra Moraes.
Moraes diz que era comum
a fabricação de água bi destilada na farmácia, como eram colocadas em ampolas,
era necessário o fechamento das ampolas com um instrumento que utilizava fogo,
e com o auxílio de uma pinça fechavam as fechavam. “Eu era uma criança, mas
como eu aprendi, eu sabia manipular aquilo, fazíamos magnésia fluída também e
aos poucos fui aprendendo tudo com esses profissionais da farmácia”, diz o
então aprendiz de farmacêutico.
Logo o laboratório
seria transferido para a casa de Jurandir Ferreira. Mesmo assim, como até hoje,
a farmácia era famosa por suas fórmulas. “Nesta semana recebi um ligação de uma
cidade do Rio Grande do Norte, pedindo uma fórmula nossa contra a psoríase, que
é uma das mais eficientes”, relata Moraes.
Moraes ainda relembrou
curiosidades que aconteciam no ambiente da farmácia. “Uma vez uma senhora pediu
o auxílio do Cirilo, ela precisava de um remédio para o marido parar de beber,
era comum isso, ele avisou sobre as possíveis reações, mas passou para a
cliente”, relata Moraes, que no outro dia assistiria a cena da mulher correndo
na frente da farmácia pedindo ajuda ao dono da farmácia Rosário para que a
salvasse, pois o marido tinha descoberto sobre o remédio.
Como os hospitais não
faziam todos os procedimentos, o farmacêutico era muito procurado pela
população, principalmente fora do horário comercial e até mesmo de madrugada.
“Certa vez, como eu tinha muitas amizades por causa da farmácia, um cliente foi
me procurar às três horas da manhã em casa para que eu pudesse ajudar uma
turista que não aguentava de dor, era mês de maio e estava muito frio, mesmo
assim era o meu dever ajudá-los”, comenta Moraes, que depois se arrependeu ao
saber que a mulher só precisava de um remédio para gases.
Mas havia casos que
realmente o farmacêutico fazia a diferença. “Em outra madrugada atendi uma
esposa de um amigo que sofria de cólicas de rins, preparei a injeção e
apliquei, ela me agradeceu por acertar a veia dela de primeira”, ele já tinha
muita experiência e conseguia realizar seu trabalho da maneira como havia
sido ensinado durante tantos anos.
Nesse meio tempo entre o
aprendizado das atividades da farmácia, adquirindo experiências e continuando
os estudos, Moraes casa-se aos 20 anos com sua vizinha de infância. Após o
nascimento do segundo filho, Moraes sente a necessidade de progredir e decide
abrir sua própria farmácia. “Eu tinha o Cirilo como um grande amigo, não queria
sair da farmácia, mas eu precisava pensar na minha família”, diz Moraes.
Então, junto com o amigo
Sergio Alvise, o Lira, Moraes comprou a farmácia Central. “Fiquei 20 anos com a
minha farmácia, fui o primeiro farmacêutico a ter uma rede de farmácias, rede
essa que tinha apenas duas farmácias, mas para a época, era considerável”,
explica Moraes.
Moraes utilizou toda a
experiência adquirida com Cirilo para perpetuar durante esses 20 anos no
comércio de Poços. “Mais tarde, eu vendi a minha farmácia, e depois de alguns
anos fui convidado pelo atual dono da Farmácia Rosário para voltar a trabalhar
onde tudo começou”, se emociona Moraes.
Os produtos
Outro ponto importante na
rotina de uma farmácia é o constrangimento que muitas pessoas tinham ao comprar
produtos que na época eram envoltos de tabus sociais. “A camisinha era comprada
somente por homens e com homens, nenhum homem na época admitia ser atendido por
uma mulher para comprar a camisinha”, lembra Moraes.
“Certa vez atendi um
senhor que queria camisinhas, perguntei se ele queria lubrificada ou não, e
qual a cor, eram as opções que tinham na farmácia. O homem se sentiu ofendido e
saiu da farmácia me xingando, somente porque ofereci as opções”, recorda
Moraes.
A venda de
anticoncepcionais e do Viagra também chegaram a ser problemáticas. “O primeiro
anticoncepcional a ser vendido se chamava Lindiol, foi o primeiro, era uma
dosagem altíssima e era guardado numa sessão especial, a esposa vinha com o
marido para comprar”, lembra Moraes.
“Nós embalávamos os
absorventes para as senhoras não ficarem constrangidas”, conta, ao
lembrar que os absorventes também eram produtos que geravam muito desconforto
na época.
Lutas
Moraes pode usar de sua
profissão para ir além da venda e atendimentos aos clientes, como via de perto
a realidade do aborto, aproveitou para lutar contra isso e ajudar quem
precisava de orientação, por isso, começou a participar de palestras em escolas
e orientar adolescentes.
“Na farmácia eu era
procurado por maridos e mães que queriam fazer o aborto, graças aos
ensinamentos da vida eu conseguia conversar com essas pessoas e tirar essa
ideia das suas cabeças”, conta Moraes.
O resultado desse
trabalho ele percebeu quando foi procurado por algumas pessoas. “Um dia, ao
chegar à farmácia, tinha uma senhora me esperando e dizia que precisava
conversar em particular comigo. Eu a atendi, ela estava com um bebê no colo, e
ela vinha me agradecer pela vida daquela criança”, lembra Moraes, que relata
que, segundo aquela mãe, ele tinha a ajudado a não fazer o aborto.
Moraes explica que essas
manifestações mostravam que a profissão dele iria além de ajudar as pessoas
detrás de um balcão, mas também ajudava a enxergar além da relação cliente e
farmacêutico. Saudosista, Moraes conta que sente falta dessa aproximação que a
profissão lhe proporcionava. “Antes éramos confidentes, as pessoas nos
procuravam e confiavam nas nossas orientações, e o papel do farmacêutico é
esse, orientar e ajudar, não só vender um remédio. Hoje o comercial tem mais
valor que as relações”, diz Moraes, que também foi ministro da eucaristia por
10 anos na igreja do Padre Romeu, e é ministro há 23 anos na Basílica Nossa
Senhora da Saúde.
Moraes trabalha há 60
anos como farmacêutico e explica o motivo de aos quase 75 anos ainda ter
motivação para trabalhar todos os dias. “Eu gosto desse ambiente de farmácia,
eu cresci e aprendi tudo que é necessário, só não aprendi a ganhar dinheiro, o
resto, eu aprendi tudo”, brinca ele.
Hoje ele se orgulha de
poder passar o que sabe aos profissionais que trabalham com ele, de aprender
também e de poder com a sua experiência, continuar ajudando as pessoas de todas
as formas possíveis.
Marilia
de Gonzaga Lima e Silva
Primeira
mulher gerente na Alcoa mundial, Marília de Gonzaga Lima e Silva Tose construiu
uma carreira sólida na empresa multinacional e, mesmo depois de se aposentar,
viu surgir uma nova carreira como professora universitária em uma das maiores
universidades particulares do país.
Nascida em Bonfim- MG, Marília
de Lima e Silva veio para Poços em 1959, com 21 anos de idade. Assim que chegou
à cidade foi convidada para dar aulas no colégio Pio XII. “Fiz um curso de
contabilidade em Itapecerica- MG e dois anos de Normal em Muzambinho. Mudávamos
muito por conta do emprego do meu pai”, explica Marília.
O pai de Marília tinha o cargo
de coletor estadual, um coletor de impostos, trabalhava em uma coletoria, como
se fosse uma receita estadual. “Meu pai foi coletor muito tempo em Cabo Verde-
MG, mas nós morávamos aqui em Poços mesmo”, diz ela.
Por causa das mudanças, Marília
terminou os estudos em Poços, no Colégio Jesus Maria José, tendo cursado
Direito em Pouso Alegre na década de 60. “Foi o Monsenhor Trajano Barroco que,
assumindo a direção do Colégio Técnico de Contabilidade, iniciado pelo Colégio
Jesus Maria José, abriu esse curso para homens e mulheres”, diz Marília.
Posteriormente o curso foi transferido para o atual prédio com o nome de
Colégio Pio XII.
Marília ainda lembra que o
padre Trajano adquiriu esse prédio. “Onde é o colégio Pio XII atualmente era a
Santa Casa de Poços, cujo hospital seria construído onde fica hoje”, lembra
Marília.
Depois de dar aulas alguns anos
no PIO XII e terminar o curso normal, Marília passa a dar aulas no colégio
David Campista. Hoje, o receio de andar pelas ruas não chega nem perto das
lembranças do sossego de tempos atrás. Como dava aula no David Campista, sempre
andava a pé pela cidade, mesmo à noite. “Mesmo dando aulas à noite, sempre
voltávamos para casa a pé, não havia perigo, havia umas amigas que me acompanhavam,
a cidade era muito tranquila”, lembra ela. Marília morava no final da rua Rio
Grande do Sul, praticamente o final do centro da cidade.
Outra questão comentada pela entrevistada
foi o aumento de pedintes e mendigos na cidade. “Lógico que antes a população
era menor, mas o SOS Serviço de Obras Sociais – assistia muito bem as pessoas
carentes, não víamos tantas pessoas desamparadas”, fala sobre esse serviço
social, que exigia dos acolhidos a matrícula das crianças nas escolas.
Esse trabalho foi criado e
desenvolvido por Elza Monteiro Ferreira, esposa de Jurandir Ferreira, já
falecidos. “Eu admirava muito o trabalho que Dona Elza fazia com o apoio das
autoridades da época, como o promotor e o juiz”, fala Marília.
Marília cresceu numa família
numerosa, foi a primogênita de 11 filhos, sendo que o mais novo dos 11 morreu
aos três meses de idade. “Minha mãe, apesar de ter criado 10 filhos, era
professora e alfabetizou muitas crianças de Poços de Caldas, lembro-me dos
alunos que precisavam de reforço que eram levados para nossa casa”, conta
Marília.
Os mais velhos trabalhavam e
ajudavam a mãe com os irmãos. Depois de dar aulas, Marília tornou-se secretária
do Monsenhor Trajano em outro colégio que ele havia fundado, o Ginásio Virgínia
da Gama Salgado, que na época pertencia à Campanha Nacional de Educandários
Gratuitos. Para Marília, Monsenhor Trajano foi uma pessoa visionária. “Ele era
muito engajado na área educacional, fundou várias escolas e uma faculdade, e eu
pude acompanhar várias dessas realizações”, conta ela.
Alcoa
Logo depois disso, convidada
por Don Williams, Marília entrou na mineradora Companhia Geral de Minas,
adquirida pela multinacional Alcoa. Na mineradora, Marília foi contratada como
contadora, sua primeira formação.
No começo da empresa, a
contadora fazia um pouco de tudo. “Fazia a contabilidade, a folha de pagamento,
eu pagava os mineradores diretamente nas minas, em dinheiro. Naquela época, era
a única maneira que se tinha de fazer o pagamento”, lembra Marília.
A então contadora lembra que o
tempo na empresa foi de muito aprendizado. “Trabalhei cinco anos na Geral de
Minas e em 1968 a Alcoa construiu a fábrica em Poços. Fiquei 25 anos na Alcoa”,
completa.
Antes de iniciar a produção, a
Alcoa trouxe um gerente de RH que tinha muito conhecimento na área, Fernando
Pires, que foi o professor de Marília. “Até então, eu fazia as atividades
rotineiras, recrutar, admitir, pagamento, mas com o Fernando eu aprendi
técnicas aprimoradas do setor de gestão de pessoas”, lembra Marília.
O cargo que Marília ocupava na
empresa era de Gerente de Relações Industriais da fábrica de Poços e do
escritório em São Paulo, equivalente hoje a gerente de recursos humanos. “Na
fábrica eram poucas as mulheres que desempenhavam funções além do secretariado”,
afirma a gerente.
Marília foi a primeira gerente
mulher de Recursos Humanos na Alcoa mundial, a promoção levou alguns meses para
ser confirmada. Em 1973, uma mulher no comando gerava certo incômodo. A
primeira vez que viajou para Pittsburgh, cidade do estado da Pensilvânia, onde
fica a sede da Alcoa, convocaram um grupo de mulheres para ela falar como tinha
chegado ao seu posto. “Eu me assustei, até então, eu não sabia que eu era a
única gerente mulher, achei que elas que me ensinariam”, diz a então gerente.
“Cheguei aonde eu cheguei pelo
trabalho, não tinha outra coisa a falar”, comenta Marília. Em Lausanne na
Suíça, perto de Genebra, também não havia nenhuma gerente mulher. Na
Inglaterra, a mesma coisa.
A gerente conta que teve muita
ajuda e orientação da turma de Pittsburgh, além de sempre participar de cursos
e conferências. “Durante um dos cursos, aprendi uma nova forma de avaliar
cargos, o sistema Hay, e comentei na empresa, e para a minha surpresa, era o
método que eles usavam na sede de Pittsburgh”, comenta Marília.
Ao questionar sobre o novo
método a então gerente foi convidada para aprender na prática. “Fui para a sede
nos EUA e fiquei algum tempo aprendendo as técnicas desse trabalho. Eu me
lembro que tivemos que reescrever todas as descrições de cargos. E implantamos
essa avaliação aqui”, explica Marília.
O inglês era uma barreira que
tinha que ser enfrentada. “Não havia cursos de inglês em Poços de Caldas, nós
precisávamos correr atrás de algum curso ou alternativa. Então, íamos atrás dos
padres ou das freiras americanas na Vila Cruz e pedíamos que nos ensinassem o
inglês”, lembra ela.
Em 1971 Marília e algumas
amigas descobrem um curso em Pouso Alegre, no Instituto Cultural Brasil-
Estados Unidos. A escola consegue montar um grupo que realiza uma
“international exchange program”, em Beaufort, na Carolina do Sul, para
melhorar a fluência do inglês dos alunos. “Hoje isso é comum, mas na época era
raro, eu consegui uma licença não remunerada na Alcoa e ficamos dois meses
praticando a língua”, conta.
A Alcoa trouxe uma explosão de
crescimento para a cidade. Várias empresas se instalaram na cidade para atender
a Alcoa. No auge da fábrica, havia mais de 1500 funcionários. Em 1979, a
empresa teve o primeiro presidente brasileiro, Alain Belda, que posteriormente
viria a ser o presidente mundial da multinacional.
Quando optaram pela
verticalização da empresa, além da aquisição de empresas, foi construída a
Alumar em São Luís do Maranhão. “Participei de todo esse processo, da pesquisa de mão de obra local. O início
foi difícil e a Alcoa montou um centro de treinamento em São Luís para
especializar o pessoal local”, diz Marília sobre o período da implantação da
fábrica.
No fim dos anos 70 e no início
dos anos 80 o movimento sindical teve uma mobilização muito forte com a
liderança de Lula. “Essa força sindical era desconhecida por todos nós”, diz
Marília. No início os donos das empresas não percebiam que os sindicatos
estavam ganhando força e Marília reparou que precisa saber mais sobre aquilo.
Observando essa movimentação,
Marília iniciou viagens para o exterior para entender mais sobre o processo dos
sindicatos. “Os sindicatos estavam começando a ter força no Brasil e eu queria
entender esse processo que, lá fora, já estava consolidado”, disse ela.
Nessas viagens que realizou
pode ter contato com novas técnicas referentes à área de recursos humanos.
“Conheci naqueles anos, nos Estados Unidos, o Equal Employment Opportunity, um
programa de inclusão de mulheres, negros e hispânicos que priorizava a
contratação igualitária dessa parte da população nas empresas”, explica
Marília.
A greve que houve em 1979
carregava a lenda que a Alcoa tinha provocado a greve para se livrar de alguns
funcionários agitadores. “Isso é pura lenda, a greve foi provocada por um grupo
de empregados que, influenciados pelo sindicato dos metalúrgicos de São
Bernardo, não aceitou o acordo assinado pela empresa e pelo sindicato local”,
desmente Marília.
Os empresários não acreditavam
que poderia ter uma greve, mas a área de RH, principalmente na reunião de
grupos, sentia que a greve poderia acontecer. “Tínhamos um grupo com
representantes de 40 empresas como Mercedes Benz, Petrobrás, IBM e Alcoa,
grandes empresas que se juntavam para discutir assuntos pertinentes à área de
RH”, diz Marília.
Durante essas viagens de
pesquisa, a gerente aprendeu a fazer negociações. “Durante a greve, fizemos um
acordo com o presidente do sindicato dos trabalhadores e assinamos o acordo,
estava tudo certo”, diz ela.
“Mas ao levar para a
assembleia, alguns trabalhadores não concordaram e foram direto para a porta da
fábrica impedir que os funcionários entrassem. Naquele momento o nosso maior
medo era parar o funcionamento das cubas, onde ocorre o processo eletrolítico
do alumínio que sai a uma temperatura altíssima. Caso as cubas parassem de funcionar,
o alumínio se solidificaria e muitos empregos seriam perdidos”, fala Marília.
“O próprio Lula veio parar aqui
e foi para o centro da cidade agitar os trabalhadores, e depois descobrimos que
havia pessoal da região do ABC implantado na fábrica para provocar a greve, que
durou 3 dias. Foi um movimento violento, não havia muros e era fácil o acesso à
fabrica”, lembra Marília.
Chamada para proteger a fábrica
de vandalismo, a polícia conseguiu entrar pelo ramal rodoviário, pelos fundos
da fábrica, e com isso os grevistas não contavam. “Nós pedimos ajuda do pessoal
de relações públicas e descobrimos quem eram os “cabeças” da greve, que foram
demitidos pelos excessos que aconteceram na greve como cortar a linha
telefônica e apedrejar carros que saíam da fábrica com dirigentes e
secretárias, inclusive eu”, lembra a gerente. Finalmente foi feito um acordo e
19 pessoas foram demitidas e substituídas.
PUC
Em 1987 Marília sai da Alcoa, e
é convidada para dar aulas na PUC-SP em 1988. “Aos 50 anos, já aposentada, me
reinventei profissionalmente como professora universitária”, fala a agora
professora.
Marília achava que precisava
melhorar sempre e por isso fez o mestrado e doutorado, títulos raros, na época.
Depois, como queria voltar a Poços, fez a seleção para a PUC- Minas que tinha
se estabelecido na cidade. “No início eu dava aulas nas duas universidades, em
São Paulo e aqui em Poços”, explica. Na PUC- Minas, Marília ficou até 2012.
Ao voltar a dar aula na cidade
Marília viu os efeitos da universidade em Poços. “Senti uma influência muito
grande da universidade na cidade, uma verdadeira modificação no aspecto
cultural”.
Assim, Marília participou de
duas grandes empresas que alteraram o cenário da cidade, a Alcoa, com a vinda
de estrangeiros e a criação de um grande número de empregos, e a PUC,
universidade conceituada que trouxe vários cursos para a cidade.
Internet
Falando em novidades que a
metrópole trazia, a vinda da internet foi marcante para a vida profissional da
professora universitária. “Eu estava fazendo mestrado e me lembro de pegar
emprestado um computador com um amigo para escrever minha dissertação, era
muito caro, eram poucas as pessoas que podiam ter um computador”, fala ela.
“Na fundição da Alcoa em Cotia
havia apenas um computador, que era disputado na hora do almoço. Na PUC-SP
ofereciam cursos de internet, mas não tínhamos nenhum computador para usar”,
explica.
Marília ainda recorda da
criação do curso de Pós-Graduação, o CEADE, na PUC-SP. “Foi um desafio, já que
pela primeira vez teria que ensinar pessoas formadas, com experiência no
mercado”, conta Marília, que também teve que se atualizar para conseguir
acompanhar o novo curso.
Família
Marília conta que não tinha
como prioridade em seus planos o casamento e formação de uma família, então
focou nos estudos e no trabalho. “Meu objetivo não era o casamento, eu gostava
de trabalhar, de fazer cursos, foi uma escolha, eu gostava de fazer isso”,
explica.
Casou-se mais tarde, em São
Paulo, com o publicitário Sylvio Tose, já viúvo. Não tiveram filhos. “Talvez
por mamãe ter tido 11 filhos, eu tenha ficado traumatizada”, brinca Marília.
Marília ficou viúva e herdou do
marido duas filhas do primeiro casamento dele, Sarah e Júlia, e dois netos,
Jonathan e Bruno.
Gonçalo Colhado
Um dos poços-caldense mais
conhecido e homenageado, seu Gonçalo carrega o pioneirismo em muitos episódios
da sua vida. Ex- combatente do exercício brasileiro, neste início de Setembro
se ocupa com a comemoração de 7 de setembro e participa de eventos anteriores e
preparativos para o desfile tradicional do dia. Aos 94 anos suas lembranças
continuam na ponta da língua, mesmo que as datas sejam apenas detalhes.
A família de Gonçalo Colhado
começou na zona rural, perto de Poços, mas logo os pais e irmãos se mudaram
para a cidade. Na cidade, Gonçalo lembra dos estudos no Grupo Escolar David
Campista. “As crianças tinham como castigo ajoelhar-se no grão de milho e havia
soldados que nos vigiavam”, recorda o aposentado. Gonçalo ainda se lembrou da
revolução de 30, posterior a política do Café com Leite, que fez o grupo
escolar transformar-se em quartel general.
Aos 20 anos ele inicia o primeiro emprego na
‘Sinhazinha’, lugar onde as pessoas tomavam água para curar doenças, mas logo
saiu e começou a trabalhar no Departamento de Eletricidade como eletricista e
ficou por 14 anos. “Eu que coloquei os primeiros braços nos postes de luz. Era
eu quem controlava toda a iluminação da cidade”, orgulha-se. Nesta época a
luzes tinham que ser acessas às 19 horas, e apagadas às seis horas da manhã e
esse serviço foi feito por Gonçalo durante anos. As luzes só chegavam às áreas
centrais e ficavam no meio das ruas.
Seu Gonçalo era mariano, e
recebeu um pedido de colocar uma cruz no alto do morro da cidade, que mais
tarde seria o famoso Cristo. “Não tinha a estrada, muito menos o Cristo que
atrai tantos turistas para a cidade. Fomos desbravando a mata até o final do
morro para levar o cruzeiro, a cruz”, ninguém frequentava o local até então.
A primeira iluminação no Cristo
também foi feita por seu Gonçalo. “Às 20 horas todo mundo parou para ver o
cristo ser iluminado e fui eu quem ligou a chave”, conta orgulhoso. Os
primeiros sinais da televisão também foram lembrados por seu Gonçalo. “Nós
íamos no Cristo pra descobrir os primeiros sinais da televisão, andava-se pelos
matos com um aparelho para encontrar algum sinal. No início, era cobrado uma
taxa do departamento de eletricidade para quem tinha televisão em casa, era um
pagamento mensal”, relembra ele.
Após isso, começou a trabalhar
no Departamento de Água, neste local Gonçalo era motorista das pesquisadoras do
laboratório e na parte da tarde fazia coletas nos rios da cidade. “ Houve uma
grande mortandade de peixes e nós recolhíamos amostras a noite para descobrir a
razão”, explica seu Gonçalo. A razão da morte desses peixes nunca foi
descoberta, já que as fábricas e agentes que provocavam isso conseguiram
esconder as provas.
Sobre as minas de água, Gonçalo
lembra de quando Poços ainda estava descobrindo as suas águas. “ Eu viajava
para Botelhos, Caldas e cidades vizinhas levando amostras de água de Poços para
as pessoas conhecerem”, fala o então funcionário do departamento de água.
A primeira vez que a água foi
colocada em garrafas foi para ser usada em um famoso Congresso que iria ocorrer
na cidade. “ O doutor Norberto deu a ideia de engarrafarmos a água e apresentar
para especialista do país todo. Eu enchi as garrafinhas com uma mangueira, uma
por uma”, enaltece ele. Nesse tempo a água mineral estava sendo descoberta,
nesse departamento ficou por 20 anos, onde se aposentou.
Junto com o trabalho no
departamento, Colhado foi nomeado Comissário de Menor, um dos primeiros da
cidade. “Os meninos começaram a quebrar as lâmpadas da rua, e as pessoas me
procuravam para resolver isso. Depois de me tornar comissário eu levava os
meninos para o juizado e chamava os pais”, reforça ele. O aposentado exibe a
carteirinha do cargo, que pode ser exercido ainda.
O exército
Mesmo antes de começar a
trabalhar, aos 18 anos, seu Gonçalo iniciou o Tiro de Guerra em Poços. “Assim
que entrei o Tiro de Guerra faliu e eu tive que continuar as atividades em
Pouso Alegre”, reforça o ex-combatente.
Depois de seis meses em Pouso
Alegre houve a escolha de alguns jovens para defender a costa do Brasil que
estava sendo atacada. “Escolheram os melhores de cada região e fomos enviados
para o Rio de Janeiro e norte do país. Fernando de Noronha era um dos
principais territórios a ser defendido”, explica Colhado.
Depois do Rio de Janeiro seu
Gonçalo foi enviado, junto com os demais, para o estado da Bahia e de lá, para
a cidade de Recife. “Não tinha quartel ou lugar para fazer comida, dormíamos e
comíamos debaixo das mangueiras e de lá vigiávamos a costa o tempo todo” relata
o então soldado. O mar trazia restos dos navios bombardeados. Segundo ele, nunca se soube quem eram os
‘inimigos’ que bombardeavam as embarcações brasileiras.
Com um pouco de sorte, Seu
Gonçalo escapou da morte. Em uma manhã, os navios estavam prontos para
zarparem, eram seis embarcações brasileiras, porém o navio do ex- combatente
não conseguiu sair. “O Afonso pena, meu navio, não conseguiu sair, e foram os
outros cinco. Todos esses foram bombardeados”, relata ele. O jovem combatente
mandaria carta aos pais - que já achavam que ele estava morto - os tranquilizando, já que a última notícia é
de que ele havia embarcado no navio.
Na Bahia, seu Gonçalo ficou
durante dois meses. Quando voltou ao Rio de Janeiro- ficou no exército de 1942
a 1945- já deu baixa e voltou para Poços. Seu Gonçalo tinha a posição de C2, o
combatente que puxa o gatilho do canhão.
Na sua experiência as Guarnições do norte protegeram as costas do país.
Entre as fotos que carrega na
carteira, Colhado mostra a foto de um zepelim (dirigível) que monitorava o
navio para que não fosse torpedeado. As guarnições iam para a Paraíba partindo
do Rio de Janeiro, viajando dia e noite. Mais uma vez, a sorte acompanhou o
ex-combatente e logo depois do Afonso Pena ter deixado o pessoal na Paraíba, na
volta, ele foi torpedeado.
O 7 de setembro
O primeiro desfile aconteceu
quando era menino. E quando voltou do
Rio, depois de desfilar em Belo Horizonte, começou a tradição aqui. Um dos
principais personagens do desfile do 7 de setembro, Seu Gonçalo conta que a
participação nos desfiles iniciou quando o aposentado trabalhava no
departamento de eletricidade e começaram a organizar o desfile representando o
departamento. Ainda representou várias entidades no desfile, como o Lions
Clube.
Segundo seu Gonçalo, há mais ou menos três
anos, ele resolveu plantar árvores
frutíferas no canteiro em frente a sua casa, ele só não imaginava o sucesso que
faria. Vários alunos das escolas da cidade frequentam o local para ver de perto
o pé das frutas. Com plaquinhas que indicam o nome de cada espécie, o local
também conquistou moradores e turistas. “Encontro pessoas de muitos lugares
nesse lugar, muitos me parabenizam, outros me doam mudas”, enaltece ele,
orgulhoso do resultado que conseguiu com a iniciativa.
Com a ajuda dos amigos aprendeu
a cuidar das árvores, tudo começou com um pé de abacate e hoje o pomar tem pés
de goiaba, maracujá, plantas medicinais, pau brasil, variedades de uva, alface
e couve. Do amor pela pátria, Seu Gonçalo enfeita o pomar com bandeiras e
faixas em verde e amarelo.
Ficar parado não é um dos
fortes de seu Gonçalo, muito menos ficar no anonimato, por isso mais uma
empreitada o fez famoso e o rendeu mais homenagens. Todos os anos participa da
volta ao Cristo. Perguntado se ele participa da corrida, a resposta é imediata:
Eu faço a festa dos corredores. O aposentado aluga um carro de som, enfeita uma
parte da pista com as tradicionais cores que o acompanham, verde e amarelo, e
em seu ponto estratégico parabeniza cada corredor que passa por esse trecho.
“Mais de mil pessoas apertam a minha mão e fazem continência”, enaltece ele.
As homenagens para o seu
Gonçalo não param, mostrando os troféus em uma prateleira, podemos ver o título
de cidadão de honra de Poços. E a homenagem da loja Maçônica, que o presenteou
com um jantar de gala, recebido por generais e autoridades da cidade. “Esse
diploma só eu tenho como tenente reformado”, explica ele.
Hoje Gonçalo desfruta das
homenagens e da recepção que tem nos lugares da cidade. Gosta de ser lembrado e
faz por onde. Durante todos esses anos mostra seu amor pela pátria, pela
natureza e principalmente, pela vida.
Sérgio Alvisi, o Lira
Quando
se fala em Sérgio Alvisi, talvez, somente os mais próximos saberão de quem se
trata, mas quando mencionamos o Lira, a cidade inteira se lembra da banda
Regional do Lira, que toca na cidade há mais de 16 anos. Farmacêutico por
experiência, apaixonado por futebol, radialista e músico, Lira conta o que
viveu para o Construindo Nossa História, que aproveita para homenagear o
aniversariante da semana.
Lira nasceu em Poços no
ano de 1933. Os pais, italianos, se conheceram na viagem para o Brasil no navio
que trazia os imigrantes para o país. “Meus pais não falavam italiano na nossa
frente, por isso não aprendemos o idioma. Eles tinham muito receio da guerra e
de tudo que poderia envolver um imigrante, por isso se preservavam”, conta
Sérgio.
Aos oito anos de idade
Lira começou a trabalhar como ajudante na farmácia São Benedito que ficava em
frente ao atual prédio do fórum, na rua Pernambuco. Ao lado da farmácia, Lira
lembra-se de uma famosa ferraria cujo proprietário era o famoso seu Nenê
Tamburí. “Aos sábados o pessoal das fazendas da região levavam os cavalos para
ferrar e o dia ficava agitado”, lembra Lira.
Depois de alguns anos,
passou a trabalhar com Jurandir Ferreira, na farmácia Rosário. “Seu Jurandir
foi um dos grandes poetas e escritores que a cidade de Poços teve, tendo livros
premiados”, ressalta ele.
Com Jurandir, Lira
aprendeu as funções de farmacêutico, principalmente na manipulação das
fórmulas. Mesmo começando como entregador, aos poucos se familiarizou com o
ambiente da farmácia. “Naquele tempo, a farmácia era um verdadeiro ambulatório,
fazíamos exames de fezes e urina, curativos e receitávamos remédios”, explica
ele.
Aos 19 anos, com os
conhecimentos adquiridos na farmácia, Lira se muda para São Paulo, com a ajuda
do amigo Chiquinho Durante, sapateiro, que o orienta sobre um trabalho na
grande metrópole. “Em São Paulo fiquei três anos, de lá trouxe diferentes
fórmulas”, conta Lira.
Trabalhando como
manipulador de fórmulas, Lira conta como a viagem para São Paulo era
desgastante. “Usávamos uma capa, como proteção para a poeira nas estradas de
terra e a viagem durava quase um dia.”
Em São Paulo, Lira pode
ver de perto alguns famosos. “Conheci o Rocky Marciano, que é considerado até
hoje um dos maiores lutadores da história do boxe”, comenta ele que também se
lembra das grandes corridas da São Silvestre, quando pode ver de perto alguns
campeões.
Com essa paixão pelos
esportes, quando voltou a Poços começou a jogar no time de futebol Nacional.
“Eu jogava, mas não era muito bom”, brinca. Mas acabou fazendo tudo no time,
como treinar e organizar, trabalhando com grandes nomes do esporte da cidade.
Em seguida, Alvisi funda
a Liga Poços- caldense de Futebol, e o edifício leva o seu nome, Sérgio Alvisi.
A liga existe até hoje e participa de vários campeonatos com os times da
região, como futebol amador, juvenil e infantil.
Como torcedor pode
acompanhar duas Copas do Mundo, uma na Espanha (1982), e outra no México
(1986). No México improvisava apresentações. “Eu tocava pandeiro, dali surgia
um com o violão, outro com o cavaquinho e assim fazíamos música. Lembro que a
emissora Manchete fazia as transmissões”, comenta Lira.
Mesmo com a paixão pelo
time, continuava trabalhando em farmácias, agora com o seu Cirilo que já havia
comprado a Farmácia Rosário, transformando-a em Drogaria Rosário.
Posteriormente abriria sua própria farmácia com um sócio, ficando por mais de15
anos na área.
O irmão, Lázaro Walter
Alvisi (Lolo) era um conhecido radialista de Poços, fazia boas narrações
e fez sucesso com o programa ‘ Música e Esporte’, que ficou no ar por 30 anos.
Para acompanhar o irmão, trabalhou como repórter de campo nos jogos de futebol.
Com isso, Lira foi
convidado a participar da rádio Difusora, transformando-se em radialista.
“Comecei como corretor da rádio, mas depois comecei a gravar alguns programas,
até então não imaginava trabalhar com isso”, diz ele. No programa ‘Futebol e o
Craque’, Lira entrevistou grandes nomes como, Dadá Maravilha e Tostão. O
programa ficou no ar por 10 anos.
Como já gostava muito de
cantar, nas viagens com o time participava das rodas de música e com isso veio
o apelido, que virou mais nome. “Hoje pouquíssimas pessoas me conhecem pelo
nome, é uma denominação as notas musicais ou ao instrumento, nem eu sei ao
certo de onde vem o apelido”, confessa ele.
A música
Na juventude, gostava
muito de samba de breque interpretados por cantores como Moreira da Silva,
Jorge Veiga, Dicró e Bezerra da Silva. Foi pela influência do irmão que a
música entrou na vida do também cantor, que já era famoso pelas cantorias pela
cidade, ainda de maneira recreativa.
Quando freqüentava o Bar
Bancário, que ficava na rua Rio de Janeiro, quase em frente ao prédio atual do
banco Santander, ouvia das pessoas que precisava montar uma banda. E o
secretário de Turismo da época perguntou se ele não queria formar uma banda
regional.
Assim surgia o Regional
do Lira. “Eu já tinha amigos que tocavam vários instrumentos e nos reunimos.
Tocávamos muito na Praça Pedro Sanches e começamos a nos apresentar no
Leãozinho”, diz o cantor.
O repertório era repleto
de boleros de Nelson Gonçalves e samba canção. Os sete integrantes da banda
ficaram conhecidos pelas suas apresentações, viajando para cidades da região.
“Faz 16 anos que estamos com a banda. No início as apresentações eram mais
românticas e nos apresentávamos nas residências também”, exalta Lira.
Com o sucesso do
conjunto, Lira foi convidado a montar uma banda de marchinhas para o Carnaval.
Com outros músicos, Lira montou ‘A banda do Lira’ que participa do
Carnaval da cidade há 10 anos.
Poços
Lira nasceu nas
aproximações de onde hoje é a Santa Casa, o local era chamado de ‘Laguinho da
Independência’ e tinha um terreno com grandes pinheiros. “De manhã acordávamos
com a ‘árvore da macacada’, todos os macaquinhos desciam ali pertinho de casa e
faziam um alvoroço”, fala o cantor, que lembra muito bem da construção do
Hospital Santa Casa.
O campo da Caldense outra
vez foi lembrado por mais um entrevistado, já que faz parte da memória de
muitas pessoas da cidade. “O campo ficava onde hoje é o clube da Caldense e lá
o time fez a sua história”, comenta Lira.
Outra lembrança comum
entre os moradores e também de Lira foi a ficha de cassinos como moeda da
cidade. Era comum o comércio aceitar as fichas como dinheiro. “Você tomava um
café na cidade e pagava com as fichas”, diz Lira.
Alguns estabelecimentos
comerciais foram lembrados pelo entrevistado como A Casa Paty, Loja Brasileira,
casa New York, Café das Américas e a Paris Moda, que está aberta até hoje.
Os banhistas nas épocas
áureas do turismo de Poços eram outra atração a parte, já que passeavam pelas
ruas da cidade com os trajes de banho e as toalhas penduradas no pescoço. “Os
veranistas eram muitos, um amigo meu comentava que o mundo passava pelos
jardins da cidade”, ressalta Lira.
A madrugada agitada da
cidade ainda era acompanhada por um barbeiro 24 horas, que como morava no mesmo
local da barbearia, muitas vezes atendia amigos de madrugada. “O Walter atendia
os amigos mesmo de madrugada, o corte de cabelo virava uma reunião”, fala ele.
Lira se recorda dos
famosos bailes da cidade, como o do Chico Rei, no Country Club, e o bar no
barracão do Country Club. O Panela de Pressão, foi outro local citado por ele,
ficava onde hoje está o estacionamento do banco Itaú, na rua Prefeito Chagas. O
People, que ficava em frente ao hotel Nacional, também era famoso. Esses bailes
eram envoltos de bolero e samba, e cada baile tinha a sua banda.
O irmão Lolo era fã
numero um do cantor Orlando Silva e sempre escutava os vinis do cantor. “Me
lembro das casas Toledo onde comprávamos os vinis de carvão de 78 rotações, se
caísse no chão, quebravam”, conta Lira.
A esposa conheceu na
Festa São Benedito, que era famosa pelos correios elegantes, onde muitos casais
da cidade foram formados. “O frio era intenso, todos iam para a festa e mandei
um correio elegante pra ela”, afirma ele que ainda comenta que a esposa era
comprometida na época e ele a esperou.
A esposa foi Selma
Terezinha Furchi Alvise, já falecida, que dá o nome ao Coral Municipal de
Poços. “O coral era a vida dela e depois de muitos anos ela conseguiu me
levar também”, conta Lira. “Viajei o Brasil inteiro participando dos festivais
de corais, parei há 5 anos”, completa. Com a esposa teve cinco filhos, ficou
casado 28 anos, reunindo netos e bisnetos.
Hoje gosta de fazer
caminhada e se encontrar com os amigos em reuniões semanais. Toca todos os
finais de semana na fonte do Leãozinho com a banda Regional do Lira.
Ainda se apresenta em asilos e entidades da cidade apresentações que fazem
parte de projetos sociais. “É muito
gratificante poder levar a minha alegria a esses lugares”, encerra Lira.
Vera Ribeiro
Uma das
primeiras locutoras de rádio de Poços, Vera Ribeiro, se encantou pelas rádios que escutava quando adolescente e
mesmo se preparando para ser professora, conseguiu unir as duas paixões durante
a vida, o ensinar e o encantar as pessoas com a sua voz marcante.
Poços-caldense e filha
do casal Antônio Ribeiro e Nadir, Vera Aparecida Ribeiro Marques, nasceu em
1943, como lembrou ela, dois anos antes do término da Segunda Guerra Mundial, o
que a faz parecer histórica, brinca ela. “Falando em Segunda Guerra pareço
muito ‘antiga’, mas aos 73 anos me sinto muito bem e com muita coisa para
viver”, diz Vera.
Os pais de Vera
trabalhavam em hotéis da cidade e por isso ela se lembra desse universo. “O
Hotel Quisisana era um lugar maravilhoso, havia capela, lago, piscina térmica,
campos de tênis”, lembra Vera. Outra boa lembrança do hotel era da boate. “A
boate era famosa, além dos hóspedes, as pessoas da cidade também frequentavam”,
conta ela. Hoje o Hotel Quisisana é um condomínio fechado.
Durante a sua infância,
Vera morava perto de onde hoje se localiza a Santa Casa. “A Santa Casa ainda
não estava construída e nós brincávamos muito no terreno do hospital”, diz Vera
que fala como as brincadeiras e a liberdade de brincar na rua eram boas. “No
Brasil sempre houve pessoas podres, sempre tinha pessoas passando dificuldades,
mas não ouvíamos falar de violência, certamente existia, mas eram casos raros”,
observa ela sobre a realidade em que cresceu.
Vera Ribeiro ainda
lembra-se dos valores que a sociedade prezava naqueles tempos. “O respeito aos
pais também era muito importante, quando não fazíamos o que eles achavam certo,
éramos colocados de castigo e obedecíamos. Os professores também eram muito
respeitados”, diz ela.
“Não digo que a vida era
melhor ou pior, gosto de viver hoje, a vida era muito difícil, hoje a vivência
é melhor, mas os valores eram diferentes. Não tenho saudades do que passou,
tudo serviu para disciplinar, me tornar mais forte e aprender com as
vivências”, ressalta.
Já na adolescência, Vera
se encantaria pelo rádio e pelas rádios novelas. “A rádio era o meio de
comunicação mais importante, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro era a rainha
das rádios, escutávamos as novelas e eu ficava admirada com aquelas vozes”,
lembra ela.
Vera fala das mulheres
que a inspiraram a se tornar locutora. “A locutora Isis de Oliveira, da rádio
do Rio, tinha uma voz maravilhosa e fazia a rádio novela, e tinha outra
locutora que eu não me lembro o nome, mas que apresentava aos domingos o
programa Rei da Voz, que eu gostava muito”, conta.
Diante dessas admirações
Vera foi atrás do seu sonho, através de uma amiga que estudava com ela no
colégio Jesus Maria José, Vera pediu a essa amiga que falasse com o pai, que
era dono de uma rádio, vera pediu para fazer um teste. O pai da amiga era
Sebastião Leporace, dona da Rádio Cultura, onde Vera aprenderia tudo para ser
uma locutora.
Depois do teste, ela foi
convidada para treinar na emissora todos os dias depois da aula. “Eu ia de
uniforme e treinava com o locutor Clinger Marques, treinei durante seis meses,
até começar a fazer as rádios novelas com ele”, conta a locutora.
Clinger ensinou a Vera a
maneira correta de pronunciar as palavras, as entonações corretas, como se lia
o texto e as técnicas para se ter uma boa voz. “Hoje essas técnicas não têm
mais valia, o improviso conta mais que os ensinamentos”, aponta Vera.
Então a Rádio Cultura
foi a primeira rádio em que Vera trabalhou. “Eram anos dourados, o repertório
das músicas eram selecionadas a dedo, e as rádios novelas movimentava a
cidade”, conta Vera. A Cultura ficava no andar de cima do prédio onde hoje
funciona a empresa Cometa, em frente a praça Pedro Sanches.
A locutora ainda se
lembra de Paulo Penido, o jornalista que redigia as matérias e também escrevia
as novelas. “A última novela que representamos foi um grande sucesso, se chamava
‘O Quarto Rei Mago’ e encantou toda a cidade”, diz.
Nos testes, Vera conhece
sua outra paixão: o marido. “O Afonso Celso também queria ser radialista e nos
conhecemos na Rádio Cultura, namoramos alguns anos e depois nos casamos”, fala.
Assim como o marido que
dividia os microfones da rádio com o funcionalismo público, Vera se desdobrava
entres as aulas e a apresentação dos programas. “Depois eu também prestaria um
concurso público e por destino ou coincidência, fui direcionada para assumir os
microfones da Rádio Libertas”, fala Vera que inicialmente prestara o concurso
para trabalhar na área de educação.
A Rádio Libertas
Com a chegada da TV o
rádio teatro não fazia mais sentido e decaiu, assim a programação teve que ser
reinventada, já que a TV era o foco das atenções e as telenovelas surgiam .
Como funcionária
pública, fiquei na Libertas até aposentar. “Um dos programas que eu mais
gostava de fazer era um programa de jazz, com músicas selecionadas a dedo”, lembra
a locutora.
Outro programa que produzia
era a seleção de boas músicas para serem tocadas no Country Club nos finais de
semana. “Como não havia outros clubes em Poços, a cidade toda ia para lá.
Sambas, bossa nova, jazz, músicas internacionais, italianas todas selecionadas
a dedo eram reproduzidas no clube”, lembra Vera.
Além desses, havia um
programa noturno gravado. Esses programas tinham que ser suaves, e a voz de
Vera Ribeiro, com slogans como “Você na Libertas, eu com você” conquistava
muitos ouvintes. “Recentemente um ex-aluno estava conversando com meu
filho e disse - Alexandre, eu dormia todas as noites com a sua mãe- brincou o
amigo que explicou que dormia com o rádio ligado e a minha voz.” Vera brinca:
“Então eu dormi com muita gente”, lembrando sobre os programas noturnos que apresentava
e embalavam o sono e a noite de muitas pessoas.
O rádio jornalismo
recebia correspondência de todas as cidades da região, eventos e notícias eram
disputados para serem divulgados. “A Libertas era muito conceituada e alcança
muitas cidades da região. As prefeituras também mandavam correspondência”,
conta Vera Ribeiro.
Um dos casos mais
curiosos que aconteceu foi com o locutor Clinger Marques, aquele locutor que
ensinou as primeiras técnicas para Vera. “Eu já estava na rádio há alguns anos.
Recebemos um texto de uma propaganda que era sobre um novo desodorante,
chamava-se 1010 (mil e dez), uma marca famosa da época. Quando Clinger foi
anunciar saiu a seguinte frase: Use desodorante Ioiô… Todo o pessoal caiu na
gargalhada e ficamos tentando entender de onde ele tinha tirado aquilo”, ri ao
contar.
Outra coisa que Vera
fala da programação na Sexta-feira da Paixão, quando não se tocava música
popular brasileira. “Era só música clássica e triste em respeito ao dia que se
comemorava a crucificação do Senhor Jesus”, explica Vera.
“A Libertas funcionou na
rua Rio de Janeiro, no prédio localizado em cima da loja Mmartan, e no mesmo
prédio funcionava a Secretária Municipal de Turismo e Comunicações, com a
emissora no mesmo andar”, lembra Vera. A estrutura da rádio era composta
por microfones enormes, pendurados no teto, com plataformas no chão. As
gravações eram sempre em fitas, a discoteca da rádio era maravilhosa, com
vários vinis.
Lembranças de Poços
Vera Ribeiro se recorda
da colônia italiana de Poços e dos eventos que eles promoviam na cidade. “Tinha
a corrida de bicicleta, que era muito tradicional, os bailes também eram
ótimos”, diz ela. A sociedade Italiana ficava no alto da rua Assis Figueiredo e
foi fundada pelo professor Julio Bonazi, que dava aula para os filhos dos
imigrantes, ensinando também um pouco de italiano. A maior parte da colônia
moravam na Vila Cruz, onde aconteciam os bailes e eventos.
As músicas
italianas marcaram muito as lembranças da locutora. “Tinha um programa que se
chamava Melodias Italianas, passava das 12h às 13h, patrocinado pelos Vinhos
Velho Marcassa, esse acervo contava com clássicos de ópera a músicas populares,
tudo em italiano”, relembra Vera.
Sobre a cidade, como
muitos dos entrevistados, Vera também lembrou sobre a Avenida João Pinheiro sem
asfalto, somente com uma via e tão distante do grande movimento que tem hoje.
“Quando chovia formava muito barro, me lembro que o matadouro municipal ficava
perto do Country Clube, tinha muita plantação de eucalipto lá por perto, e também
não raro, ás vezes nos deparávamos com os bois no meio da rua e tínhamos
que nos esconder atrás das árvores”, lembra rindo Vera.
Mais uma vez a Avenida,
chamada Footing, do Cine São Luiz a loja Casa Bella, onde todos os jovens se
encontravam é lembrada por Vera e a Festa São Benedito com seus correios
elegantes também.
Vera Ribeiro ainda
cursou Letras. Mãe de três filhos e avó de seis netos, Vera Ribeiro se diz
satisfeita com a vida. “Apesar da saudade das pessoas que já se foram,
aproveito bem a minha vida, me distraio, faço cursos e através da pintura
consigo suprir a falta do meu marido”, exalta ela.
Sobre as rádios, Vera
conta que não consegue mais ouvir as atuais. “Para quem viveu a época da bossa
nova, das cabeças pensantes, de um Antônio Carlos Jobim, de um Chico Buarque,
Caetano, Gil, João Gilberto, Elis Regina, tanta gente boa, músicos e
compositores elaborados, não consegue escutar canções que são feitas de
qualquer jeito, sem conteúdo. Prefiro escutar as músicas que tenho em casa e
posso escolher”, finaliza Vera Ribeiro.
Maria José
de Souza (Tita)
Maria José de Souza, mais conhecida como Tita,
apelido colocado pelos familiares por ser a menor de cinco irmãos, dividi com o
Construindo Nossa História a vida repleta de desafios e emporderamento. Através
da educação viu a esperança de um futuro, mesmo quando o seu presente a tentava
a colocar em “seu lugar”. E como professora e militante pode passar o que
aprendeu com a vida e os livros.
Os pais de Tita nasceram no munícipio de Campos
Gerais- MG, e vieram para Poços em 1928. O pai veio para trabalhar na construção
de um cartão postal da cidade. “Meu pai era especialista em construção de teto
de estuque e em Poços não havia quem trabalhasse com isso. Não sei ao certo se
ele trabalhou na construção do Palace Cassino ou Palace Hotel”, confunde-se.
Depois, o pai ainda trabalharia no calçamento e alargamento dos rios da cidade.
Depois de trabalhar em grandes construções da
cidade, o pai da professora continuou seu ofício construindo e restaurando
casas das famílias da cidade, principalmente a família Monteiro. Tita teve como
padrinho de batismo Sidnei Monteiro, mostrando a relação próxima que teve com
os Monteiro.
Tita comenta que nasceu na Avenida João Pinheiro,
quando nem assim era denominada. “Quando menina a avenida se chamava ‘Avenida
Suja’, a minha casa ficava a caminho do colégio Municipal”, relata ela. Ainda
muito nova, aos três anos, a família de Tita se muda para a rua que entrava
para o Britador, casa em que se processava o bauxita para mandar para São
Paulo, esse local ficava logo abaixo da estação Fepasa.
Depois, a família moraria em uma casa na chácara
da família Monteiro. Naquela época a cidade era formada por essas chácaras,
essa para simples objeto de localização, ficava perto de onde se encontra a
Concessionária da Fiat e a casa ainda está no local. “Essa casa era enorme,
chamava-se Chácara das Peras. Minha mãe vendia peras e jabuticabas no mercado,
e aos turistas, vendia o fruto no pé, eles pagavam para comer direto das
árvores”, lembra ela.
Em relação ao convívio com a cidade, o local em
que Tita moraria com os pais seria no bairro Vila Togni, também conhecido como
Ponte Preta. O pai havia construído esta casa e foi quando Tita iniciou os
estudos. “A minha escola ficava em cima do rio onde hoje localiza-se a pista de
skate. Lá, no tempo dos meus estudos, ficava o matadouro da cidade. Hoje ainda
há o alicerce da escola”, explica a professora.
Depois se mudariam para a avenida Santo Antônio,
que ainda era um brejo. Tita e a irmã passariam a ir a pé até o bairro Vila
Cruz para acompanhar as aulas da escola. “Não existia ônibus, e quando começou,
não tínhamos dinheiro para pagá-los”, fala a professora. Um perigo que as
crianças dessa época enfrentavam era a queda dos eucaliptos e o estouro de
boiadas. “Certa vez, atravessamos o rio, os mais velhos fizeram uma corrente,
segurando as pontas, e saímos do outro lado e conseguimos fugir dos bois”,
completa.
Outra lembrança era o casão que ficava atrás do
atual shopping. Lá havia uma portaria e um mato burro. Nas férias e finais de
semanas a diversão e, também um tipo de trabalho, era abrir a porteira para as
pessoas que chegavam a cavalo. “Abríamos a porteira e eles nos davam um
dinheiro. Com esse dinheiro conseguíamos fazer um sapato de sola de pneu ou
comprar um lanche”, conta Tita.
Nessa área, ela ainda recorda dos grandes
parreirais e do trabalho da irmã mais velha. “Minha irmã vendia as uvas para os
turistas, eles escolhiam os cachos nas parreiras”, conta ela. Outro passeio
típico do pessoal aos domingos era ir à Cascata das Antas. “Não havia esse fedentina
que existe hoje, fazíamos piqueniques por lá”, reforça Tita.
O cinema volta a ser comentado como um dos
principais programas da juventude, na chamada sessão vesperal. Mais uma
lembrança da professora aposentada é as saídas a noite para acompanhar as irmãs
mais velhas. “Nós tínhamos que vigiar as irmãs para que elas não namorassem”,
brinca ela. Mas o que elas faziam mesmo era brincar de pique esconde no jardim.
Um ponto sempre lembrado em nossas entrevistas é
a separação de classes e raça. “As moças ricas andavam pelo passeio, no meio da
rua a classe média e no jardim as pessoas pobres e empregadas domésticas- leia-se negras. A famosa Avenida do Fotting
era uma rua na verdade, foi assim chamada porque antes ocorria na Avenida
Francisco Salles, quando passou a ser em frente ao jardim, continuou como
avenida”, explica Tita.
Pode-se notar nos relatos de Tita que toda a
estrutura de passeios da cidade foi mudada, o que antes acontecia nas avenidas
foi passado para a Praça Pedro Sanches. Nesse momento o coreto também muda de
lugar que antes ficava na parte central da praça, passa para a área lateral e a
estátua do monumento Minas ao Brasil, o famoso peladão, que antes ficava na
praça do relógio floral, passa a ficar no centro da Praça Pedro Sanches.
Na rotina de criança, Tita ainda lembra de buscar
lenha para a mãe e de essa lavar roupa no rio quando faltava água. Onde hoje é
o estádio Ronaldo Junqueira ficava a chácara do Palace Hotel, as crianças que
ajudavam a limpar as galinhas do local recebiam os pés e pescoço como
‘pagamento’. “Lá que conheci o morango, essa fruta não era vendida no mercado.
Éramos vigiados o tempo todo para não pegá-los no pé”, confessa. Morando na
cidade Tita, aos 11 anos, começou a trabalhar como babá e empregada doméstica.
Mesmo trabalhando desde pequena a escola nunca
foi abandonada. Frequentou o curso de
admissão, mantido pelo Sesc, a noite, na
escola de dona Zebina que ficava ao lado da ponte dos macacos, na Praça Dom
Pedro II, onde hoje há uma choperia na esquina.
Na Escola Técnica Poços de Caldas, do diretor e proprietário Arino
Ferreira Pinto, onde o Sesc também dava bolsa de estudos e que mais tarde seria
o Instituto Educacional São João da Escócia. Tita teria o diploma de auxiliar
de contabilidade ou curso comercial básico.
A descoberta da militância
Na escola, aos 13 anos, Tita tem seus primeiros
contatos com a militância política. Sua primeira lembrança desse movimento foi
a realização de uma festa para a escola Francisco
Escobar. “Elvira Chagas veio para
dirigir essa escola, e dava aulas de francês para nós. Como a escola era muito
carente, tive a ideia de fazer uma festa junina para angariar fundos para essa
escola”, fala ela. Assim começou o trabalho no grêmio e nos jornais da escola.
Em 1957 José Asdrubal Amaral e mais alguns amigos
formou um grupo chamado Juventude Musical que reuniam-se em sua casa na rua
Ceará. Com a adesão de muitos interessados o grupo cresceu e passou a se chamar
República dos Estudantes Francisco Escobar. “O grupo aumentou, e o Padre
Trajano emprestou o salão paroquial para nos reunirmos. Encontrávamos-nos todos
os domingos para fazer palestras e discutir assuntos pertinentes”, esclarece a
então jovem militante.
Outra curiosidade é que muitos meninos do grupo
vigiavam o Palace Hotel para convidar personalidades para palestrarem nas
reuniões. “Tivemos a presença do irmão do Francisco Escobar, prefeito de Poços,
Menotti Del Picchia, literato brasileiro e Malba Tahan ( escritor brasileiro
Julio Cesar de Mello e Souza que escreveu o livro ‘O Homem que calculava’”,
conta a aposentada.
O grupo surgiu quando a rádio Cultura lançou um
programa que combatia a ‘juventude transviada’, como não tinham voz no
programa, os jovens resolveram se movimentar. “O programa permitiu cinco
minutos de resposta, eu fui a terceira a falar e tentei mostrar que a juventude
precisava de compreensão e amor”, nessa fala Tita tinha 16 anos e enfrentou um
juiz de direito que caçoou dos seus dizeres .
Em 1963 se
forma, para poder pagar a escola começa a dar aulas particulares. Inicia os
estudos em técnico de contabilidade, foi secretária do grêmio da escola, nesta
época no São João da Escócia. “As meninas mais bonitas eram as mais votadas,
mas como eu tinha a experiência, eu que ganhava e assumia”, enaltece a militante.
No pelicano o jornal também era um instrumento importante na luta da
militância.
Em meio a disputas políticas o Padre Trajano
Barroco, contra a Maçonaria, combatia o colégio. “o Padre tinha um jornal que
via com um rodapé assinado pelo nome de Jakson. Nós descobrimos que quem
realmente escrevia esse rodapé era o Padre Trajano. Escrevemos sobre isso,
quando fomos imprimir, nenhuma gráfica da cidade aceitou fazer a impressão. Os
meninos do grupo imprimiram na cidade de São João da Boa Vista e de madrugada
distribuímos por toda a cidade”, descreve Tita. A cidade amanheceria coberta
dos folheto dos militantes que contava quem era o verdadeiro Jakson. A questão
politica na cidade sempre foi forte e Tita começou a se engajar nessa área,
principalmente aos partidos de esquerda.
Com o
início JEC, Juventude Estudantil Católica, ouve um esvaziamento do grupo
República de Estudantes Francisco Escobar, já que todos também eram católicos.
Por isso, Tita cria a União Municipal de Estudantes, agora laica. “Desde esse
momento começou uma perseguição porque não aceitamos fazer parte da JEC e fomos
rotulados como comunistas”, especifica ela.
Com esse grupo tentaram se reunir no Espaço
Cultural da Urca, não foi permitido. Depois passaram a se reunir nos bancos dos
jardins, também foram proibidos. “Com a vinda de 64 não conseguimos mais nos
reunir e tivemos que acabar. Fomos entregados, já que éramos filiados e tivemos
que desaparecer”, confessa a militante. Assim acabaria a liderança da escola
São João da Escócia e cidade passaria a ser guiada somente pelas pessoas
ligadas a JEC.
Em 1965, o Instituto Educacional São João da
Escócia abre um curso preparatório para o vestibular da Faculdade de Direito, a
intenção era trazer o curso para a cidade. José Carlos Cardillo foi ao Rio
Janeiro, a capital na época, e trouxe as coordenadas de orientação de como
implantar o curso. Mas depois a sugestão mudou para a Faculdade de Filosofia.
“Na apresentação do projeto, alguém passou a informação para o padre Trajano, e
esse ficou como responsável por trazer a faculdade”, indigna-se a militante.
Em maio de 1966 a faculdade estava autorizada
sobre outra liderança. Tita participa do primeiro vestibular da instituição e
ingressa. “Antes mesmo de começar as aulas na faculdade, em julho, o pedagogo
Lauro de Oliveira Lima, trazido pelas freiras dominicanas, nos ensinou a
trabalhar em grupo e fazer avaliação, técnicas pedagógicas que usei a vida
toda. Teve outra pessoa que nos ensinou toda a prática do método Paulo Freire.
Teoricamente eu já adotava esses métodos e aprendi a aplicá-los na prática”,
confessa ela.
As perseguições passariam a fazer parte da
trajetória da professora, Tita observava que por mais que se esforçasse sua
nota não passava de sete, e um fato ocorrido na escola confirmou suas
suspeitas. “Uma das meninas mais inteligentes da sala, em um dia de prova, teve
uma crise histérica porque não tinha estudado. Eu a acalmei e disse que faria a
prova dela. Fiz as duas provas, ela ganhou dez
e eu sete”, pontua a aposentada.
Aos 30 anos Tita se forma na Faculdade Municipal
de Filosofia, continuava nos bastidores da militância ajudando aos mais jovens.
Graduada, ela se aventurou no mestrado em Salvador- Bahia. “Queria me
especializar em religião e conhecer sobre o Candomblé, e isso só havia em
Salvador. Lá passei muita dificuldade, mesmo a faculdade sendo federal, tinham
todos os custos de moradia e alimentação”, confessa.
Em Salvador, não encontrou espaço para o curso
que desejava, cursou mestrado em História Social com foco no folclore,
principalmente sobre a política do Cangaço. Terminando o mestrado, ela volta
para Poços. “O padre Trajano me chamou para dar aula na Faculdade de Filosofia,
mesmo sem estar interessada, decidi aceitar”, fala. Nesse período ela conseguiu
o mestrado na Universidade de Campinas-
Unicamp, com especialização em Antropologia, o que realmente desejava, mas não
conseguiu defender a tese. Ainda fez outro mestrado em História para poder dar
aulas.
Após 26 anos na faculdade aposentou-se como
professora da Autarquia Municipal de Ensino-
Faculdade de Filosofia, engajou-se na militância negra e, “A partir de
1978 participei das maiores decisões sobre a questão do negro e do índio na
área da educação e desenvolvimento social de Poços e do Brasil, representando o
Chico Rei”, relata.
Em 1974, o Chico Rei, que antes era um local para
divertimento dos negros, passa a ser também uma ponte de consciência de
cidadania através da cultura. “Aceitar a cultura negra e se descobrir para ser
capaz de discernir politicamente, esse era o foco”, salienta a militante.
Acompanhou as evoluções educacionais e como o sistema é deficiente. “Os alunos
precisam aprender a interpretar e formar seu próprio senso crítico”,enfatiza.
“A identidade de Poços é ter a identidade de toda
a região”, fala Tita sobre as pessoas que migram para Poços. “Poços continua
sendo formada por pessoas com cabeças politicamente fechadas”, completa ela. De
família repressiva, o empoderamento começou em casa, fazendo o que precisava,
mesmo que isso fosse contra os pais. Ajudou na criação dos sobrinhos e precisou
cuidar do pai.
Depois de dois livros escritos, vários cursos nas
áreas de interesses, muitas viagens nas lembranças, Tita é símbolo da luta pela
cultura negra, do folclore e da mulher. Mesmo não gostando desse título, é
inspiração de muitos jovens e fez muito pelas causas das minorias. Continua
enfrentando barreiras, mas mostra como é possível, mesmo que não seja fácil.
Nunca será. “Fiz cursos em Israel e Cuba, visitei a Jamaica, Buenos Aires, e
estou ansiosa para a próxima viagem”, anima-se Tita que prefere deixar para os
jovens o papel que desempenhou fortemente.
Dirceu
Porto Vasconcelos
Há um ano fazíamos a primeira entrevista do
projeto, no dia 12 de Agosto de 2016, O Construindo Nossa História se iniciava,
Dirceu Porto Vasconcelos, foi o primeiro entrevistado e como homenagem a esse
princípio e também ao dia dos pais, segue a entrevista na integra.
Dirceu Porto Vasconcelos teve que construir a sua
história fora de Poços. Esse cidadão poços- caldense por opção fez história no
meio gastronômico do Rio de Janeiro. Como maitre da embaixada francesa, gerente
do Iate Clube e um dos proprietários do Le Bistrô, um dos mais famosos
restaurantes de Copacabana na época, Dirceu participou da rica época em que o
Rio de Janeiro era a capital do Brasil.
Natural da cidade de Passos, Dirceu Porto
Vasconcelos mudou-se em 1944 junto a família para Poços de Caldas. Mesmo em
época de guerra, ao chegar a Poços pode presenciar a força dos cassinos na
cidade. “Funcionavam nove cassinos em Poços, era bonito ver as pessoas que
trabalhavam neles transitarem pela cidade com os seus uniformes imponentes,
alguns funcionavam 24 horas, nunca fechavam”, lembra Dirceu.
A economia da cidade dependia desses cassinos.
“Meu pai trabalhava no cassino, a moeda de troca na cidade eram as fichas do
cassino. Pessoas de todo o mundo frequentavam Poços”, fala Dirceu. Uma grande
curiosidade era que apesar da cidade ter tantos cassinos famosos, esse tipo de
jogo nunca foi legalizado. “Nenhuma Constituição do Brasil trouxe a legalização
do jogo, mas isso era tolerado”, conta Dirceu.
Antigamente a cidade recebia os turistas para as
temporadas de inverno e verão, as pessoas vinham para tomar os famosos banhos
thermais. Os hotéis mais famosos da época eram o Palace Hotel, o Quisisana e o
Grande Hotel. Ao meio de toda essa agitação, Dirceu viu a oportunidade de
trabalhar no Palace Hotel como aprendiz de garçom. Na época, o hotel contava
com grandes chefes estrangeiros e ali começou a sua história.
“Na época da guerra, os transatlânticos eram
atingidos na costa do Brasil e assim muito daqueles estrangeiros ficavam no
país. No hotel os cozinheiros eram italianos, me lembro o nome do
transatlântico deles, Conte Grande. Nesse período tive a melhor escola que
poderia existir’, recorda Dirceu.
Em 1946 o jogo seria proibido pela esposa do
Presidente Dutra, apelidada de Santinha, por frequentar muito a igreja. “Em uma
noite, às 20h, os funcionários e frequentadores foram avisados que o jogo
estava proibido e que tudo seria fechado. Assim, várias pessoas e famílias
ficaram desamparadas de um dia para o outro, já que não havia nenhum tipo de
rescisão ou segurança para esses trabalhadores”, diz Dirceu.
Neste ano, Poços enfrentaria a maior crise
econômica da cidade e a população precisaria se reinventar. Mas Dirceu já
estava de olho em um grande sonho, o famoso hotel da cidade de Petrópolis,
recém inaugurado, o Quitandinha. “Eu via reportagens do hotel na revista O
Cruzeiro e ficava encantado, queria muito participar daquilo”, conta Dirceu.
Dirceu ainda era menor de idade quando chegou ao
hotel. “A adaptação no hotel Quitandinha foi difícil, mas me adaptei bem a
temporada. Na época demorava-se dois dias e uma noite para se chegar ao Rio de
Janeiro, a comunicação não era fácil, mas a minha vontade era maior que
qualquer obstáculo”, diz ele.
Depois do
encerramento dessa temporada, o então cumim (ajudante de garçom) conseguiu
partir para o seu próximo sonho, o Rio de Janeiro. Na inauguração da embaixada
francesa ele foi um dos escolhidos para entrar na equipe e trabalhar como
maitre geral de todos os banquetes. “Ali conheci muitas pessoas importantes, o
congresso ainda era no Rio e as autoridades sempre frequentavam a embaixada. A
embaixada funcionava como um clube frequentado por franceses e brasileiros para
que houvesse uma aproximação entre as duas nações”, lembra Dirceu.
Durante 12 anos Dirceu aprendeu os costumes
franceses, conviveu com todos os presidentes da época, ministros e autoridades
estrangeiras. “Servi todos os presidentes brasileiros da época e embaixadores.
Uma vez organizei um jantar para o embaixador dos Estados Unidos no Brasil,
Lincoln Gordon, no ministério da marinha, para 400 pessoas. Marechal Castelo
Branco era o presidente da época e quem o recepcionava”, lembra ele.
Esses eventos envolviam muita burocracia,
etiquetas e culturas peculiares. Então Dirceu pode conviver com culturas
diferentes, serviços de qualidade e pode assim formar-se como um grande
profissional. “Muitas vezes o Itamaraty era chamado para direcionar os serviços
prestados para príncipes, japoneses, políticos, artistas, cada um dos clientes
exigia uma maneira de servir”, diz ele.
Depois de algumas crises diplomáticas entre a
França e o Brasil a embaixada foi fechada e Dirceu foi convidado a trabalhar no
Iate Clube do Rio de Janeiro. “Fui contratado como gerente geral da estrutura
do Iate Clube e fiquei por um ano. Ainda trabalhando no Iate Clube eu soube da
inauguração de um grande restaurante em Copacabana que estava fazendo muito
sucesso”, comenta Dirceu.
Restaurante
Le Bistrô
O restaurante era o Le Bistrô que mais tarde
teria Dirceu como responsável por reestruturá-lo. “O restaurante foi um sucesso
por um determinado tempo, depois não conseguiam mais os mesmos resultados e eu
fui convidado a reerguê-lo como gerente e maitre da casa”, fala ele.
Com a
chegada de Dirceu a casa, a excelência começou a voltar ao restaurante, e o prestígio
também. “Meu conhecimento naquela época era muito grande, eu conhecia muitos
políticos, ministros e conseguia que essas pessoas frequentassem o meu
restaurante, o que chamava a atenção da imprensa e dos clientes”, recorda
Dirceu.
Entre os
grandes amigos que frequentavam o lugar e conheciam sua competência já da
embaixada francesa havia o então ministro Delfim Neto, cliente assíduo do
bistrô. “Quando avisei que estava lá, na noite seguinte Delfim apareceu no
restaurante. Ele frequentava a casa praticamente todas as noites, ele já tinha
a sua mesa reservada e assim foram 12 anos de convivência”, ressalta Dirceu.
Outro
frequentador e amigo do então maitre era Giulite Coutinho, presidente da CBF
entre 1980 a1986. “Dr. Giulite já era meu conhecido há algum tempo e começou a
frequentar o restaurante também, e assim a casa passou a ser frequentada por
pessoas famosas, ficava ao lado do Copacabana Palace, e era visita obrigatória
de todo turista que visitava a cidade do Rio”, fala Dirceu.
O
restaurante começou a contar com a presença de governadores, senadores,
artistas, médicos e ex-misses como a Marta Rocha, Terezinha Morango e Adalgisa
Colombo. Os jornais sempre publicavam notícias sobre a qualidade do restaurante
e a presença de pessoas famosas. “O colunista social Ibrahim Suede era
frequentador e muitos jornalistas falavam de nós porque realmente reconheciam o
trabalho”, ressalta Vasconcelos.
Além dos
amigos feitos na época do trabalho na embaixada, duas presenças foram
surpreendentes no restaurante. Uma delas foi a visita da famosa atriz Brigitte
Bardot. “Como o restaurante era especializado em comida francesa, essa visita
ilustre casou bem com a minha proposta”, brinca Dirceu. A outra pessoa que
deixou os clientes do restaurante de pé ao meio de aplausos foi o médico
sul–africano, Cheristiaan Barnard, o primeiro médico da história a realizar o
primeiro transplante de coração em 1967.
O restaurante era emblemático, era fechado, não
muito grande, mas contava com um serviço excelente comandado por Dirceu.
“Formei muitos profissionais ao longo desses anos, maitres, cozinheiros e
garçons”, lembra Dirceu, que ficou a frente do restaurante por 12 anos.
Em 1985
Dirceu Porto Vasconcelos volta a sua cidade. Ele conta que o retorno partiu da
vontade de um dos seus filhos. “Um dos meus filhos quis voltar para Poços e me
pediu ajuda para orientá-lo”. A ajuda que aconteceria a distância, a partir de
visitas esporádicas a cidade, se tornou definitiva, quando Dirceu conheceu sua
atual esposa. “Eu havia me separado e como precisava vir sempre a Poços conheci
a minha esposa, o que me incentivou a voltar definitivamente”, conta ele.
Não só o casamento foi o motivo do retorno. “Na
verdade eu nunca esqueci Poços. Infelizmente tive que sair para trabalhar, mas
sempre com o desejo de voltar. Considero- me sulforoso”. Dirceu fala que se
sente privilegiado em poder morar em uma cidade como Poços.
“A oportunidade que tive no Rio foi diferenciada,
e com isso consegui trazer até a seleção brasileira para a cidade”, brinca
Dirceu, que relembra a época em que o então presidente da CBF e amigo, Giulite,
o consultou sobre trazer a seleção de Telê Santana para se concentrar na cidade.
“Dr. Giulite me questionou sobre a cidade, ele sabia que eu era daqui e eu não
tive dúvida em dizer-lhe que Poços era a cidade ideal”.
Dirceu lembra do pioneirismo de Poços,
principalmente na literatura. “João do Rio foi o jornalista carioca que mais contou
sobre Poços. Quer conhecer sobre a história da cidade? Leia os livros dele”,
recomenda Dirceu, que ainda comenta que a literatura da cidade é extremamente
rica, com autores como Jurandir Ferreira e tantos outros que se dedicam a
história da cidade.
Outro desejo do ex-maitre é reunir em um livro
toda a atividade pioneira de Poços de Caldas. “Quando cheguei a Poços pude ser
testemunha ocular da primeira rodoviária do Brasil, que ficava atrás da Urca.
Em São Paulo não tinha rodoviária, nem no Rio de Janeiro, Curitiba ou Ribeirão
Preto”.
Ele ainda lembra que Poços também foi uma cidade
planejada. “Fala-se de Belo Horizonte e Brasília, mas Poços foi também
planejada, basta ver as ruas largas, as praças, a cidade traçada”, salienta o
apaixonado pela cidade.
Aos 89, Dirceu traz o vigor de uma vida
aproveitada intensamente. “Graças a toda a minha experiência estudei muito,
convivi com pessoas extraordinárias, aprendi a língua francesa e inglesa, e
adquiri a paixão pela literatura, uma das minhas maiores paixões”, finaliza
ele.
Nilton Junqueira
Nosso entrevistado dessa semana
declara seu amor pela cidade nas páginas de seu blog, mas, além disso, consegue
reunir pessoas e suas histórias. Nilton Junqueira é economista, trabalha
atualmente na Secretaria Municipal de Saúde, durante a conversa ela relata o
quanto descobriu de Poços, o que o fez se apaixonar ainda mais pela cidade.
Poços-caldense, nasceu em 1953,
morou na rua em frente a um dos portões de entrada do Hospital Santa Casa, mas
precisamente na rua paralela, quase esquina com a rua Minas Gerais. Nesse tempo
a construção da Santa Casa ainda estava em andamento, uma boa recordação do
pequeno menino, ainda que um pouco confusa, foi a visita da seleção brasileira
de futebol ao terreno do futuro hospital. Anos depois, em 1964, veria o prédio
pronto.
Quando menino as brincadeiras nas ruas eram
obrigatórias. “Fazíamos carrinho de rolimã, jogávamos bolinha de gude e peão,
fazíamos fogueira”, lembra Nilton sobre a infância ao lado dos três irmãos. O
pai de Nilton perdeu a visão dos dois olhos aos 31 anos. Faleceu aos 82. “Meu
pai nos educou dentro de casa, ao final da vida meu pai via mais que muitos que
enxergam”, brinca ele. A forma como o pai enfrentou a cegueira também foi um
exemplo para a família. A mãe continuou o trabalho como professora, se tornando
diretora e provedora da casa.
Nilton estudou até o quarto ano
primário no colégio Instituto Educacional São João da Escócia- O Pelicano. A
partir da primeira série passou a estudar no colégio Marista, onde ficaria até
se formar no científico. E foi o colégio que vai inspirá-lo a dedicar-se a uma
antiga paixão, a escrita.
Morou três anos em Belo
Horizonte, queria fazer cursinho para prestar o curso de geologia. No entanto,
no momento de escolher ficar na capital definitivamente, a saudade incomodou,
por isso, resolveu voltar a Poços. “Eu queria ficar perto dos meus pais e
voltei”, emociona-se Nilton. Na volta começa a trabalhar na Cerâmica Togni.
Em pouco tempo de trabalho
conseguiu tornar-se gerente financeiro da empresa o que o guiou a cursar economia.
Na cerâmica permaneceu por 15 anos. Teve uma relação próxima com os donos,
Eliseu e Anibal Togni, e pode aprender as exigências do mercado. “Sou muito
grato a eles, aprendi a forma de ser e agir, como conversar em determinados
lugares, aprender a escutar mais que falar”, relata o economista.
Depois disso abriria sua própria empresa de
consultoria com um amigo. Com a experiência adquirida durante esses anos foi
trabalhar na Superintendência de Ensino, onde ficou por oito anos, como diretor
administrativo financeiro, mesmo cargo que ocupa hoje na Secretaria Municipal
de Saúde.
Em 1989 foi presidente do clube
Caldense por quatro anos, como já era envolvido na organização do clube,
fazendo parte do conselho, surgiu o convite para a presidência. “Foi uma época
muito difícil, pois a inflação chagava a 83% ao ano, ainda realizamos muitas
coisas, mas sempre procurei ser correto com todos e com os associados”, explica
ele. Mesmo com as dificuldades, o clube ainda recebeu o concurso de miss Minas
Gerais, a Expo Poços (evento que reunia empresas de Poços e região) e os bailes
tradicionais.
O Blog
O primeiro texto foi dedicado
ao trabalho na Cerâmica Togni, trabalho esse que lhe garantiu a formação em
economia. Mas, foi sobre os anos passados no Marista e o cotidiano de Poços que
Nilton alimentou as demais páginas. “Estávamos em 2010 e começava essa moda de
blog, meu filho, sabendo do meu gosto pela escrita, sugeriu a criação de um
blog, eu nem sabia o que era e como funcionava, mas aceitei”, confessa ele que
quando jovem pensou em fazer o curso de jornalismo.
Através do blog, Nilton
conseguiu encontrar velhos amigos e alunos que também passaram pela escola.
“Quando postei o primeiro texto sobre o Marista, pouco tempo depois, os ex-alunos
foram mandando suas fotos e lembranças”, conta o blogueiro.
A banda, os irmãos que eram os
professores, os alunos e todo esse universo era registrado nos textos de
Nilton. “Fiz amigos através do blog, sem conhecer pessoalmente. Há ex-alunos em
Oxford- Inglaterra e até na Arábia Saudita”, orgulha-se Nilton apontando como o
seu blog o levou longe.
O blog cresceu. Apaixonado
confesso pela cidade de Poços de Caldas, além do colégio, dos lugares onde
trabalhou, Nilton conta tudo que o deslumbra na cidade, desde os antigos
lugares de diversão, até os famosos passeios pelas praças. E nos anos de
experiência nas redes sociais percebeu como a fotografia chamava atenção dos
leitores. “Com o uso do Facebook , onde tenho amigos de 18 a 80 anos, percebi a
necessidade do uso de fotos para chamar a atenção dessas diferentes faixas-
etárias”, explica.
O trabalho no blog rendeu uma
longa pesquisa sobre a cidade de Poços, surgindo fotos antigas, muitas vezes,
esquecidas nas caixas das famílias. “Antigamente não tirávamos tantas fotos,
então é difícil encontrar esses registros”, explica o poços-caldense. Depois
dessa pesquisa, Nilton fala que o seu acervo conta com mais de 500 fotos
antigas da cidade.
“Sempre o último é o mais prazeroso”, fala
Nilton sobre a elaboração de seus artigos. Dos artigos já escritos, ele enumera
alguns que marcaram, ou pela repercussão ou pelo o que relatavam. Um deles foi
“No Tempo das Matinês”, onde ele lembrou como o universo cinéfilo e os
quadrinhos se misturavam na diversão das crianças de Poços.
Nesse artigo, ele fala como os
gibis despertaram a vontade de aprender a ler. “Aos domingos, as matinês nos
cinemas tinham sessões para as crianças, antes do filme a porta do cinema se
tornava um encontro para troca de gibis dos famosos personagens como Tarzan,
Fantasma, Mandraque, Zorro e Capitão Marvel. Isso me fez apreender a ler mais
rápido, como eu só via as figuras, queria ler logo para entender os
quadrinhos”, evidencia.
Já o vesperal, era a sessão que
acontecia a tarde para os adolescentes e a noite era exibida a sessão para os
adultos. O cinema era a diversão da época, as filas eram enormes, era o
primeiro contato das pessoas com uma tela, já que as televisões ainda não
faziam parte da rotina. Esse artigo teve muita repercussão, muitos adultos,
lembraram-se da época de criança e adolescente.
Outro artigo que fez muito
sucesso foi “O Tempo Como O Vento Passou E Levou” falando das construções
antigas da cidade. Este texto lembrou de
alguns lugares que ficaram marcados na memória do blogueiro, como o Banco
Comind, onde hoje se encontra a Drogasil na rua Assis com a Prefeito Chagas, a
Loja Brasileira, o bar Cem-Cem, Bar Maracanã, a famosa Casa Bela que marcava o
Footing na Praça Pedro Sanches e o Castelões. “Havia um posto de gasolina onde
hoje tem o calendário floral”, lembra Nilton.
Poços
continua como tema principal de seu blog, assim como os personagens, os lugares
e as histórias que cruzam o seu caminho. “Quando se escreve sobra a cidade é
bom você escrever aquilo que você viu e viveu”, reforça ele.
A escrita ajudou Nilton a
registrar o que as palavras faladas não eternizam. Ele fala da vontade de publicar um livro
sobre o que fez nesses anos, mas deixa para planos futuros. Trabalhando na
prefeitura consegue participar mais da administração da cidade que ama. E
continua à espera de boas histórias e lembranças.
Eclise
Alvise Matos
Umas das primeiras mulheres a
frente de uma empresa de despachante, esposa de político, mãe, vó e bisavó,
Elise Alvise Matos conta a sua história muito ligada ao do marido Gilberto De
Matos, e relembra a sua trajetória na cidade de Poços.
A poços- caldense Eclise Alvise
Matos, a penúltima de cinco irmãos, lembra da época em que ajudava seu pai no
bar da família. “Meu pai tinha o bar Nossa Senhora Aparecida na rua Junqueiras
e eu sempre gostei de ajudá-lo, no bar convivíamos com muita gente e lá aprendi
muito com o meu pai”, lembra Eclise que comenta que parou os estudos para
ajudar o pai, já que naquela época a mulher era criada para fazer as tarefas
denominadas de mulheres.
Eclise se lembra dos carnavais
da época que eram grandes atrações na cidade de Poços. “Tinha o corso, uma
carreata que havia no Carnaval e percorria toda a cidade”, diz ela. Outra
Lembrança de Eclise era o carnaval perfumado “Naquela época o cheiro de lança
perfume era a marca de todo carnaval, Poços recebia muitos turistas estrangeiros,
recebia muitos argentinos”, lembra ela.
O bar do pai era parada obrigatória para os
foliões. “O pessoal sempre parava em frente ao bar, então acabávamos conhecendo
muita gente”, fala Eclise. Ela ainda lembra que trabalhava muito para ajudar
seu pai e não tinha tempo para se divertir, mas lembra como a cidade era pacata
e receptiva. “As praças eram os principais lugares para passeio. “Na época
podia- se ficar até mais tarde na praça, não tinha perigo nenhum, todos se
conheciam na cidade e o cinema também era outra atração”, diz Eclise.
E foi no bar dos pais que Eclise conhece o
marido. Também filho de comerciantes,
Gilberto de Matos trabalhava junto com os pais na então Padaria Brasil. “O
Gilberto fazia o pão da noite, então toda noite, por volta das 23h ele passava
no bar do meu pai para tomar um café”, conta Eclise. Ela ainda lembra que no
início achava o futuro marido muito prepotente, mas com o passar dos anos e a
convivência eles se interessaram um pelo outro. “Foi um clique, de repente eu
comecei a gostar das conversas dele e ele das minhas, fomos nos interessando e
começamos a namorar”, fala ela.
Eclise estava com 18 para 19
anos e entre o namoro e o casamento se passaram somente 6 meses. “Meu pai
questionava a rapidez com que as coisas iam acontecendo, mas o Gilberto sempre
dizia que nos gostávamos muito e não tinha porque esperarmos, eu também pensava
isso, então logo nos casamos”, exalta Eclise.
Logo depois que se casaram
Gilberto iniciou sua vida na política. “Em 1963, Gilberto foi eleito vereador
com uma expressiva votação e foi reeleito por mais quatro legislaturas”, conta
a esposa. Gilberto foi presidente da Câmara Municipal, como vereador exerceu
suas funções no período administrativo de Ronaldo Junqueira e Sebastião
Pinheiro Chagas.
Nesse período chegou a ser
prefeito municipal interino em 1978, quando o prefeito Dr. Sebastião Pinheiro
Chagas saiu do cargo para disputar a uma vaga no Senado Federal. Como prefeito
interino Gilberto ficou 22 dias.
Foi um dos mais atuantes
Presidentes da Câmara Municipal era conhecido por ter o dom da palavra. “Ele
era muito inteligente e sabia se expressar muito bem, as pessoas admiravam a
maneira como ele falava e como ele organizava as suas ideias”, conta Eclise.
“Ele sempre foi muito
comunicativo, logo cedo, se filiou aos partidos, com 29 anos, ele começou na
vida política. Ele era muito dinâmico e ativo. Inclusive o Dr. Carlos Henrique
Neto, advogado da câmara na época, elogiava muito Gilberto pelo dom da
oratória”, completa a esposa.
Eclise comenta como era ser
esposa de um dos políticos mais influentes da cidade. “Como ele era muito
honesto, para mim como esposa, era um orgulho ter ele na política da nossa
cidade”. Na época o vereador não recebia nenhum valor financeiro para se
dedicar ao cargo. Procurava-se pessoas envolvidas nas questões da cidade e que
realmente tinha jeito para trabalhar para o povo.
Gilberto ficou na política por
18 anos, na última gestão, ele começou a receber o salário. “Eu não tinha
conhecimento do que ele fazia com o dinheiro, fui saber após o seu falecimento,
quando umas senhoras me procuraram para agradecer a ajuda que ele dava a elas
todo mês. Foi assim que eu percebi que ele usava o dinheiro que recebia na
câmara para o povo”, diz a esposa.
A esposa lembra que Gilberto era muito honesto
e nunca usou o dinheiro da câmara para uso próprio. “Depois de muitos anos na
política ele preferiu deixar a carreira política, mas mesmo distante, ele pedia
a palavra na câmara para falar o que estava o incomodando”, lembra Eclise.
Enquanto se engajava na vida política,
Gilberto e a mulher ainda tocavam a padaria dos pais dele, a Padaria Brasil,
tradicional estabelecimento da cidade que ficava na rua Assis. “Vendemos a
padaria em 1972. E depois de dois anos abrimos o despachante”, lembra Eclise.
Despachante
Em 1974 iniciou-se o
Despachante Mattos. “Seu Geraldo Martins, pai do Laercio Martins, nos deu a
ideia de montar um despachante, e começamos ali na rua da Saudade e estamos até
hoje”, conta Eclise. Na época havia dois despachantes na cidade, todos
administrados por homens e com a ajuda do marido Eclise tronava-se umas das
primeiras despachantes da cidade.
No início, como não tinham
muita experiência com a atividade contavam com a ajuda dos amigos e conhecidos
e aos poucos foram criando a clientela e aprendendo as praticas da profissão.
“Antigamente era um pouco mais fácil porque não tinha muita burocracia, hoje
mudou tudo e é necessário ter muita atenção com todas as etapas”, fala
Eclise.
Em 1994 Gilberto De Matos teve
um derrame. A esposa conta que ele tinha o hábito de acordar muito cedo, e
nesse dia ele voltou. “As 5h da manhã ele sempre estava de pé, buscava o pão e
voltava, nesse dia ele se levantou e disse que não estava passando bem, que
estava com muita dor de cabeça”, lembra Eclise.
Após o derrame, Gilberto ainda
ficou seis meses sobre os cuidados da mulher. “Montei um hospital para ele em
casa, como eu trabalhava, não podia ficar com ele, e ele precisava de cuidados
o tempo todo”, conta a esposa. Gilberto De Matos faleceu em 28 de novembro de
1994, aos 57 anos.
“Nesse dia chovia muito, e como
ele era muito brincalhão, ele dizia que quando ele morresse não queria
choradeira, queria uma banda de música atrás dele. E eu brinquei com ele
dizendo que o dia que ele morresse iria chover muito porque ele tinha uma alma
muito boa, e foi o que realmente aconteceu”, emociona-se Elcise.
Eclise e Gilberto ficaram 35
anos casados, tiveram dois filhos, Antônio de Mattos Neto e Eclice de Matos.
Aos 75 anos, Eclise vê a família aumentando com quatro netos e um bisneto. Em homenagem a história de Gilberto De Matos
foi dado o nome dele ao Hospital Municipal da Zona Leste como uma homenagem da
cidade ao político.
Antônio
Carlos Pereira
Radialista, vereador e uma
pessoa apaixonada por Poços de Caldas, assim se define o político. No seu
sétimo mandato, Antônio Carlos fala da sua relação sempre muito próxima com a
população de Poços e como foi persuadir para conseguir trabalhar com a sua
verdadeira paixão.
Natural da cidade de Palmeiral,
distrito de Botelhos, nasceu em maio de 1955. Aos 13 anos
de idade, mudou-se para Poços, sozinho, para iniciar seu primeiro
trabalho. Essa história com a cidade
começaria no bar Alvorada, bar que ficava na antiga rodoviária de Poços, como
muitas vezes aqui mencionada, localizava-se no terreno onde encontra-se a Urca.
Trabalhando das quatro horas da
manhã às sete da noite, o primeiro emprego trazia já a responsabilidade dos
adultos e como parte dessa remuneração do trabalho, os donos do bar arrumaram
um lugar para ele morar. “Não tinha férias, décimo terceiro, o salário era
simbólico”, comenta o vereador. No bar ficaria por quatro anos. “Faltei ao serviço em um domingo e fui
mandado embora”, lamenta.
O primeiro contato com um
encantamento antigo surgiu logo depois da saída do primeiro emprego, quando
Antônio Carlos foi trabalhar como locutor da cabine de som da estação
rodoviária. “Eu anunciava aos passageiros as próximas viagens e o itinerário”,
comenta o locutor que já enxergava essa vocação quando se deslumbrava com esses
profissionais do som que apareciam em sua vida.
Nos anos passados pela
rodoviária fez muitos amigos, motoristas e taxistas, as primeiras paqueras e
namoradas. Estudou também nas proximidades, no colégio sempre lembrado Virgílio
da Gama Salgado, formando-se.
Depois de uma fase de
desemprego, a mãe pode vir morar com Antônio Carlos, e a família se reuniu
novamente no bairro Santana. O próximo emprego seria em um escritório de
contabilidade no quarto andar do edifício Futurista e sobre isso, o vereador
lembra um fato curioso. “Eu nunca tinha entrado em um elevador e não sabia como
fazer isso, lembro que chamei um amigo para me acompanhar e me ensinar”, brinca
o também radialista.
Com a necessidade de pagar os
estudos do segundo grau, o qual na época só havia particular, o sonho de
locutor precisou ser adiado. Nesses empregos conseguiu se consolidar
financeiramente e assim o desejo de criança o encontraria novamente. Depois de
se formar no segundo grau, ainda com o desejo de fazer a faculdade de
jornalismo, optou por direito, já que a primeira opção não existia na região.
Para custear a faculdade
Antônio Carlos conseguiu um emprego na S. A. White Martins, multinacional que
ficava perto do mini terminal, em 1977 conseguiu ganhar quase quatro vezes mais
o que ganhava no emprego anterior. Nesse período, fazendo a faculdade o sonho
deixado para trás o encontraria novamente.
No ônibus que pegava para ir à
faculdade, que ficava na cidade vizinha, Antônio Carlos encontrava-se sempre
com o gerente da rádio Difusora Sebastião Pinto Filho, já falecido, que
conhecia o vereador dos tempos de colégio, quando este já escrevia crônicas
para o Diário de Poços, o jornal do padre Monsenhor Trajano, que depois
compraria a rádio Difusora. “Por isso, surgiu a oportunidade para acompanhar os
repórteres de campo, eu auxiliava a puxar fios, mas eu queria estar por perto”,
confessa ele.
Em 1979, Celso Saraiva
trabalhava na rádio Difusora e se desentendeu com os proprietários, e eles
precisaram de um repórter para aquele dia, o radialista já trabalhava aos
sábados com o programa Beatle Mania na emissora. “Trabalhei pela primeira vez
como repórter de campo, coisa que nunca tinha feito antes, mas que admirava
muito. Era um jogo em que a Caldense ganhou do Democrata de Valadares”, não se
esquece o agora locutor.
O interesse em contratá-lo foi
imediato, mas a emissora não conseguia cobrir o que Antônio Carlos recebia. No
final do mesmo ano, em setembro, inauguraria o estádio do Ronaldão, e lá o
locutor também trabalharia e mais uma oportunidade surgiria. “Um cara da White
Martins me disse que a rádio Cultura iria me contratar, eu não acreditei, em
dois dias eles me procurariam, e eu começaria a trabalhar na rádio”, comemora.
E a relação com a rádio enfim
se findaria. Após isso, Antônio Carlos se dedicou exclusivamente a carreira de
locutor, no futebol e no programa que tinha diariamente de utilidade pública.
“No início comecei a substituir Eduardo Paiva, um dos maiores locutores da
época, adorado por todos da cidade, o programa chamava o Clube do Disco e era
um ídolo para a cidade”, diz. Após o falecimento de Eduardo, Antônio Carlos o
substituiu.
Após dois anos na emissora, em
1983 ele volta para a rádio Difusora.
Mas o locutor ainda se lembra de um dos primeiros jogos que transmitiu,
a Caldense jogava em Caxias do Sul, estreante no campeonato brasileiro e
Carlos, estreante na profissão, ainda se confundia com torcedor. “Em um
penalti, eu me ajoelhei atrás de uma placa de publicidade e comecei a rezar
para que o gol fosse feito”, relembra ele.
Sobre a relação com a cidade o
Vereador lembra-se dos famosos bailes da Caldense. O cinema era outra paixão do
apresentador. “Uma vez eu estava no cinema Vogue, adorava filmes bang- bang, eu
estava tão cansado que dormi dentro do cinema e só acordei com a moça da limpeza”,
brinca ele, que lembra praças, os namoros no jardim e bailes em garagem. “Os
carnavais de Poços são uma lembrança muito boa com muitas histórias”, completa
ele.
Em 1986, já casado, Antônio
Carlos se viu longe do sonho mais uma vez e foi trabalhar na loja Cristais São
Marcos, onde ficou por 10 anos como gerente de vendas, no trabalho estreitou a relação com os donos
da empresa, que o ajudaram a se eleger na eleição de 1988, quando foi eleito
vereador pela primeira vez.
O Vereador
A primeira candidatura ocorreu
em 1982, era uma eleição somente para vereadores. O eleitor era obrigado a
votar nos candidatos do mesmo partido. Na época, Antônio Carlos fazia parte do
PDS, que apoiava o regime militar.
Depois disso, foi eleito em
1988, 1992, 1996, 2000. Em 2004, por falta de sete votos, não conseguiu se
reeleger, mas ocupou o cargo de secretário de Esportes. Em 2008 voltou-se a reeleger como vereador
mais votado, e continuou sua carreira como vereador em 2012, 2016. Em 2017 está
no seu sétimo mandato como representante, hoje, como presidente da Câmara
Municipal de Poços de Caldas.
O interesse em se tornar um
vereador surgiu da relação que teve com Eduardo Paiva, que também era vereador,
e com o tipo de programa que trabalhou, que atendia os anseios da população e
tentava ajudar as pessoas a resolver os problemas que não conseguiam
diretamente com a administração. Por esse contato, a vontade de se candidatar
surgiu.
Hoje, o também apresentador
continua com esse tipo de serviço em seu programa, onde tenta levar um pouco do
que fazia nos programas da rádio para a televisão. “A rádio mudou demais, não é mais a mesma
coisa. A vantagem da televisão é que podemos mostrar os problemas que
acontece”, ressalta.
Depois de todos esses anos
atendendo as pessoas, seja na rádio e depois como vereador. As profissões escolhidas por Antônio Carlos
conseguem ser uma ponte as pessoas. Como tem muita amizade com médicos, alguns
casos mais dificultosos são levados até o vereador. “Recentemente tinha dois
gêmeos que estavam com um problema sério na visão e poderiam perdê-la, um amigo
médico me procurou, ele tinha realizado os exames, mas os meninos precisam
urgentemente dos óculos. Procurei outro amigo dono de ótica que providenciou
isso para os meninos”, conta o vereador. Depois, a gerente da ótica mandaria um
vídeo mostrando a alegria das crianças em poderem enxergar novamente.
O programa Canal Aberto surge
em 2011, Antônio Carlos estava na rádio Difusora com o programa Linha Direta,
que já era líder de audiência. “Quando saí em abril de 2011, me surpreendi, o
filho de um senhor me procurou dizendo que eu precisava ir a casa dele porque o
pai queria saber se eu estava bem, que ele estava preocupado e estava muito
triste. Ele me escutava todos os dias”, conta o locutor ao deixar as ondas do
rádio.
Outro momento emocionante da
carreira de Antônio Carlos ocorreu na rua Assis Figueiredo, a mais movimentada
rua da cidade. “Ouvíamos as pessoas na rua e uma senhora veio até mim, primeiro
para me conhecer, disse que sempre me escutava. Depois de um tempo, ela voltou
com uma rosca, disse que precisava me agradecer, pois o marido era doente e
ficava em casa sozinho, mas tinha eu como companheiro dele”, emociona-se o
vereador ao lembrar o acolhimento da população.
O radio ainda faz falta no
cotidiano do vereador, mas a vida política e o trabalho como apresentador
preenchem um pouco essa nostalgia. Agora, como presidente da Câmara Municipal,
passa sua experiência para os mais novos e continua a fazer o que suas
profissões o levaram ajudar a população. Em 10 de agosto completa 32 anos de
casado e acompanha a trajetória dos três filhos.
Vera Lourdes Teixeira Facci
Uma poços-caldense apaixonada
por bichos, uma vida sempre guiada pelos animais e o desejo de ajudá-los. Assim
nasceu a Associação de Amigos e Protetores dos Animais que partiu da vontade de
Vera Lourdes Teixeira Facci que conseguiu trazer uma clínica de baixo custo
para a cidade e, até hoje, atende esses animais.
Vera Facci é neta do fundador
da Vinha do Senhor, o português Manoel Teixeira, e filha do jogador da Caldense
da década de 40 Julio Teixeira de Andrade. “Meu pai foi muito bem quisto e
ficou famoso pela sua habilidade, ele fez história em Poços”, conta Vera.
Durante a infância Vera morou
na rua Rio Grande do Sul fala, como as ruas ainda de terra, eram a diversão das
crianças. “O terreno onde hoje é o Hospital Santa Casa era um buraco fundo e
nós escorregávamos nos barrancos, era uma diversão só”.
Os terrenos das casas eram
maiores e Vera comenta de uma chácara que ficava na rua de cima do terreno do
hospital, que tinha uma plantação de uva. “O contato com essa plantação foi
marcante também, porque nos divertíamos muito e fazíamos nossa farra”, relembra
ela.
A liberdade, já falada por
muitos entrevistados do Construindo, também foi comentada por Vera. As crianças
andavam por todo canto sozinhas, não
havia perigo nas ruas. “As crianças de hoje não sabem o que é essa sensação, e
com o aumento da violência elas nem podem andar sozinhas pelas ruas”, fala
Vera.
Os primeiros contatos com
animais surgiram quando a família se mudou para uma chácara no Jardim dos
Estados. A casa tinha um vasto terreno que abrigava muitas árvores frutíferas,
hortaliças e, claro, animais. “Tínhamos cavalos, ovelhas, carneiros, patos e
galinhas. Todos gostavam de nos visitar e sempre reuníamos amigos e
familiares”, exalta Vera.
Vera ressalta como a infância
foi bem aproveitada em ruas de terra, sem telefone, muitos menos aplicativo de
whatsapp, sem televisão. A diversão das crianças eram as brincadeiras na rua e
o convívio com amigos e familiares. “Nosso primeiro contato com a televisão
aconteceu só em 1965”, destaca ela.
Casou-se em 1968 com o marido
italiano que conheceu no famoso fotting, a avenida em frente a Praça Pedro
Sanches que formou muitos casais em Poços. É casada há 48 anos, tem dois filhos
e três netos.
Vera se lembra da convivência
dos vizinhos de comércio da rua Santa Catarina. “Nós tivemos um açougue por 37
anos, a Casa de Carnes Facci, e a convivência com os vizinhos de comércio era
muita boa, lembro do Zoca que tinha uma loja ao lado, a tabacaria e a loja do
José Ronaldo”, comenta ela.
O amor pelos animais
Depois que se casou o gosto
pelo cuidado dos animais começou a despertar. “Meu marido já casou ciente desse
amor”, brinca ela. Aos poucos Vera foi tendo contato com pessoas que também
tinham esse cuidado e começou a resgatar e ajudar os animais. “Na época não
havia tantos animais na rua como hoje, mas eu já ajudava os que eu conseguia”,
explica a protetora.
A protetora de animais surge
por acaso, uma paixão incondicional, um desejo de ajudar e fazer o que estava
ao seu alcance. Com o apoio, também incondicional do marido, Vera foi trilhando
seu caminho.
Vera conta como foi trabalhar
no início com o próprio dinheiro e conhecimento. “No começo a profissão de
veterinário não era difundida, as pessoas que cuidavam desses animais eram quem
gostava e aprendiam na prática como tratá-los”, conta.
“Sofri muito no começo porque
não tinha amparo, os gastos eram altos, mas mesmo assim sempre fiz do modo que
podia”, completa. O dr. Paulo Tadeu, hoje vereador na Câmara Municipal, foi um
dos primeiros veterinários que a ajudou.
Em 1994, Vera conhece Cristiane
que tinha apenas 17 anos, mas tinha vontade e coragem para começar a formalizar
as ajudas de Vera. Cristiane também era apaixonada por animais. “Cristiane me
ligou porque eu já era conhecida pela ajuda que prestava aos animais, e propôs
que criássemos uma ONG,eu nem sabia o que significava esse termo na época”, diz
a protetora.
Vera e Cristiane foram
pioneiras do trabalho na cidade, onde não havia nenhum serviço para os cuidados
dos animais. As fundadoras convidaram o então professor da PUC Diginei de Melo
para ajudá-las. “Foi o Diginei que arrumou todo o processo na Câmara para que
regularizássemos a ONG. A Associação de Amigos e Protetores de Animais (AAPA) é
formalizada em julho de 1995”, lembra a fundadora.
Sem condições financeiras para
ter um espaço próprio os atendimentos aos animais eram feitos na rua, atendendo
denúncias e levando em veterinários parceiros. “Em um dos atendimentos conheci
um veterinário argentino chamado Mariano, que comentou conosco que via o
esforço que fazíamos e queria ajudar mais”, conta Vera.
Então o veterinário propõe a
abertura de um consultório junto com as fundadoras da AAPA. A única estrutura
que a AAPA tinha era um escritório que tinha uma mesa e um painel para atender
as denúncias de maus tratos. “Hoje, devido a periculosidade, não conseguimos
mais atender as denúncias”, comenta a protetora.
Nesse momento a associação se
consolida no atendimento solidário em que o foco é o atendimento dos animais
cobrando o valor mínimo possível, somente paro os custos básicos. “Desse modo,
queríamos incentivar as pessoas a pegar mais animais, porque teriam um
atendimento mais barato”, destaca Vera.
Em 2000, com a ajuda do
veterinário, as fundadoras procuraram um lugar que pudesse ser adequado e
barato, porque os custos ainda eram cobertos com dinheiro próprio. Com o mínimo
necessário, elas montam o primeiro consultório “popular ou comunitário”
localizado na zona sul.
A irmã de Vera, Rose Teixeira
Cheberle, trabalha desde o início com as fundadoras, e acompanhou de perto a
luta pelo cuidado dos animais e a evolução da associação. “Aos poucos
conseguimos nos estruturar para atender o maior número de animais”, diz ela.
Depois de muitos atendimentos,
e com o aprimoramento do conhecimento com os cuidados, houve a necessidade de
atender casos mais graves que sempre apareciam na clínica. “Os casos foram se
agravando como tumores, realização de cesáreas e precisávamos transformar a
associação em clínica”, afirma.
Em 2007 a AAPA transforma-se em
clínica de baixo custo e passa a atender casos cirúrgicos. “A criação da
clínica também foi no susto, fomos pra São Paulo comprar o material com a cara
e a coragem, sem saber como pagaríamos”, relembra.
Devota de São Francisco de
Assis, Vera comenta que com a fé os atendimentos cresceram, tiveram ajuda de
voluntários da Alcoa e assim puderam quitar todas as dívidas feitas com a
compra do material. “Queríamos fazer um projeto de castração, para diminuir os
casos de abandono dos filhotes”, explica.
Para Rose um dos motivos para o
aumento de cachorros abandonados nas ruas é a falta de informação. “Eu acho que
isso deveria ser matéria escolar, explicar desde o início o que envolve a
criação de um animal de estimação”, enfatiza ela.
A associação chegou a fazer
palestras nas escolas para explicar todos os fatores que devem ser pensados ao
se adotar um animal. Além do cuidado, tem-se que levar em conta os gastos, o
tempo que será destinado ao animal, os gastos com veterinário para eventuais
necessidades e a consciência de que o cuidado do animal deve ser prioridade em
muitas situações.
Em contraste com as
dificuldades enfrentadas no início, hoje Vera tem alguns veterinários voluntários que sempre a
ajudam e revezam no atendimento dos animais. “O veterinário Hélio Ferreira da
Clinicão está conosco desde o início e sempre pudemos contar com um grupo de
profissionais que sempre nos ajudou”, diz a fundadora.
Com muito amor a APPA está há
21 anos na luta em favor aos animais, conscientizando as pessoas sobre a doação
responsável. Trabalham com cotas para consulta e castração para casos realmente
necessários. Mas o serviço ainda preza, prioritariamente, atender os animais da
melhor forma possível pelo menor custo.
Com ajuda de muitas pessoas a
associação consegue ajudar os clientes com medicamentos, e ainda atendem
animais de rua, mas não conseguem ficar com esses animais.
“Enquanto eu tiver força e
coragem vou estar aqui lutando para eles”, fala Vera. “Acho que no nosso
velório só vai ter cachorros”, brinca a irmã Rose. As irmãs ainda têm o sonho
de terem um asilo para os animais idosos.
Tery Cristina de Freitas
A entrevistada deste domingo foi
uma das primeiras fiscais da Secretaria de Serviços Públicos e está desde os 17
anos, Tery Cristina de Freitas sabe toda a rotina da secretaria e divide
conosco as primeiras experiências como uma fiscal mulher e as mudanças ao longo
desses anos.
Poços-caldense de nascimento,
Tery foi a primeira das quatro irmãs a nascer no Hospital Santa Casa, já que o
costume era os partos feitos em casa. Sobre a cidade que Tery conheceu na
adolescência, ela comenta sobre os lugares que ainda não existiam em Poços. “Quando
eu era adolescente tinha uma amiga que morava no final da rua Assis Figueiredo,
que terminava antes do início do bairro Quisisana, que não existia, era uma
terra vermelha”, comenta ela que ainda lembra de outro bairro que tinhas ruas
de terra, o Santa Rosália.
Quando Tery nasceu sua família
morava na Avenida Champagnat que aparentava características muito diferentes
das de hoje. O chão era de paralelepípedo, aquelas pedras grandes e
características de cidades menores e a tranquilidade da rua permitia até que um
indivíduo deitasse sobre elas. Depois, a família mudou-se para a rua Paraíba,
que também era calçada com paralelepípedos.
Como muito dos nossos
entrevistados já mencionaram a liberdade que as crianças tinham ao brincar nas
ruas e chácaras é um privilegio que ficou para trás. “Eu nunca brinquei em
quintal, eu sempre ficava pelas ruas, nos pomares. Meu filho já não sabe o que
é brincar na rua”, lamentou a fiscal. Das crianças que convivia nas
brincadeiras das ruas, Tery se lembra da companhia dos Borghetti e de Mauro
Tramonte, apresentador de programa policial que ficou famoso na cidade.
Estudou na escola David
Campista, quando criança frequentou a escola estadual Virgílio da Gama, a
escola que funcionou no prédio do atual Museu Histórico e Geográfico de Poços
de Caldas. “Essa escola era muito boa, os mesmo professores que davam aula nos
colégios particulares, davam aula nesse colégio por ser estadual e pagar uma
boa remuneração para esses profissionais”, explica a fiscal.
Nessa época, o atual segundo
grau só havia nas redes particulares, foi quando Tery iniciou os estudos no
colégio Pelicano. “Fiz o ensino médio, já comecei a trabalhar para bancar os
estudos, mas a prefeitura ajudava os alunos pagando os últimos seis meses de
formação”, lembra ela. Nesse momento
Tery analisa como a diferença de renda não separava o filho de um deputado de
um filho de pessoas mais simples. “Ricos e podres estudavam na mesma sala, na
mesma escola. Tinham poucas escolas e as que tinham eram frequentadas por todas
as classes sociais”, completa Tery.
Na Prefeitura
Aos 17 anos, Tery começou a
trabalhar na Prefeitura, como não havia concurso na época, Tery foi contratada
como recepcionista na Secretaria Municipal de Serviços Urbanos, como era
denominada antes. Em 1985, a secretaria funcionava no centro, no prédio em
frente a Prefeitura. “Lembro que as ligações eram feitas com telefonistas, com
o chamado PABX”, brinca ela.
A partir desse primeiro emprego
Tery passa a secretária da fiscalização e nesse cargo fica por dez anos. “Nos
primeiros concursos eu não pude participar pela idade, mas assim que eu pude,
eu fiz um concurso e me tornei fiscal em 1996”, fala ela. Como secretária Tery já conhecia toda a
rotina dos fiscais e da secretaria.
No começo do trabalho, a fiscal
lembra como era agitada a rotina, cerca de 40 pessoas passavam na secretaria,
que era no centro, seja para reclamar, conversar ou tomar um café. Com a
mudança de local, hoje a secretaria fica no Country Club, essas visitas
diminuíram.
Das informações que a população
pedia na secretaria, Tery fala de um pedido recente. “Uma pessoa me procurou
pra me perguntar se eu sabia o horário de funcionamento dos caixas eletrônicos
do banco Itaú”, indigna-se. A fiscal comenta que as pessoas acham que os
funcionários da Prefeitura têm que saber tudo o que acontece na cidade.
O trabalho de um fiscal da
Secretaria Municipal de Serviços Públicos baseia-se em olhar tudo o que faz
parte da estética da cidade, como, terrenos baldios, calçadas, lixo,
ambulantes, alvarás, perturbação do sossego público, outdoor, placas e limpeza.
“O nosso código de postura elenca muitas coisas, esse ano mesmo estamos
fiscalizando a regularização dos túmulos do cemitério”, diz ela.
Entre as inúmeras exigências do
código Tery fala das exigências que o código trazia a anos atrás. Entre elas, a de não deixar pessoas entrarem
no cinema com chapéu, ou uma banca de jornal não poder expor revistas com
nudez. E fala que a mania de cada secretário direciona o foco do trabalho para
alguma coisa.
Tery continua falando da rotina
de uma fiscal mulher, deixa claro que é uma fiscal rigorosa e se lembra da
primeira autuação. “Faziam uma calçada na rua Coronel Virgílio Silva e o moço
que estava no local me perguntava insistidamente se eu realmente era fiscal,
porque, querendo ou não, ele esperava um homem nessa função”, salientou. As
mulheres não ocupavam essa posição no começo de carreira de Tery, dos vários
fiscais, as mulheres eram minoria, diferente do quadro de funcionários atual.
“Hoje a maioria é mulher”, analisa.
O trabalho do fiscal dessa área
também tem a função de monitorar os ambulantes que insistem em trabalhar nas
ruas da cidade, e nessas horas, o gênero também não é respeitado. “Em uma
situação que eu e mais um colega autuávamos um ambulante, mesmo o meu colega
estando mais próximo dele, ao ficar nervoso ele partiu pro meu lado, mas ele
não poderia imaginar que eu era mais brava que muitos homens e sei lidar bem
com essas situações”, confessa ela deixando claro que está no emprego certo.
Sobre esses ambulantes Tery
comenta que a maioria vem de fora de Poços e muitos deles voltam mesmo depois
de notificados pelos fiscais, mas a fiscal escuta dos próprios ambulantes que
não há melhor lugar para vender como Poços. “Aqui as pessoas da cidade e os
turistas compram e acabam incentivando o trabalho dessas pessoas”, explica.
Essas compras na rua não tem segurança de qualidade e se algo prejudica o
comprador, como alguma infecção pela mercadoria ingerida, não há a quem
reivindicar. “Sem procedência não tem reclamação”, enfatiza a fiscal.
Uma questão que incomoda a
fiscal é em relação a exposição dos hippies, autorizados pela secretaria de
cultura, eles podem vender seus produtos em um ponto da rua Assis Figueiredo.
“Para quem precisa controlar os ambulantes, essa posição prejudica o trabalho
dos fiscais. Como explico para um ambulante que ele não pode vender na rua se
há pessoas autorizadas a vender?”, indaga Tery.
Os fiscais também auxiliam as
feiras de alimento e a feirinha controlando ambulantes que não estão autorizados
a vender no local. Mas, um dos primeiros serviços da secretaria foi o de limpar
fossas, nesse tempo havia muitas casas na cidade que não tinham rede de esgoto,
e esse era uma das obrigações da secretaria. Os pedidos chegavam ao número de
100 por dia, a secretaria não conseguia atender todos e depois de alguns anos o
serviço foi assumido pelo Departamento de Água e Esgoto- DMAE. “Quando eles
viram o problema que era, fizeram a rede de esgoto nesses locais”, explica
Tery. Antigamente, quem fazia a rede de
esgoto, o asfalto e a iluminação de um lote era a Prefeitura, mas hoje, esses
serviços são de obrigação do loteador.
Lidar com as pessoas e explicar
a lei a elas são esforços que o fiscal encontra em cada trabalho. Saber como
ajuda-las em seus problemas são missões diárias que exigem muita experiência e
competência. Ao explicar o trabalho, Tery fala que o fiscal, com o tempo,
aprende todos os macetes que precisa para fiscalizar os pontos necessários, mas
também que a lei precisa ser seguida. “Tudo na Prefeitura é baseado na lei, e
ela que temos que seguir”, diz.
Tery reforça que a fiscalização
dos terrenos baldios é um trabalho árduo. “Os proprietários que tem muitos
terrenos não querem saber de cuidar desses locais, só regularizam quando são
notificados”, fala ela. E o trabalho de um fiscal não fica na secretaria,
muitas pessoas vão atrás da profissional em casa. “Já vieram ambulantes em
casa, as pessoas vêm pedir autorização. Quem nos encontra na rua tem alguma
coisa para perguntar”, confessa ela.
Participou da única greve que a
Prefeitura de Poços enfrentou. A greve aconteceu na primeira gestão do prefeito
Sebastião Navarro, anos 90. A presidente do sindicato era Ana Guerra. Nesse
período acontecia o gatilho (aumento do salário) e o prefeito parou de dar esse
aumento. “Todos os funcionários pararam o serviço por três dias, avisamos todas
as rádios e jornais a noite”, fala. Nesses dias não saiu nenhum caminhão de
lixo e varredores. Em outro momento, os funcionários tiveram que receber o
salário na Urca, já que o banco BEMGE, que era o pagador da época, não tinha
estrutura para receber os funcionários.
Tery criou seu filho que aos 19 anos se
prepara para prestar vestibulares de faculdades federais. Fez da secretaria sua
segunda casa e com a rigidez que gosta de lembrar, fez o trabalho como fiscal
ser respeitado, mesmo sendo uma das primeiras mulheres na função. Hoje se
orgulha de dividir o espaço com mais mulheres e de toda a experiência que o
trabalho na Prefeitura lhe proporcionou.
Miguel
Francisco de Brito
O entrevistado dessa semana foi
responsável pela formação de muitos músicos de Poços, convidado a assumir uma
escola de música e a tocar no coreto, a música o trouxe a Poços e com a mesma
música aqui permaneceu e transformou o futuro musical da cidade.
Miguel Francisco de Brito toca na Banda
Maestro Azevedo, foi fundador da Orquestra Românticos de Poços e ajudou a
iniciar a banda de marchinhas tradicional da Charanga dos Artistas, a Master
Show ou Banda do Miguelzinho. Além dessa
relação com a música, como professor passou seu conhecimento para muitas
crianças.
Miguel nasceu em Divina Nova-
MG e veio para Poços em 1990. Já formado como regente, tinha o sonho de formar
novos profissionais de música na cidade, principalmente para a Banda Maestro
Azevedo que toca a mais de 100 anos no coreto de Poços, e que no começo dos
anos 90 era formado por músicos bem velhinhos.
Ainda em 1990 Poços não tinha
uma escola de formação de instrumentos de sopro, com a necessidade de ter mais
músicos para as bandas da cidade, Miguelzinho teve a ideia de formar uma escola
de músicos, incialmente, para tocarem no coreto da cidade, depois para ganharem
o mundo.
Depois de o prefeito da época,
Sebastião Navarro, ver uma apresentação das crianças que Miguel orientava em
Divisa Nova- MG surgiu o convite para que o músico assumisse a banda do coreto
e começasse um projeto de ensino de crianças. “O meu projeto não foi o
primeiro, mas os anteriores não vingavam, paravam no meio do caminho”,
esclarece o maestro Miguel.
Então junto a secretaria de
Educação formou-se uma escola de músicos para que suprisse a falta desses
profissionais na cidade. “Além de formar todos os músicos que hoje compõem a
banda, formamos também uma banda paralela, a Banda Infanto-Juvenil”, explica o
maestro.
Além desses projetos, em 1992,
Miguel também participa da fundação da Orquestra Sinfônica de Poços de Caldas.
“No início, ensaiávamos na garagem do maestro da época Sandro Franceschini.
Depois a orquestra cresceu e conseguimos o apoio da prefeitura”, diz ele. Depois
desse apoio os ensaios passaram a ser no Palace Cassino.
Atualmente a primeira escola
que Miguel iniciou voltou a funcionar depois de um período fechada. “Este ano
retomamos com o trabalho na escola, a Banda Maestro Azevedo é quem assumiu. Os
atuais professores são alunos formados no projeto da escola”, evidencia. Esse
projeto ganha um novo nome “Toque para o Futuro”, abrangendo alunos de 6 a 70
anos.
A
relação com a música
Aos 18 anos, ainda trabalhando
como professor primário, Miguel começou a admirar a música. Vendo os ensaios de
uma banda da cidade natal a vontade de tocar o fez pedir para o maestro lhe
ensinar qualquer instrumento. “Eu já havia passado nos ensaios muitas vezes e o
maestro não me chamava, até eu ir pedir a ele”, comenta.
A proposta do maestro, que
costumava chamar pessoas do público para tocar, foi que Miguel aprendesse o
trompete, instrumento que tinha quatro alunos aprendendo e competindo quem
permaneceria nos ensaios. Os outros rapazes já treinavam há algum tempo, então
Miguel teve que se esforçar para chegar ao ponto em que eles estavam. “A
vontade era tanta, treinei tanto, que acabei é passando os outros e ficando com
o instrumento”, comemora.
Em menos de um ano já estava
tocando nos carnavais da região e nas cidades próximas. Durante um curso que
era direcionado para o trompete o maestro Miguel foi descoberto. “Um dos
professores notou a minha facilidade em ensinar e me direcionou para o curso de
regente”, conta o agora estudante do curso de regência.
Como se destacou no curso, o músico
que havia ido aprender mais técnicas do trompete saiu como regente e já teve
sua primeira apresentação como maestro da banda do curso. “Minha primeira
apresentação foi no encerramento do curso no Teatro Rotary em Passos”, comemora
Miguel. Depois dessa apresentação, o prefeito de Divisa Nova já o contrataria
para assumir a banda da cidade.
Com dificuldades para implantar
novos métodos com os músicos locais, Miguel teve a ideia de iniciar o trabalho
com crianças. “Os mais tradicionais eram resistentes as minhas ideias, então
imaginei que as crianças seriam mais abertas a novos métodos”, confessou ele.
Em Divina Nova ele consegue formar sua primeira banda de crianças, com essa
banda que ele fica conhecido e é convidado para trabalhar em Poços. A apresentação
na primeira festa UAI de Poços que traria Miguel a Poços. Foi nessa festa que
ele se apresentou com as suas crianças e conquistou o então prefeito Sebastiao
Navarro como já mencionado anteriormente.
Mesmo passando em um concurso
para sargento na Academia da Polícia Militar em Goiânia o músico se encantou
pelo convite do prefeito de Poços e escolheu por ficar na cidade. “Eu estava
preparando a minha mudança para Goiânia quando recebi o convite, analisei a
proposta, e resolvi optar por Poços”, explica Miguel.
Quando veio para Poços Miguel
tinha 26 anos, depois de assumir os projetos como professor de música na escola
e no colégio Dom Bosco, e trompetista da banda do Maestro Azevedo, logo
conheceu sua esposa, casou-se e aumentou a família, pai de três filhos, todos
trabalham com música e acompanham o pai.
Após um ano do início da escola
em Poços, em 1991 já houve a primeira apresentação da Banda Infanto- Juvenil na
inauguração do loteamento do Bairro Nova Aurora. “Hoje os músicos estão na
Orquestra Sinfônica, na Banda Maestro Azevedo, alguns são professores no
conservatório e até o diretor do conservatório, o maestro Juliano Marques
também foi meu aluno”, exalta.
Dos músicos que o maestro tocou
ele se lembra de grandes ídolos como o professor Pinguim que tocava na
orquestra de baile Anos Dourados, o senhor Mario Costa que também era um músico
famoso na cidade, assim como o Toninho Bechara, um excelente clarinetista.
Em 1998 Miguel assume a banda
Maestro Azevedo. Com 113 anos (1904) a banda foi tombada como patrimônio da
cidade. Em uma pesquisa feita por uma escola da cidade, pessoas relataram que
a primeira apresentação da banda ocorreu
em 1898.
Após 35 anos de encontro com a
música e 27 no cenário musical de Poços, o maestro comenta da emoção que é
poder ensinar as crianças a tocarem os instrumentos musicais. “Certa vez
apareceu uma criança na escola com Síndrome de Down, achei que não seria capaz
de ensiná-la, mas quando vi a vontade dela de aprender e a perseverança da
criança e dos pais, isso me ajudou e consegui ensiná-la. A apresentação dessa
criança me emocionou”, confessa o maestro.
Algumas apresentações especiais
também fazem parte da memória do maestro. Ele chegou a tocar com o cantor
Toquinho, Elba Ramalho e Daniel em algumas viagens que fez com a Orquestra
sinfônica como trompetista. Miguel participou da Orquestra Sinfônica desde a
primeira formação até o seu aparente final. Hoje a orquestra está parada. A última apresentação aconteceu no ano
passado. “Todos os profissionais da orquestra estão parados, havia 78 músicos”,
lamenta.
Carnaval
Miguel
se diz saudosista e gosta dos carnavais de marchinha e salão. Em 2001 houve a
ideia de resgatar os carnavais tradicionais, o professor Anésio Avelar, então
diretor do departamento de Cultura, propôs que Miguel tocasse nos carnavais
resgatando os tempos de marchinha.
A
proposta era uma banda de marchinhas para percorrer as ruas da cidade junto com
artistas locais. Na primeira vez, Miguel organizou os músicos, mas com
compromissos assumidos, não pode participar. Mas, com o sucesso, no segundo ano
o projeto foi organizado e nasceu a Charanga dos Artistas. Também começou no
coreto, mas hoje fica atrás do Palace Hotel onde recebe um público maior. “O
carnaval conquistou as crianças, em 17 anos nunca houve uma briga e a banda
firmou-se na programação do carnaval da cidade”, enaltece o maestro.
Sobre
a Poços de antigamente Miguel se lembra
das discotecas da época, como a que havia na Caldense e a famosa Carinhoso.
“Tenho pena dos jovens de hoje, antes existia muita opção, a cidade era muito
tranquila, não tinha violência”, fala ele.
Conservador, em 2008, Miguel toca o projeto da
Orquestra Românticos de Poços que apresenta músicas dos anos 60 e 70. Ao tocar
com uma banda em Alfenas que tinha esse estilo, Miguel traz o modelo para
Poços. “Queríamos voltar com as danças de salão, que não existiam mais na
cidade”, explica ele.A primeira apresentação dos românticos aconteceu em um
Julho Fest ao ar livre. “Depois disso não paramos mais, tocamos em eventos da
cidade e em bailes”, relata.
Como
preferência, o maestro Miguel gosta de tocar músicas populares, fala como gosta
da Orquestra Românticos de Poços porque tem liberdade para tocar todos os
estilos musicais. “Gosto de tocar músicas que façam as pessoas dançarem”,
comenta ele. Mas lembra, que mesmo no coreto, também faz muitas pessoas
acompanharem a música.
Ronaldo Corrêa- Nadinho
Ronaldo Corrêa divide com o
Construindo Nossa História os causos da sua vida e a relação muito próxima com
o Hotel Quisisana, hoje, condomínio. Ele relembra as épocas de glamour, como
muitos dos nossos entrevistados também lembraram e conta como foi nascer,
crescer e viver no local de trabalho, onde há 26 anos é gerente.
Ronaldo Corrêa, mais conhecido
como Nadinho, nasceu dentro do Hotel Quisisana, lugar que o pai, Gabriel
Antônio Corrêa- Seu Zico- trabalhou na construção e permaneceu por 46 anos. Seu
Zico veio da região rural do Campestrinho e foi um dos primeiros funcionários
do então hotel. Nadinho aprendeu os ofícios do lugar e cresceu junto com o
hotel.
O Hotel Quisisana, segundo
Nadinho, teve duas inaugurações, uma em 1935 com metade do prédio construído,
quando já começou a funcionar e outra em 1940, quando a outra parte do hotel
foi finalizada. O local foi idealizado como um hotel fazenda, mas os jogos era
o que impulsionava a economia da época e várias salas foram instaladas. O hotel
funcionou até 1963 e os jogos eram o principal atrativo. “Vi os vestígios dos
jogos, algumas mesas paradas. Foi uma época que se ganhou muito dinheiro,
principalmente quem trabalhava direto com o jogo nas noites de Poços”, comenta.
O gerente começou a trabalhar
no hotel aos 8 anos. Em 1953 trabalhava como auxiliar nas quadras de tênnis.
“Trabalhei como ajudante na montagem das bandejas para os hóspedes e fui
aprendendo várias funções até chegar a gerente, função que ainda ocupo”,
enaltece.
De 1953 a 1963 Nadinho trabalha para o hotel,
depois dessa data, ele passa a trabalhar no Condomínio. Essa transformação, de
hotel para condomínio, aconteceu após o falecimento do proprietário Vivaldi
Leite Ribeiro. Os filhos decidiram transformar o local em condomínio.
O anúncio para a venda do Hotel
foi feito em grandes jornais de circulação nacional, como a Folha de São Paulo.
As propagandas enfatizavam o privilégio dos moradores terem um hotel próprio.
Os quartos variam de tamanhos de 24 a 50 metros quadrados. Todos têm direito a
usufruir da estrutura do hotel e os serviços extras são pagos. A maioria dos moradores é de fora de Poços e
costumam vir nas temporadas, mas há 25 famílias que moram permanentemente no
local.
O agora condomínio tem 237
quartos. O cinema tem duas sessões a tarde, para crianças e a noite, para
adultos. “Muitos apartamentos foram reformados e modernizados”, comenta
Nadinho. O condomínio conserva a estrutura do hotel com piscinas de água fria e
quente, churrasqueiras, balneário,
cinema, sala de musculação, restaurante, cabelereiro e barbeiro. Dentro do
condomínio há fontes de água sulfurosa.
Não se pode deixar de falar da
época em que o Hotel teve seus momentos de glória. Em 1949, a seleção
brasileira se hospedou no local para a concentração para a copa de 1950.
Getúlio Vargas, amigo do proprietário, também se hospedava no local. Entre os
presidentes, Juscelino Kubitschek também passou pelo lugar.
O local ainda foi cenário de
duas novelas globais, “Livre para Voar” com Tony Ramos e a minissérie “Memórias
de um Gigolô’, com atores como Ney Latorraca e Bruna Lombardi todas filmadas no
interior do hotel. “Nós funcionários também participamos das gravações como
figurantes”, recorda o gerente. A maioria das gravações foi feita na boate do
hotel que sempre foi famosa por suas festas e recepções.
O Hotel Quisisana foi
construído e idealizado por Vivaldi Leite Ribeiro, que era arrendatário do
Palace Hotel. Depois de uma briga judicial, ele comprou as terras do hotel e
levou os cassinos para o Quisisana. Outra construção do hoteleiro foram
cassinos no centro da cidade, o Cassino Imperial ficava onde hoje o prédio do
Banco Itaú se localiza.
Nadinho lembra que os hóspedes
que ficavam no hotel eram pessoas muito ricas, a diária do hotel era cara, e
através desses turistas, a população de Poços via os carros da época, as
novidades que essa elite trazia para a cidade mineira. Os turistas vinham
principalmente do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. “Nessa época o que os
atraía eram as fontes sulfurosas, temos um balneário completo com os banhos,
sauna e ducha”, explica ele.
Casado, com duas filhas e uma
bisneta Nadinho morou no Quisisana por alguns anos, mas a proximidade com o
trabalho o fez mudar para uma casa fora do local para que pudesse ter mais
sossego.
Além do trabalho intenso no
hotel, Nadinho também participou ativamente do bairro da Cascatinha, bairro
onde nasceu. “Fui presidente da associação de bairro por três mandatos, durante
esse período trouxemos benefícios para o bairro”, comemora ele.
Alguns dos feitos que Nadinho
conseguiu no seu mandato foi a construção do ginásio Moleque César, a escola
que fica perto do ginásio também foi iniciada pela motivação dos moradores.
Como representante da comunidade, Nadinho foi presidente da escola de samba
Vivaldinos da Vivaldi em 1990, quando conseguiu, pela primeira vez, o título de
campeã do carnaval de Poços.
O ginásio Moleque César foi
assim nomeado em homenagem a um jornalista e jornaleiro chamado César. Ele
trabalhava no jornal do padre Trajano Barroco, Diário de Poços de Caldas. Foi
denominado jornalista porque criou o plantão policial da cidade e jornaleiro
porque entregava os jornais pelas ruas. “Muitos vereadores queriam colocar o
nome de pessoas poderosas da cidade, mas a associação reforçou que o ginásio
tinha que carregar o nome de uma pessoa do bairro”, enfatiza Nadinho.
A música também sempre esteve
ligada a vida do gerente. Além da escola de samba do bairro, Nadinho ainda se
aventurou na abertura de uma boate, a Sobradinho, onde como músico
apresentava-se nos finais de semana com seu grupo. “Recebíamos duas mil pessoas
aos sábados”, comenta ele que junto aos sócios fez muito sucesso na cidade. A
boate Sobradinho surgiria no lugar de uma outra antiga boate a “Ferro Velho” na
avenida João Pinheiro.
O grupo de Nadinho e seus amigos, o Samba
Poços, não só abriu a Sobradinho, como trouxe, pela primeira vez, o trio
elétrico para os carnavais de Poços. “Tínhamos um grupo titulado “Uai” para
participar de festivais na região. Era sempre o mesmo pessoal, eu, Lorinho,
Ditinho, Guerrinha e o Porrete. Mais o nosso sucesso foi a primeira roda de
samba na cidade com o grupo Samba Poços”, enaltece o músico.
Em suas palavras, Nadinho
explica que a música está no sangue e até hoje gosta de reunir amigos para
cantar e tocar. A banda chegou a tocar
nos réveillons do Hotel Quisisana, mas depois da morte de um dos integrantes, o
grupo parou. “A saudade do nosso parceiro foi muito grande, todos sentimos a
falta dele”, lamenta ele.
A escola de samba do Hotel
Quisisana foi também outra atração da época, os hóspedes se organizavam e saíam
todo ano com a escola “Quisisamba”, que também foi campeã muitas vezes na
cidade. “Minhas filhas também saiam nessa escola, estavam sempre próximas de
mim”, lembra ele da proximidade do hotel com a família.
Com o contato intenso com os
moradores, Nadinho acompanha as gerações dos moradores e fez muitos amigos no
trabalho da gerência que iniciou há 26 anos. Ele fala como é um privilégio
poder trabalhar em um local tão bonito. “Todos os dias eu tenho o privilégio de
ver esse local com muito verde, animais que criamos e toda a extensão que
carrega”, diz.
Nadinho tinha o sonho de
escrever um livro sobre a história do Quisissana, guardou por muitos anos os
registros vividos no local. Em parceria com a escritora Lia Campos Ferreira
conseguiu reunir as principais histórias e eternizar os momentos passados no
hotel. “Entrevistamos muitos músicos que participaram das noites na boate e
pessoas que frequentavam e gostavam do hotel”, comemora ele.
Sobre o nome do livro, Nadinho
fala que um dos moradores do condomínio em conversa com o espírita Chico
Chavier escutou do médium que havia dois lugares que tinham vibrações positivas
em Poços, o jardim atrás do Palace- Parque José Affonso Junqueira, e o Hotel Quisisana. Por isso o nome- Quisisana Fonte de Luz no Coração de Poços de Caldas.
“Com esse livro Lia conseguiu o diploma da academia de letras de Poços de
Caldas”, conta o gerente.
Ainda no ramo profissional, sempre ligado ao
trabalho com o hotel e, posteriormente, condomínio. Nadinho ainda foi o
primeiro profissional a trabalhar com locutora de som na cidade, por causa dos
shows, viu a necessidade de alugar esses equipamentos e a possibilidade de ter
sua própria empresa.
Na vida política, trabalhou como coordenador
da campanha do candidato a presidência Fernando Collor de Melo. Para um comício
do candidato a prefeito de Poços na época, Ronaldo Junqueira, trouxe pessoas
importantes como Thomaz Green Morton, famoso paranormal da época e os cantores
Pepeu Gomes e Baby Consuelo.
Aposentado, teve em sua carteira um único
patrão, o Hotel Quisisana. Relembrando os 63 anos de trabalho, Nadinho agradece
as oportunidades que teve. “A minha passagem por aqui é abençoada, consegui construir
uma escola, a ajudar a manter o Quisisana, animar carnavais da cidade, e
trabalhar com a música”, comemora o gerente, músico e admirador de Poços.
Vera
Lúcia Correa Couto
Vera Lúcia Correa Couto trabalhou na
superintendência Regional de Ensino como secretária da diretoria, no gabinete.
De Belo Horizonte, veio para Poços em 1992,e como já trabalhava na área de
educação em Belo Horizonte, pediu transferência para a cidade, pois desejava
aposentar-se em Poços de Caldas. Conheceu Poços através de uma irmã que morava na cidade, veio a
Poços uma única vez para uma visita rápida e logo se mudou com toda a família.
“Fui conhecer Poços depois que me mudei”, brinca ela.
Em 1992 trabalhava como secretária da diretoria da
superintendência Regional de Ensino. Sobre o ambiente de trabalho, Vera Lúcia
comenta da proximidade das pessoas. “Quando comecei no meu trabalho, andando
pela cidade, todo mundo conhecia as pessoas da superintendência, na verdade,
todos da cidade se conheciam, o que não existia em Belo Horizonte”, analisa a
aposentada.
Nesta época, a cidade era menor e preservava características
interioranas. Vera Lúcia então muda-se com o marido e os três filhos
adolescentes. O marido, largou o emprego na capital mineira para acompanhar a
esposa.
O frio foi um fator estranhado pela família já que as temperaturas
enfrentadas em Belo Horizonte eram altas. “Hoje ainda sofro com o frio. Quando
cheguei, em dezembro, eu ainda me protegia muito do frio, mas me adaptei”,
reforçou.
Católica, a vendedora sempre frequentou a igreja matriz, onde pode
fazer bons amigos além dos do trabalho. Sempre participando de grupos de
oração, foi catequista na igreja São Domingos para crianças de 8 a 9 anos. “As
crianças tinham interesse, eram educadas. Quando precisei sair, elas foram
muito amorosas deixando recados para mim”, conta a então catequista.
A venda de cosméticos iniciou-se ainda em Belo Horizonte, por
isso, quando se mudou para Poços, continuou com a atividade. “Eu vendia para as
minhas colegas de trabalho, através do meu emprego e dessa atividade extra
conheci muitas pessoas na cidade, essas ocupações foram ótimas para eu me
ambientar a cidade”, comemora a vendedora. A confiança era um ponto forte do
trabalho de Vera. “As pessoas confiavam no que eu vendia. Com essa atividade eu
conseguia cobrir as despesas da casa, além do salário que recebia”, diz.
No começo dos anos 90 o trabalho com venda de cosméticos começava
a se tornar mais comum, as reuniões em casas de clientes eram rotineiras. “Hoje
conheço muita gente, as pessoas me chamam pelo nome, e eu não sei quem é”,
relata a vendedora.
Vera fala da sua
preferência pela cidade. “Gosto muito de Poços, toda a minha família aproveita
para passear na cidade. Minhas irmãs adoram a feirinha, as praças e o coreto.
Não tenho saudade de Belo Horizonte, somente da família. Hoje quando vou a
capital, aproveito para rever as minhas irmãs, a cidade mesmo não ando”,
confessa ela.
Pierre Alexander foi a primeira marca que a vendedora começou a
comercializar, e foi através disso que ela pode conhecer pessoas além do
trabalho na educação. Deste modo conheceu outras marcas e foi se adaptando ao
mercado. “Hoje administro uma equipe que vende para mim”, explica.
Desde o início o trabalho funcionava através de convites as
pessoas e do trabalho dessas pessoas Vera ganhava comissão. A New Harmony era outra marca famosa na
cidade, no início da década de 90. “Tínhamos toda a cobertura para trabalhar,
os diretores vinham frequentemente. Há clientes que ainda procuram pela marca,
principalmente por produtos especiais que são difíceis de encontrar, eu ainda
consigo, mas a empresa tem poucas atividades”, conta ela.
Morou no bairro Santana e também no centro, por isso sempre
aproveitou a cidade a pé. “Não conhecia meus vizinhos, sempre estava
trabalhando, mesmo hoje não há mais essa proximidade com os vizinhos”, lamenta.
Porém, Vera conserva clientes que tinha desde o início do trabalho.
Outra área que a aposentada sempre trabalhou foi com o marketing
multinível, trabalhou com a TelexFree, empresa barrada pela justiça, foi
provada que era uma empresa idônea e vai retornar com o trabalho, segundo a
comerciante. Essa atividade foi outra maneira de se conectar as pessoas. Esses
trabalhos eram considerados pirâmides. “O INSS é uma verdadeira pirâmide, esses
trabalhos não, as pessoas não sabem o que é uma pirâmide. Quem fica com todo
esse dinheiro do INSS? E para onde vai esse dinheiro?”, questiona a aposentada.
Por causa do trabalho, Vera é conectada, trabalha através do
Whatsapp e se comunica através do email. Através de um grupo de marketing
multinível, como ela denomina, Vera conhece outros trabalhos que consegue
receber dinheiro, além do que ela recebe com a venda dos produtos de beleza.
“Os valores com o trabalho podem chegar até a R$ 8.000 por mês, que é o nível
mais elevado”, reforça.
Vera comenta como gosta de não ter mais compromisso com datas e
horários. Depois de aposentada, gosta de administrar seu próprio tempo e
através dos grupos que participa conhece muitas pessoas. “O maior benefício de
participar de grupos de curso ou trabalho é conhecer pessoas, gosto de conhecer
muitas pessoas e através desses movimentos que as conheço”, confessa.
A vendedora fala do prazer que tem em vender e ter contato
contínuo com as pessoas, mas também das dificuldades desse contato. “Deixei de
receber muitas vezes, e através desses tombos aprendi a lidar com as
pessoas”,disse ela.
Outro trabalho que Vera é envolvida é da cesta básica, um pessoa
principal convida outras pessoas a participar do programa, que convidam mais
pessoas e essas tem que consumir o produto, que nessa empresa, é a cesta básica
de alimentos. “O preço é um pouco maior, mas há um retorno do que você consumiu
e a empresa divide o que ela lucrou com as vendas”, explica Vera.
Vera defende que temos que aprender a ganhar dinheiro sem ser
empregados. “Estamos acostumados a ser empregados, mas existem outras
alternativas para conseguir um salário, além da carteira registrada”, analisa
ela que reforça que a própria pessoa pode fazer a sua aposentadoria.
Sem o apoio da família, Vera Lúcia mostra na prática que o seu trabalho tem retorno e que através dele continua ativa e continua a formar sua rede de amigos. “O contato com várias pessoas é o que mais me motiva”, comemora.
Gaspar
Eduardo Paiva Pereira
Professor da PUC desde sua
fundação, advogado formado no Largo São Francisco, Gaspar Eduardo Paiva Pereira
dedicou-se também aos cargos de secretarias da Prefeitura. Poeta e cronista fez
das palavras o caminho da sua vida.
Gaspar nasceu em 03 de junho de 1936, o pai
também da cidade de Poços, Jorge Rodrigues Pereira era comerciário, e a mãe
Zilda Pereira dedicava ao lar. Vivendo o tempo todo em Poços, saiu por um
pequeno período somente para cursar a faculdade de Direito.
O advogado se lembra da
primeira casa em que morou na cidade, que ficava na rua Assis Figueiredo onde
hoje encontra-se a Drogaria São Paulo. Logo se mudou para a casa da avó na
avenida Francisco Salles. A casa ficava em frente ao terminal de Linhas
Urbanas. Onde o rio ainda corria a céu aberto. “Poços era completamente
diferente da que conhecemos hoje. A cidade era tranquila, não passava de 20 mil
habitantes”, comenta Gaspar.
Os estudos quando criança foram
iniciados na Escola 7 de Setembro, que na época também se localizava na rua
Assis Figueiredo. Mudou-se para o Colégio Marista, hoje o colégio Municipal,
onde ficou até mudar-se para São Paulo, onde encerrou os estudos do curso
científico, o segundo grau atual.
Aos 16 anos foi para São Paulo
fazer o terceiro colegial e também iniciar os estudos no Colégio Jesuíta São
Luis, onde também fez o cursinho preparatório para a Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP) do Largo São Francisco. Aos 17 já havia
iniciado o curso e se dividia entre São Paulo e Poços. “Quando cheguei à cidade
de São Paulo estava sendo comemorado seu quarto centenário”, lembra.
Como chegou em São Paulo muito
novo cada experiência vivida na cidade foi uma surpresa, Gaspar pode acompanhar
de perto a evolução da cidade grande, que contrastava com a vida pacata da
pequena Poços.
Sua adolescência na cidade foi
lembrada pelos grandes bailes e passeios na Praça Pedro Sanches. “Minha turma
era muito unida e nas férias nos reuníamos nas praças”, diz Gaspar. Alguns
lugares que o professor também se recorda e que gostava de frequentar era os
‘Castelões’, um restaurante da Praça Pedro Sanches que era muito frequentado
pelos jovens da cidade. E o ‘Bar ao Ponto’ que era outro ponto de encontro.
Sobre os bailes, Gaspar ainda
comenta sobre a beleza da Boate do Palace Cassino, que foi recentemente
reformada, e a convivência com os turistas. “Nas temporadas, o conjunto de
música ‘Fronteira e seu Conjunto’ embalavam os bailes. A boate era umas das
mais belas do país”, exalta.
As missas aos domingos também
fazia parte da rotina do professor, que também tinha o esporte como rotina.
“Assistir aos jogos da Caldense no estádio Cristiano Osório era outra diversão
dos nossos finais de semana”, completa ele.
Em São Paulo, dividia-se entre
os estudos e as experiências em escritórios de advocacia. Na faculdade mais
importante do país, pode participar ativamente dos principais acontecimentos da
história do Brasil. “O Centro Acadêmico 11 de Agosto era responsável pelos
grandes momentos do país, a política era latente dentro da faculdade”, lembra
ele.
Além de possuir a maior
biblioteca jurídica do país, a faculdade também trazia a Academia de Letras do
Largo São Francisco, cujo o presidente era um aluno da faculdade, Dalmo de
Abreu Dallare, grande professor e autor de vários livros jurídicos.
O Largo São Francisco foi a
primeira escola de Direito do País, em 1827,juntamente com a de Olinda. Então
Gaspar iniciou os estudos em uma instituição que carregava uma tradição que
continua até hoje. “Nunca pensei que fosse estudar numa escola como aquela, até
então eu não tinha noção do lugar que eu acabara de entrar e da importância
daquela faculdade”, confessa Gaspar.
Conseguindo ingressar na
faculdade pode conviver com professores renomados. Miguel Reale, Gofredo Silva
Telles, Cezarino Junior, Gabriel Rezende
Filho, Taliba Nogueira, Almeida Junior, são alguns dos professores que Gaspar
pode conviver no curso. “Muitas vezes não tínhamos noção das pessoas que eram
os nossos professores”, pontua Gaspar.
A respeito dessa noção, Gaspar
comenta que o distanciamento dos professores diante dos alunos, fazia parte da
tradição. “Alguns subiam a cátedra, faziam seu discurso de 45 minutos e
encerravam a aula”, explica Gaspar que também se tornou professor.
O professor
Depois da conclusão do curso,
Gaspar volta à Poços e abre seu escritório de advocacia. “Com todas as
dificuldades de quem deixa um curso de direito excelente, mas que era
aprofundado na teoria e não na prática”, comenta o advogado sobre o início da
carreira.
Logo nesse início o advogado
recebe um convite do Monsenhor Trajano Barroco para dar aula no Pio XII, um
pouco inseguro com a proposta, já que não havia dado aulas antes, e depois da
insistência do Monsenhor, Gaspar passa a dar aulas de português no curso de
contabilidade.
Na primeira semana pensou em
desistir e só advogar, mas isso não aconteceu, tanto que completa 52 anos no
papel de professor, atualmente, na PUC. No colégio Pio XII ficou por mais de 30
anos.
Posteriormente, começou a
lecionar na Faculdade de Filosofia, mais uma iniciativa do Monsenhor Trajano,
dando aulas de português e noções de Direito Público e Privado. Sendo o início
da Autarquia Municipal de Ensino, com a faculdade de filosofia, ciências
administrativas, engenharia e contábeis. A autarquia foi implantada onde hoje
fica o Espaço Cultural da Urca.
Com a vinda da PUC, há 20 anos,
a faculdade que foi criada pelo Monsenhor Trajano foi assumida pela
universidade. “Como eu já dava aulas nessas faculdades e nas escolas da cidade,
continuei na autarquia que foi transformada na universidade”, pontua.
Para Gaspar o professor tem que impor respeito
e ter o dom de transmitir a matéria. “Comecei dando aulas de português,
passando por direito humanos, público e me fixei no direito constitucional.
Hoje dou a Teoria da Constituição, que a base do Direito Constitucional. Hoje
ainda dou português prático como aulas extra- curriculares na universidade”.
A carreira de advogado continua
paralelamente. E mais uma vocação aparece quando é convidado para trabalhar na
prefeitura. “Fiquei 20 anos na prefeitura”, ressalta ele.
O primeiro cargo foi como
secretário da prefeitura com o prefeito Haroldo de Onofre Junqueira. Dentro
todas essas experiências, Gaspar escreveu o livro Síntese da História
Administrativa de Poços, contando toda a experiência que passou nesses cargos.
Sendo secretário de Administração do Prefeito Ronaldo Junqueira, e do Prefeito
Sebastião Pinheiro Chagas. A última secretaria que trabalhou foi a da última
gestão do Prefeito Sebastião Navarro.
Quando comecei na prefeitura o
prefeito Haroldo era um excelente engenheiro e foi candidato único no período
pré- revolucionário. Depois se iniciou a
época dos prefeitos nomeados pelo governador de Minas Gerais. “Os prefeitos
trabalhavam e se dedicavam muito ao ofício. E ainda não havia eleições”, conta.
O prefeito Horoldo também desenvolveu o
primeiro plano integrado do município, o Plano Diretor, que foi seguido em
termos. Durante a administração do
prefeito Ronaldo Junqueira a cidade comemorou seu primeiro centenário.
No segundo mandado de Ronaldo
Junqueira houve um grande concerto da Sinfônica de Minas Gerais e foi
inaugurado o salão Bruno Felisberti na Urca. Também neste mandado, o chafariz
Eduardo Paiva, em frente a Câmara Municipal, foi inaugurado. E é neste período
que é implantado o conjunto habitacional Dr. Pedro Affonso Junqueira. O Senai
também foi uma realização do governo de Ronaldo Junqueira.
Passou por cargos como
secretário de governo, secretário de Esportes, secretário de Administração e
secretário de Educação. Mas nunca quis se candidatar a nenhum cargo público.
Conciliando a advocacia, a
profissão como professor e o cargo na prefeitura, Gaspar inicia em 1964 uma
participação na rádio Difusora, mais uma vez a convite de Monsenhor Trajano.
“Todos os dias eu lia crônicas sobre a cidade”, fala o cronista e poeta que
também era advogado da rádio. Hoje continua colaborando para a rádio
completando 52 anos de participação.
A história da cidade sempre foi
parte importante para Gaspar que passou a ser grande conhecedor. Mostrando os
livros que escreveu, o professor fala da paixão pela escrita. “ Ao longo de
todos as atividades que fiz, nunca deixei de escrever e colocava no papel o que
eu vivia”, enaltece ele.
Publicou o livro de poemas
‘Ainda o Luar’, o livro sobre Poços ‘Síntese da História Administrativa de
Poços de Caldas’, outro livro de poemas ‘Fluxo- Refluxo’, um livro de verso e
prosa ‘Ecos do Cotidiano’ e um resumo de Direito Constitucional, matéria que
leciona na PUC.
Participou de associações como
Lyons Club, Sociedade São Vicente de Paula, foi orador da Associação Sul
Mineira de Imprensa e da Academia Poços- caldense de Letras e vice- presidente
da 25º Subseção da OAB.
Casado há 52 anos, conheceu sua
esposa nos famosos bailes da cidade. A esposa de Muzambinho- MG mudou-se para
Poços, formando a família de quatro filhos e oito netos. Ainda como professor,
se dedica a contar a história do Brasil e de Poços, que vivenciou e ainda
vivencia.
Ronaldo Silva
Ronaldo Silva herdou umas
das mais tradicionais selarias da cidade de Poços. A Selaria Silva que depois,
já nas mãos de Ronaldo, se tornaria referência em loja de presentes e
brinquedos e acompanharia rapidamente as novidades do mercado.
A história de Ronaldo Silva acompanha a de seu
pai, Francisco Silva, o Chiquinho Seleiro. Famoso pela sua habilidade em fazer
selas, Chiquinho, conseguiu se consagrar no mercado fazendo selas, arreios, e
confeccionando estofados e capas de charretes.
O primeiro local onde a Selaria Silva foi
instalada foi na rua Assis Figueiredo, em outubro de 1925, onde hoje
encontra-se o restaurante Cantina do Araújo. “Meu pai ficou uns bons anos nesse
endereço, atrás da selaria era também a primeira funerária da cidade, do meu
tio Caé”, lembra o comerciante Ronaldo Silva.
Ronaldo Silva nasce em janeiro de 1930, aos 15
anos começou a ajudar o pai na selaria. “Eu ajudava meu pai em tudo, no início
eu fazia uns porta- jóias, pequenos baús de couro, que eram vendidos na loja”,
diz Ronaldo.
Além de fabricar as celas e arreios, Chiquinho
também dava manutenção nesses materiais. “O pessoal de toda a região gostava do
serviço do meu pai, ele era muito caprichoso e tinha uma freguesia muito boa”,
lembra Ronaldo.
Um dos pontos fortes da loja era o Natal. Para
promover ainda mais essa época a loja Selaria Silva sempre fazia alguma
atividade especial. “No início meu pai trazia o Papai Noel de trem, ele chegava
á antiga estação ferroviária- Fepasa e toda a cidade esperava pela vinda dele”,
diz Ronaldo. Mais tarde a vinda de trem seria proibida pelo receio de que
alguém se machucasse nos trilhos, já que a multidão era grande.
Com a proibição, a loja começou a trazer o Papai
Noel de bondinho até a sacada do Palace Hotel, onde a população o aguardava.
“Era um dos maiores acontecimentos da cidade na época do Natal, toda a cidade
participava disso”, conta ele..
Mais tarde a chegada do Papai Noel seria proibida
de vez. “Mesmo mudando o local, a chegada dava muita confusão, os meninos
começaram a subir nos carros para ver o Papai- Noel”, diz.
Vicentino, Francisco Silva ensinou ao filho
Ronaldo Silva o dever da caridade, a retribuir o que eles tinham conseguido ao
longo da vida. Por isso, tanto Francisco, quanto Ronaldo sempre ajudaram a quem
precisava. “Cresci vendo o meu pai sempre ajudar os amigos do comércio, os
asilos e quem precisava da sua ajuda. Aos domingos, ele sempre levava a família
para andar nas charretes, ele dizia que precisávamos ajudar aqueles que nos
davam serviço também”, conta.
Ronaldo Silva foi criado pela bisavó, os pais de
Franscisco Silva morreram eletrocutados. “Era comum ter picos de luz que você
levava de um cômodo para outro, num dia de chuva, o meu avô ficou preso a esse
ponto e a mulher foi tentar salvá-lo”, conta Ronaldo, a avó estava grávida.
Desde então a bisavó, conhecida como Vó Chiquinha, assumiu a família.
Ronaldo morou muitos anos com a irmã do pai no
sobrado da rua Assis, onde embaixo funcionava a Selaria.Ronaldo estudou no
colégio Marista, a atual Escola Municipal, mas preferiu trabalhar a continuar
os estudos.
Na loja,
as selas eram costuradas a mão e alguns acabamentos eram feitos a máquina,
Francisco tinha alguns empregados que lhe ajudavam. O couro era comprado em São
Paulo.
Chiquinho Seleiro morreu aos 78 anos deixando a
loja para os filhos. Ronaldo Silva é filho do primeiro casamento, depois o pai
se casou novamente e teve mais quatro filhas Cleusa, Adelina, Yolanda e Adélia.
A Selaria Silva ainda fabricou muitas selas no
decorrer dos anos até iniciar a venda de calçados e brinquedos Estrela, a
grande novidade da época. Nas mãos de Ronaldo Silva, após 17 anos vendendo
calçados, a loja se consagraria como loja de presentes.
Ronaldo
lembra como era feito a contabilidade da loja comercial naquela época. “O caixa
da loja tinha que ser feito todo de cabeça, e depois chegou a maquina de
manivela. A máquina fazia as quatro operações, era um carnê que se destacava
duas vias, uma do cliente e uma da loja, assim era feito o controle”, conta
ele.
O casamento
Ronaldo
Silva e Santina Togni se conheceram ainda pequenos na escola da Dona Zebina.
“Nós estudamos juntos quando crianças, e depois nos reencontramos quando
tínhamos 18 anos”, conta Ronaldo. E o encontro aconteceu na famosa avenida
central, onde todos se divertiam aos finais de semana.
“A avenida
que freqüentávamos ficava em frente à praça Pedro Sanches, ali os homens
formavam uma fila e as moças passeavam de um lado para o outro”, diz Ronaldo.
Ele se lembra que as pessoas negras não podiam freqüentar essa avenida e só
podiam ficar nos jardins. “O preconceito era muito grande”, diz ele.
Em 1950
Ronaldo e Santina se casam e a festa é realizada no barracão da loja. “Minha
madrasta foi quem fez todos os bolos, não me lembro ao certo quantos eram, mais
eram mais de 6, uns de 4 andares. A dona Inácia Junqueira foi quem fez a
decoração da festa”, lembra Ronaldo. Mais de 600 pessoas foram convidadas.
Ronaldo
lembra que o pai, Chiquinho Seleiro era muito festeiro. “Sempre aconteciam
bailes na casa do meu pai, minha irmã Delina, tocava sanfona, todas dançavam,
era muito bom”, diz Ronaldo.
Os partos
eram todos feitos em casa. “Meus quatro filhos nasceram em casa, as parteiras
faziam tudo em casa. No nascimento da minha última filha, foi uma parteira nova
que não admitia que homens ficassem no quarto”, conta Ronaldo, que depois
precisou ajudar a parteira a realizar o parto da filha caçula, como tinha feito
nos partos dos três primeiros filhos.
O comerciante ainda lembrou que atrás da loja,
havia o bar do tio José Correa. “Ele promovia lutas de boxe no bar e as pessoas
iam assistir, eu nunca assisti”, fala Ronaldo.
A Selaria
Silva foi fechada em 2003, mas o prédio ainda é preservado pela família.
As viagens
As viagens
de trem aconteciam todo dia 1 de maio, dia do trabalhador, havia um passeio
tradicional na cidade. “Todos pegavam o trem para ir até Águas da Prata, onde
acontecia um piquenique, era muito gostoso, passávamos o dia lá”, conta a filha
de Ronaldo, Fátima Silva.
O pai de
Ronaldo Silva, Chiquinho Seleiro sempre pegava o trem, um dos únicos meios de
transporte da época, para visitar parentes nas cidades vizinhas.
Além das
viagens de trem por perto de Poços, Ronaldo sempre acompanhava o pai as viagens
a Aparecida - SP, que aconteciam uma vez ao ano. “Meu pai era devoto de Nossa
Senhora Aparecida e por isso todos os anos viajávamos até a cidade”, conta o
comerciante.
Por muitos
anos, os famosos viajantes levavam as mercadorias até a loja. Depois de alguns
anos, Ronaldo começaria a fazer as viagens a São Paulo para comprar as
mercadorias . Nessas viagens, como as compras eram feitas diretamente nas
fábricas, Ronaldo pode conhecer várias delas. “Eu visitava muito a fábrica do
João Faber, a Faber Castell, a Estrela, a fábrica de fornos Layr e das
porcelanas Schimidt”, lembra Ronaldo.
Das
mercadorias que a loja receberia as primeiras bonecas que falavam seria a
grande sensação, os caminhões de madeira também eram muito vendidos. “O
sapatão, aquelas botinas de roça saiam muito, e Havaianas, eram usadas somente
para banho ou para ficar em casa. As alpargatas, que voltaram recentemente,
também vendiam muito”, diz Ronaldo.
A cidade
Depois de
alguns anos vivendo na rua Ceará, Ronaldo se mudaria para a rua Piauí e veria
de perto a construção da Santa Casa. “No início dos anos 60 a Santa Casa era
construída, era perto da minha casa e eu me lembro do prédio sendo construído”,
relembra Ronaldo.
Ronaldo
também lembra da primeira televisão que teve em casa. “Antes só víamos TVs em
São Paulo, e o rádio era o maior companheiro de todos, sentávamos na sala para
escutá-lo, depois chegaria a TV em preto e branco, e também nos reuniríamos em
volta dela”, diz ele.
Quando solteiro, Ronaldo lembra dos cassinos que tinham grandes atrações e
bailes.O Palace Cassino era utilizado para carnavais, bailes de máscara e
eventos da cidade.
Ronaldo
conta dos grandes teatros da época. “O Politeama era o único teatro de Poços e
eu vi meu primeiro filme lá”, conta Ronaldo Silva. O teatro Politeama ficava na
rua Francisco Salles, ao lado do atual prédio da prefeitura e sua estrutura
assemelhava-se ao atual projeto arquitetônico do teatro de Manaus- AM.
Além do teatro, Ronaldo também fala da
construção da Basílica Nossa Senhora da Saúde, a Matriz, que teve a colaboração
de toda a cidade. “Minha bisavó juntava seu dinheiro e sempre dava uma quantia
para ajudar na construção do prédio da igreja”, lembra ele.
Aos 87 anos
Ronaldo Silva ainda é lembrado nas ruas pelos quase 60 anos de trabalho na
Selaria Silva, conserva o dom caridoso do pai e continua a ajudar a quem
precisa.
Poços-caldense, Eulei Gomes
Negrão se apoiou no esporte para enfrentar a realidade de crescer sem os pais.
Representou a cidade em muitas competições como atleta, teve alguns empregos
até se encontrar na profissão de catador de material reciclável, através da
profissão, conquistou amigos e ensinou a população sobre a reciclagem.
Ao se lembrar da infância,
Eulei fala do pai José Gomes Negrão, empreiteiro, que possuía várias casas de
aluguel. “Morávamos no bairro Cascatinha, éramos três filhos e me lembro do meu
pai trabalhar muito”, completa falando da rua do Zé Agachado, hoje é denominada
José Piffer.
Eulei comenta sobre a profissão
do pai que tinha grande fama na cidade. “Ele construiu a matriz Nossa Senhora
da Saúde no início de 1950, foi ele quem colocou a cruz da igreja, mas o
acabamento ainda não tinha sido feito”, explica ele.
Mas o que mais o marcou a
infância do catador foi uma tragédia familiar. A mãe de Eulei e seu amante
planejaram o assassinato do pai Zé Negrão, o Zeca, para que pudessem ficar com
as casas de aluguel que a família possuía. Em dezembro de 1950, com 10 anos de
idade, Eulei perde o pai. A própria mãe e o amante matam o pai de Eulei a
machadadas. Nesse momento ele e os irmãos vão morar com a avó paterna e nessa
confusão ficam sem as propriedades do pai. “Minha avó também não tinha
condições, a partir disso precisávamos nos virar para ajudá-la”, confessa.
No dia do assassinato, Eulei
lembra que o pai havia passado na padaria e comprado coisas que eles gostavam.
A tragédia aconteceu no início da madrugada e pela manhã ainda viu as roscas e
quitutes da padaria. O amante da mãe atingiu o pai com 21 facadas. A tragédia desestruturou toda a família,
órfãos de pai e com a mãe na cadeia, os meninos precisaram seguir em frente.
A mãe foi presa na cadeia da cidade
que ficava na rua Pernambuco, ameaçada pela população, a mãe foi transferida
para a cidade mineira de Muzambinho. Depois do fato, o avô materno muda-se para
o estado do Paraná, para onde a mãe foi
quando saiu da cadeia. Anos depois, a mãe voltou para Poços e Eulei ainda
cuidou dela, a mãe morreu aos 93 anos no ano de 2016.
Antes da morte do pai, Eulei
estudava na escola Sociedade Italiana que ficava no alto da rua Assis
Figueiredo, perto do cruzamento com a rua Expedicionários, como o ensino era
somente o primário, depois dos 10 anos, Eulei foi transferido para o colégio
David Campista, onde terminou os estudos.
Aos 14 anos, Eulei começa a
trabalhar como engraxate. “Lembro de uma frase do Pelé dizendo que poderia ser
um simples engraxate que abraçaria a profissão e faria o seu melhor. Isso me
marcou e fiz o melhor na minha profissão”, reforça o fã do jogador.
Aos 18 anos Eulei também
trabalhava nas temporadas do Hotel Quisisana como garçom. “Esse hotel foi o pai
da pobreza de Poços”, pontua ele. Além disso, trabalhou também como pintor.
Nesses trabalhos, surgiu também a profissão de pescador nos rios que cortavam a
cidade. “Esses rios da cidade eram limpos, pescávamos e vendíamos no
restaurante Castelões. O rio era mais fundo, pegávamos cascudo. Em tempos de
chuvas caçávamos rãs e vendíamos também”, enaltece.
O esporte
Desde pequeno o aposentado gostava de jogar bola. Aos 15 anos
começa a jogar pela Caldense. Até os 20 anos Eulei dividia-se entre o trabalho
no hotel e o futebol, mas é nesse período que descobre a corrida. Até os 25
anos participou de várias corridas na cidade e acumulou vitórias, era conhecido
pelos jornalistas esportivos.
Dos tempos de corrida seu Eulei se recorda do famoso repórter da
rádio Cultura, Francisco Antônio, o Chico Formoso, que hoje é advogado. Eulei
ainda fala da localização da rádio Cultura, o prédio ficava quase na esquina da
rua Junqueiras com a rua Assis Figueiredo.
O percurso da corrida iniciava-se na rádio Cultura, subia a rua Assis em direção a Casa Carneiro, onde
antigamente, encontrava-se o Mercado Municipal e seguia até a Prefeitura
chegando ao prédio Bauxita. Esse percurso era feito cinco vezes pelos atletas e
Eulei foi considerado o melhor da época. “O Chico Formoso me anunciava na rádio
como o melhor corredor de Poços, eu ganhava todas as corridas que havia na
cidade”, orgulha-se o então corredor.
Correndo profissionalmente e contratado pela Associação Atlética
Caldense, o então corredor lembra-se de um médico muito importante em sua
carreira. Doutor Antônio Megali, presidente e médico da Caldense. “Ele foi um
pai para mim e consegui corridas em Belo Horizonte, na cidade e estado de São
Paulo”, relembra ele sobre as vitórias que teve pelo clube. Em Ribeirão Preto-
SP, Eulei batia os recordes da corrida.
Já em São Paulo, na São Silvestre, Eulei ficou na 151o
posição concorrendo com três mil atletas. “Naquela época só participava os
atletas mesmos, e eu sai no último pelotão, mas enjoei de passar gente. No
próximo ano, quando eu saíria no primeiro pelotão, não consegui verba para
participar”, lamenta ele.
Eulei ainda reforça que não era o melhor, mas o mais preparado,
porque levava a sério o esporte. Em razão da dedicação, em 1965, Eulei é
contrato para correr pelo Atlético Mineiro e muda-se para Belo Horizonte. Na capital
mineira fica por três anos e em 1968 retorna para Poços para se casar.
“Devo tudo o que eu sou ao esporte, foi onde aprendi a viver, por
não ter meus pais, aprendi a conviver com as pessoas e viajar. O esporte
ensinava que quem quisesse seguir carreira deveria ter uma vida regrada, sem
bebida, sem fumar, sem dormir tarde e precisava se alimentar bem”, declara.
Se dedicou a corrida até os 28 anos. Como namorava, Eulei retornou
a cidade para se casar em 22 de junho de 1968. Depois de casado, começou a
trabalhar na Casa Carneiro na parte de manutenção e pintura, no estabelecimento
comercial trabalharia até a sua aposentadoria.
A reciclagem
Após a aposentadoria, Eulei se arrepende de parar de trabalhar e
tenta se recolocar no mercado novamente. Depois de muitas tentativas, aos 50
anos, encontra dificuldade em ser aceito pelo mercado. Diante da dificuldade,
Eulei lembra-se de uma antiga conversa com o ex- patrão, Hélio Carneiro.
“Hélio foi outra pai para mim, quando eu ainda trabalhava na Casa
Carneiro, ele comentou que tinha vontade de trabalhar com a reciclagem, que o
nosso lixo era muito rico. Depois das tentativas de emprego, eu me lembrei
disso e decidi que iria trabalhar com a reciclagem”, exalta o catador.
No início, o aposentado trabalhava com uma bicicleta e um pequeno
carrinho. “Eu comecei e gostei, porque eu recolhia o material, levava para a
pesagem e já recebia, isso me motivou a trabalhar cada vez mais”, conta o
catador. Depois, esse pequeno carrinho não foi mais suficiente.
Diante disso, Eulei fica sabendo de uma pessoa que queria vender
um carrinho de suporte para barcos, e tenta negociar, mas um amigo o faria uma
surpresa. Ivo da Translar seria mais um pai encontrado no caminho do catador.
“O Ivo me falou sobre o carrinho e me levou para ver, alguns dias depois, ele
disse que o moço tinha dado o carrinho, mas acredito que ele, Ivo, que comprou
e me deu”, brinca ele. Depois de algumas adaptações o carrinho estaria pronto
para receber mais material reciclável.
O percurso permanece o mesmo desde quando o catador começou o
trabalho. Como mora na Vila Cruz, Eulei parte do bairro pela Avenida João
Pinheiro, hoje já tem os amigos comerciantes que o aguardam. “Esse caminho é
abençoado e muito rico”, coincidência ou não, o catador faz quase o mesmo percurso
que fazia em suas corridas pela cidade. Passa pela rua Rio Grande do Sul,
Francisco Salles, pela Prefeitura e volta novamente pela avenida João Pinheiro
para o bairro onde mora.
Eulei comenta das dificuldades encontradas no começo da carreira
quando as pessoas não gostavam de ver outras pessoas mexendo no lixo. “Com
muita educação, que aprendi com o esporte, eu consegui convencer as pessoas que
aquilo era o meu trabalho e que faria da melhor maneira possível”, explica o
catador.
“Sou apaixonado por esse trabalho, isso faz parte da minha saúde,
percorro 20 km por dia, faz parte das minhas amizades e consegui sustentar a
minha família”, conta ele sobre a paixão pela profissão e relembra a fala do
jogador Pelé não sai de sua cabeça.
Há 10 anos Eulei ajudou a fundar uma cooperativa de reciclagem, a
Ação Reciclar. Mesmo com o carrinho adaptado, seu Eulei não consegue recolher
todo o material e assim direciona para outras pessoas e para a cooperativa que
ajudou a fundar, onde trabalhou por dois
anos, mas depois preferiu voltar às ruas.
Atualmente o catador faz parte da Associação Recriando, associação
de catadores de materiais recicláveis de Poços de Caldas e depois de 10 anos
eles têm esperança de ter a profissão reconhecida.
O catador fala que se soubesse do sucesso que teria na profissão
teria começado antes quando era mais novo e tinha mais saúde. Hoje ele comemora os muitos amigos feitos
durante esses quase 30 anos trabalhados nas ruas de Poços. “Quanto mais se
vive, mais se aprende e morremos sem saber nada”, filosofa o catador.
A amiga Fiel, cachorrinha que o acompanha no trabalho diário,
chegou na vida de Eulei há 12 anos, ele a encontrou nas ruas do bairro onde
mora. “Um dia passei na padaria e comprei um pão com mortadela, no caminho
encontrei essa cachorrinha e dei um pedaço para ela, depois disso ela não saiu
mais de perto de mim”, brinca.
Depois de procurar pelo bairro, o catador descobriu que a
Pretinha, como ele também a chama, havia sido abandonada pelos antigos donos
que tinham mudado da casa onde moravam. Com alguns meses, a cachorrinha foi
adotada por Eulei e a partir desse momento começou a acompanhá-lo no seu
trabalho. “Como ela está mais velhinha ela não consegue me acompanhar em todo o
trajeto, então eu fiz um suporte para que ela pudesse ir deitada”, explica.
A cachorrinha chamada por Pretinha pelo catador ganhou outros
nomes pelos amigos que encontrou no caminho. “Muitos chamam ela por Poderosa,
Fiel é por conta da torcida do
Corinthians e depois acabou tendo outro significado porque ela sempre está perto
de mim”, confessa.
Casado e pai de um casal, ajuda a esposa adoentada, com um
bisneto, aos 77 anos quase completados, não pensa mais em aposentadoria. Faz
seu trabalho com amor, em suas palavras só agradece a população da cidade e os
caminhos que o esporte o levaram a traçar.
Júlio
Cesar Amorim - Brigadeiro
O entrevistado dessa semana já é considerado patrimônio da cidade.
Há mais de 20 anos na cidade, fez do seu trabalho um símbolo de Poços. Com o
casamento com a esposa Ana Cristina Pires juntou o dom da cozinheira com o dom
das vendas e juntos construíram a família. Júlio Cesar Amorim, mais conhecido
como o Brigadeiro, percorre as ruas centrais da cidade anunciando seu produto e
nos conta como foi sua história construída através dos doces.
Nasceu em Três Corações- MG, Poços foi a oitava cidade em que o
vendedor se estabeleceu. Passando pelas cidades mineiras de Itajubá, Uberaba,
Três Pontas, Varginha e a cidade do interior de São Paulo- Franca. Em 1995
muda-se definitivamente para Poços de Caldas, por intermédio da irmã, que já
tinha se mudado para a cidade do sul de Minas. Júlio César consegue um emprego
de vigilante. Casou-se aos 19 com a esposa Ana Cristina Pires que tinha 17.
Com o início do novo emprego traz a esposa e a filha. A ideia da
venda dos doces começou na cidade de Franca, interior do estado de São Paulo, a
esposa propôs que o marido vendesse o que ela produzisse. “Ana Cristina viu uma
senhora que também vendia doces e percebeu que também poderíamos viver daquelas
vendas, eu estava desempregado e com 23 anos”, explica o vendedor.
Os doces sempre foram produzidos pela esposa, e mesmo com o
trabalho de vigilante em Poços, Brigadeiro continuou a vendê-los. “Eu
trabalhava das seis da tarde as seis da manhã, pela manhã chegava em casa e
descansava, por volta do meio dia eu saia para vender os doces até o horário
de entrar no emprego novamente”,
específica Brigadeiro.
Com os bons resultados da venda dos doces, Júlio Cesar continua no
trabalho de vigilante por mais seis meses. “O salário de vigilante começou a
defasar e eu comecei a ganhar mais com os doces do que com o trabalho com
carteira assinada”, diz o vendedor que começaria sua dedicação total as vendas.
O início das vendas foi de maneira simples, a coragem e a
necessidade incentivaram Júlio César a continuar. “No começo eu levava os doces
em uma forma de alumínio e cobria com um pano de prato, assim eu saí pelas ruas
vendendo meu produto”, conta ele.
A qualidade dos doces e o carisma de Júlio César formaram o
casamento perfeito. Percorrendo as ruas centrais de Poços ele chamava atenção
dos clientes ao gritar as ofertas de brigadeiros e beijinhos, e por isso, ficou
conhecido como Brigadeiro.
O sucesso é conquistado do trabalho de segunda a segunda. Feriado
e datas comemorativas são dias em que o vendedor trabalha mais. “Quando comecei
a me dedicar exclusivamente às vendas, às 7 horas estava nas ruas e voltava
para casa só depois das 22 horas”, relata o vendedor.
Hoje toda a produção feita pela esposa é vendida no dia. O que
antes sobrava, hoje é procurado. O aperfeiçoamento do armazenamento dos doces
foi uma secada que alavancou as vendas. “Os doces são vendidos em potinhos
pequenos ou maiores, fechados, contribuindo para a conservação e higiene dos
doces”, explica Brigadeiro.
Depois de 18 anos morando de aluguel, Brigadeiro comemora a
conquista da casa própria. “Morei em muitos lugares na cidade, hoje tenho minha
casa, meu carro, criei meus filhos e ajudo com os netos”, enaltece.
Com os doces criou os dois filhos que estudaram e hoje estão
empregados, como ele e a esposa sempre deram conta do trabalho, nunca
precisaram da ajuda dos filhos e puderam proporcionar o que não tiveram a eles.
“Meus filhos têm empregos bons e formam suas famílias, minha filha já tem um
casal de filhos e meu filho namora”, conta orgulhoso.
Ao lado da neta que o auxilia nas respostas e com o neto mais novo
no colo, Júlio César fala da alegria de ser um avô jovem. “Eu e minha esposa
fomos avós muito cedo, tenho 46 anos e uma neta de 10 anos, mas gosto, assim
posso curtir mais as crianças”, fala ele.
Além do trabalho nas ruas centrais de Poços, há mais ou menos três
anos, Brigadeiro comenta que chegou a vender os doces também na estrada, quando
houve grandes obras nas estradas perto de Poços. “Eu fui de carona para esses
trechos que ficavam paralisados por causa das obras, percorri mais de 20
cidades”, relata.
Pra enfrentar o sol e a chuva Brigadeiro também é conhecido por
usar o guarda-chuva, instrumento necessário nos dias muito quentes ou chuvosos.
As férias, como funcionário autônomo, não existem. “As contas não param, então
não posso parar também”, desabafa.
A rotina da esposa Ana Cristina também é puxada, produção é
diária, cerca de cem doces são feitos e vendidos por dia. Brigadeiro, beijinho,
casadinho e moranguinho são os doces tradicionais vendidos por eles. Além das vendas,
eles também fazem encomendas para festas. O talento na cozinha da esposa levou
Brigadeiro a vender também salgados e outros doces como curau, bananada e arroz
doce.
A última empreitada da família foi a venda de pizzas, mais uma
vez, com a habilidade da esposa, as massas eram todas caseiras e com o carisma
de Brigadeiro eram divulgadas. Mostrando o forno de assar as pizzas, ele fala
como as vendas foram surpreendentes. “Em menos de três meses vendemos mais de
600 pizzas, a ideia era vender somente nas proximidades do bairro onde moro,
mas de repente estávamos recebendo ligações de bairros do outro lado da
cidade”, brinca ele.
Com a crise e o aumento do preço dos ingredientes a produção
precisou ser parada. Em 1997, Brigadeiro
chegou a ter seu próprio comércio no bairro São Jorge. O Restaurante e bar do
Brigadeiro ficou famoso pela feijoada aos sábados. “Mesmo sendo um local
simples, atraia pessoas que tinham um maior poder aquisitivo”, nesse lugar o
então comerciante ficou durante um ano.
Poços
há 22 anos
Brigadeiro recorda que quando
chegou à cidade ele era o único vendedor que percorria as ruas. “Desde que eu
cheguei o número de vendedores na rua aumentou muito, alguns se inspiraram em
mim, outros não conseguiram continuar”, comenta o vendedor que permanece há 22
anos nas ruas.
Desconhecido na cidade,
Brigadeiro conta que muitos policiais desconfiavam do trabalho dele. “Como eu
era muito novo, o pessoal não acreditava que eu vivia da venda somente dos
doces, achavam que tinha alguma coisa por trás”, brinca ele. Mas com o passar
do tempo, ele conquistou a confiança dos policiais.
Essa conquista fez diferença
para Brigadeiro porque seu pai também era policial e tinha o sonho de trabalhar
e morar na cidade. “Ele ficou adoentado e morou comigo aqui em Poços, mas logo
faleceu”, lamenta o vendedor. O pai, Sebastião Antônio Amorim, trabalhou por
muitos anos na polícia e percorreu mais de 20 cidades por conta do serviço,
quando faleceu tinha mais de 28 anos de carreira. Faleceu aos 54 anos ainda na
ativa.
Júlio Cesar, o Brigadeiro,
menciona alguns nomes da polícia como o Doutor Laci e Doutor Faria, homens que
trabalharam com o pai e ingressaram em 1975, mesmo ano em que o pai também
começou como policial. “Meu pai não conseguiu trabalhar em Poços, mas viveu seus
últimos momentos na cidade e realizou o sonho de morar aqui”, emociona-se.
Júlio fala da zona azul em que
crianças da guarda-mirim trabalhavam. “Antes os menores trabalhavam com essa
responsabilidade, com essa nova administração e as novas leis, somente maiores
de 18 anos podem trabalhar na zona azul”, reforça o vendedor que tem como
clientes essas crianças, agora adultos.
Brigadeiro ainda comenta sobre
o crescimento da cidade, ele observa que quando mudou para Poços a cidade tinha
pouco mais de 100 bairros e atualmente esse número subiu para o dobro. Recorda
também de lojas antigas que ficavam no centro. “As lojas Arapuã, Casa do Boi,
os bancos Unibanco, Benge, são lembranças das minhas andanças pela cidade”,
fala ele.
Desse universo bancário
Brigadeiro se lembra de um cliente que depois ficaria muito famoso. “O Caixeiro
do Riso ainda era o Giovani funcionário do banco quando eu o conheci e já era
meu cliente, ele trabalhava no banco Mercantil de São Paulo”, conta ele
animado.
Restaurantes como o Fenícia e o
Pingão também foram lembrados. “Eu vendia muitos doces nesses lugares, os
proprietários também compravam de mim, hoje os filhos desses comerciantes são
todos empresários e meus clientes também”, menciona ele.
Onde hoje funciona a Cucina
Francesco, na rua Prefeito Chagas, Brigadeiro lembra da loja Mercadão dos
Lustres do proprietário Paulinho Miguel. “Vários comércios passaram por esse
local, inclusive um bingo que atraia muitos turistas”, lembra ele.
Dessa convivência com as
pessoas nas ruas, Brigadeiro fala do senhor Jair da empresa de ônibus
Circullare, funcionário antigo da empresa que muitas vezes chamava a sua
atenção. “Lembro muito do seu Jair, principalmente porque eu vendia meus doces
no terminal de ônibus e ele me alertava que não podia. Mas ele era meu freguês
também e muito respeitado”, explica ele.
Logo depois de um ano da sua
chegada à cidade, em 1996, Júlio César é procurado para fazer campanhas de
políticos, nesse momento, sua visibilidade na cidade era tamanha que ele se
tornou um ótimo garoto propaganda eleitoral. “Fiz campanha para o Paulo Tadeu,
Doutor Mosconi, Paulinho Courominas e Sebastião Navarro”, elenca ele e fala
sobre o abandono depois da vitória dos candidatos.
Candidatou-se duas vezes a
vereador. Em 2000 ocorreu a primeira eleição, ele teve mais de 500 votos, na de
2008, os votos foram menores. “A política é difícil, entra-se para ganhar ou
perder, a minha fama serviu para ajudar a legenda”, confessa ele.
Uma conquista de um ex-
prefeito da cidade também é exaltada por Brigadeiro. “O Paulinho Courominas foi
quem trouxe o restaurante popular para Poços, sem isso eu não poderia pagar por
uma refeição saudável e continuar meu trabalho na rua”, fala ele sobre a
dificuldade de ter esse restaurante quando Poços não tinha população suficiente
para isso.
A diversidade de clientes
também é um fator que chama a atenção de Brigadeiro. “Tenho clientes de todas
as classes sociais, pessoas importantes na cidade são meus clientes fieis,
através do meu serviço conheço todos da cidade, dos mais podres aos ricos,
todos são meus clientes”, comemora ele.
Mesmo em outras cidades
Brigadeiro é reconhecido. “Uma vez fui para a cidade de Aparecida do Norte e no
meio da multidão escutei alguém gritar – Brigadeiro!- era um morador de Poços que tinha me reconhecido
lá”, brinca o vendedor.
O clima da cidade é uma paixão
do vendedor. “Como ando o dia todo, sem um trajeto planejado, o clima mais
ameno de Poços ajuda no meu trabalho”, fala ele que lembra que nos últimos anos
viu a temperatura da cidade também aumentar e enfrentar dias de calor.
Depois de 22 anos de trabalho
na cidade a fama do vendedor é grande, conhecido por toda a população, ele
também conquistas turistas que frequentam a cidade e também de fora do país.
Aos 46 anos pai de um casal e avô de mais um casal, ele comemora suas
conquistas, mas ainda sonha em ter o próprio negócio.
O respeito e o carinho dos
moradores de Poços foram conquistados, humilde e honestamente, pelo trabalho.
“Quando a pessoa esta trabalhando Deus abençoa. Poços é uma cidade muito boa,
por isso que muitos turistas mudam para a cidade”, finaliza o vendedor que
tinha o sonho de morar na cidade do requeijão Poços de Caldas e aqui adoçou a
vida dos moradores e a sua própria.
Vilmar Garcia
O entrevistado dessa
semana sempre gostou das estradas e foi nelas que fez os seus caminhos.
Passando pelas profissões de cobrador, motorista, caminhoneiro, ajudante de
circos e parques, agente funerário e locutor, se realizou como proprietário da
Garcia Turismo, que em seu auge teve mais de 30 ônibus. Mas a vida pediu mais
tempo e por isso resolveu diminuir o ritmo de trabalho, nunca deixando suas
duas paixões, a estrada e os programas da rádio.
Nascido em Poços de Caldas em 4 de novembro de
1952, Vilmar Garcia nasceu na rua Piauí no Largo da Independência,
onde hoje localiza-se o Hospital Santa Casa. Ele tinha poucos meses quando a
família se mudou para o bairro Jardim dos Estados.
Sobre o bairro, Vilmar conta sobre uma lembrança marcante. “Me
lembro muito da casa do Doutor Sebastião Pinheiro Chagas, na rua
Comendador João Afonso Junqueira e o lar de Irmã Catarina na rua
Corumbá, uma creche que ainda existe”, recorda ele.
O caçula de sete irmãos estudou no Grupo Escolar Francisco
Escobar, que ficava no prédio onde hoje se encontra a delegacia de Poços, e na
escola Regina da Gama Salgado. Com a morte precoce do pai, começou a trabalhar
quando tinha apenas nove anos. “Minha mãe fazia salgados e eu vendia pelas ruas
da cidade”, comenta ele que conseguiu estudar até os 14 anos.
O pai era jornaleiro e trabalhou durante 48 anos nos
correios. Vilmar fala de algumas vezes que acompanhava o pai nas andanças pela
cidade. “O bairro da Vila Cruz chegava até a rua Afonso Pena, aquela pequena
rua perto da igreja evangélica Congregação do Brasil. Vila Nova era o bairro do
Charque, que hoje é o Dom Bosco, e havia o bairro São José, todos
com suas ruas de terras, moradores conhecidos e o transporte a cavalo”,
específica o empresário.
Nessa época as pessoas das fazendas ao redor frequentavam Poços e
alguns pontos eram preferidos. Era comum após os casamentos na roça o pessoal
chegar de caminhão na cidade para comemorar. “Todos iam para o bar
Alaska, na rua Assis Figueiredo, bar que por muitos anos foi
conhecido pelo seu famoso sorvete. A dona Anita, dona do local, é viva até
hoje. Foi um lugar muito importante para a cidade”, reforça Vilmar.
O Fantozzi Hotel é outro local tradicional da cidade que Vilmar
ainda frequenta. “Almocei esses dias no hotel, é um dos mais antigos da
cidade”. Outro hotel lembrado foi o Grande Hotel que era perto da
prefeitura e trazia os famosos carteados da época.
O primeiro registro em carteira foi na Empresa Circullare, onde
começou a trabalhar como cobrador aos 12 anos. “Fui registrado com a carteira
do menor e por lá fiquei por muitos anos, depois passei a trabalhar como
motorista”, completa. Aos 19 anos saiu da empresa para se aventurar nas
estradas do país, como caminhoneiro, Vilmar conta que só não conheceu a capital
do Amazonas.
“Tenho vontade e ainda vou conhecer Manaus, andei o país todo.
Pegava viagens longas de até 40 dias na estrada”, fala ele que rodou as
estradas por quatro anos. O então motorista conta que a maioria dos fretes ia
até Belém do Pará, depois disso, ele voltava. Nesse ritmo, os dois filhos são
criados pela esposa enquanto ele percorre o Brasil.
Ele lembra de um dos funcionários mais antigos da empresa, Jair
Saraiva, que trabalhou na empresa por 50 anos, e dos antigos donos que eram
três irmãos: Américo, Álvaro e Aquino Frison. A garagem ficava na rua Prefeito
Chagas onde hoje é a galeria Kyoto. “Eram apenas seis linhas que percorriam
toda a cidade e saiam ali da garagem”, completa ele.
Em 1985, trabalhando na Viação Cometa, compra seu primeiro meio
ônibus. Em sociedade com o amigo Rovilson Mucciaroni, eles começam os primeiros
passos da empresa de Turismo Garcia. Após a compra do terceiro caminhão, em
1987, a sociedade se desfaz e Vilmar continua com o negócio. “Cheguei aos 35
ônibus, fazia viagens, fretamento de fábricas e escolas. Foi nessa época que
fiquei doente e precisei diminuir o ritmo de trabalho”, confessa Vilmar.
Para chegar os 35 ônibus Vilmar conta que começou a trabalhar com
uma usina na cidade de Areado e com isso buscava cortadores de cana e
apanhadores de café no norte de Minas Gerais e Bahia, e também no Paraná. “Tudo
era financiado, não tínhamos capital de giro, eram vários carnês para pagar”,
conta Vilmar que fala da sua primeira garagem que ficava na rua Campestre, ao
lado do atual restaurante Pampa.
Atualmente é proprietário da Empala Turismo e a Garcia Turismo,
tem uma frota de 12 ônibus e trabalha somente com a prefeitura. A
empresa fica na saída para Caldas. Através de licitações, entrou pela primeira
vez no serviço com a prefeitura no governo de Sebastião Navarro. “Melhor época
para mim foi com a administração de Sebastião Navarro”, exalta ele.
Outros trabalhos e o encontro com a esposa
Em certo período Vilmar ficou desempregado e a passagem de um circo na cidade foi a oportunidade de um emprego. Aos 15 anos foi trabalhar como peão de circo, ajudava a montar, trabalhava na bilheteria e como figurante nos teatros. “Foi quando me encontrei pela primeira vez como locutor, um dia o apresentador do circo faltou e eu precisei substituí-lo, a partir desse momento, comecei a fazer as chamadas de carro também”, aponta Vilmar. Vilmar passou pelos Circos Teatros Índio Brasil, Bibi e Grande Circo Norte Africano. Depois dessas aventuras, aos 17 anos, começou a trabalhar no Parque de Diversões Universos, que também passava por Poços, e através da locução no Parque, sua voz atraiu a esposa. “Ela escutava a minha voz ao anunciar as atrações do parque e, curiosa, foi atrás de mim”, enaltece o locutor.
Outro parque que fez parte da sua trajetória foi o Parque Guarani que ficava na Festa São Benedito. Foi no estúdio ‘Cacique do Ar’ que Vilmar embalou muitos casais. “Eu era locutor da festa São Benedito e os correios elegantes eram o auge da festa, muitos casais começaram a namorar ali”, orgulha-se Vilmar.
O estúdio ‘Serviço de Alto Falante Cacique do Ar’ era de madeira e tinha como diretor o senhor Wilson Marcondes. “As pessoas me falam até hoje que se lembram de mim na festa. Vários casais me falam do início do namoro na festa, hoje estão casados e com netos”, exalta o locutor. A voz de Vilmar ficou famosa e virou símbolo da festa. “Os alto falantes da época alcançavam quase toda a cidade”, fala o locutor que trabalhou na festa por 15 anos.
Trabalhou também como guarda do banco União Comercial, que mais tarde faria parte do grupo Unibanco, na rua Rio de Janeiro, hoje o prédio abriga o HSBC. Após esses empregos a profissão como caminhoneiro começa. “Depois de alguns anos volto a trabalhar, de 1972 a 1985, como motorista de ônibus nas empresas Viação Gardênia, Santa Cruz até me aposentar na Viação Cometa”, elenca o motorista.
Além de todas essas áreas, depois do emprego de caminhoneiro, Vilmar ainda trabalha na primeira empresa funerária de Poços, Funerária Caé, na rua Minas Gerais, o qual o proprietário era filho de Gabriel Rodrigues, o primeiro proprietário de funerária da cidade que ficava no prédio onde hoje encontra-se o Restaurante Cantina do Araújo. “A primeira viagem como agente funerário foi para a cidade de Marília, o cheiro de flor era estranho no início, mas viajei para o Mato Grosso e outros estados para levar os corpos de acidentes”, conta ele.
Na época tinham três funerárias em Poços, a São Lázaro, Caé e São Luiz. Outra curiosidade era que o caixão era confeccionado também pelas pessoas que trabalhavam na funerária. Após essas experiências, Vilmar monta sua própria funerária em Pouso Alegre, chamada São Gabriel. “Por causa do perigo da estrada Fernão Dia, toda sexta-feira enchíamos os carros e já ficávamos preparados, porque ocorriam muitos acidentes no final de semana”, recorda.
De todos os acidentes que presenciou, Vilmar fala de um entre um ônibus da Transmoreira e um carro Alfa Romeo que vitimou fatalmente nove pessoas no local, desses, dois foram levados por Vilmar para o estado do Mato Grosso. “Saí às 17 horas, viajei a noite inteira com os corpos e cheguei no outro dia cedo”, conta o agente sobre a viajem exaustiva.
Outra curiosidade é que naquela época era a funerária que buscava os corpos nas estradas quando ocorria um acidente. “Em alguns acidentes chegávamos antes da polícia, ás vezes, encontrávamos os corpos em pedaços. Esse trabalho me fez valorizar a vida”, analisa.
Vilmar ainda comenta que em Poços as funerárias foram fechadas pelas brigas que a concorrência provocava. “O prefeito José Aurélio Vilela fechou as três funerárias e abriu a funerária municipal, hoje não se autoriza a abertura de funerárias particulares”, reforça ele que lembra que esse prefeito foi quem fez a Marechal Deodoro.
Além dos acidentes em estradas, Vilmar fala dos muitos afogamentos que ocorriam no Véu das Noivas e na Represa Bortolan. “Os bombeiros vieram para a cidade em 1972, antes disso, nós amarrávamos um corda na cintura e ajudávamos a procurar os corpos junto com os familiares e civis que se voluntariavam”, relembra Vilmar ainda da época de agente funerário.
Há 43 anos casado, com dois filhos e três netos teve a esposa como companheira em todas as aventuras desde as viagens com o caminhão até o apoio na empresa. Casou-se em 1972 no dia de seu aniversário, aos 20 anos.
A doença
Aos 50 anos, depois de um exame de vista rotineiro para renovação da carta de motorista, Vilmar é reprovado por não conseguir enxergar direito. Na consulta com um oftalmologista descobre um tumor na cabeça que começou a tampar a visão. “Era um tumor grande e logo tive que fazer a operação para a retirada, correu tudo bem, a recuperação foi excelente, mas tive que diminuir meu ritmo de trabalho”, explica ele.
Após 11 meses da primeira cirurgia Vilmar teve que passar por mais um procedimento para retirar alguns resíduos que tinham ficado do tumor. “Fiz novamente a cirurgia e me recuperei novamente, foi um milagre, não tenho nenhuma cicatriz ou sequela, sou um homem ressuscitado”, comemora o empresário. A fé foi o que o motivou a continuar e acreditar que tudo correria bem. “A pessoa não pode desanimar da vida e só a fé e a confiança em Deus que nos da essa força”, exalta ele.
O rádio
Em 27 de março de 1981, um anúncio em uma loja da cidade, a Casa para Todos, despertou a vontade de trabalhar em uma emissora de rádio, a vaga era para Locutor na Rádio Difusora AM. Fez o teste. Na mesma época apareceu a vaga na viação Cometa. Vilmar conciliou as duas profissões. Quando chegava de viagem fazia o programa ao vivo, quando estava viajando, deixava gravado.
O primeiro programa foi o Crepúsculo Sertanejo, das 17h às 19h. Logo depois apresentou o Silêncio da Noite, com músicas da Jovem Guarda, das 11h à meia noite. E depois das 22h a 1h ‘Tangos e Boleros dentro da noite’, nesse programa, Vilmar muitas vezes chegava de viagem e já ia direto para o estúdio da rádio.
Fazia muitas transmissões externas, como Festa Uai, 7 de Setembro e muitos carnavais em lugares como Palace Cassino, Caldense e Jovens Unidos Para um Amanhã Melhor- JUPAM, evento que acontecia no bairro Vila Cruz.
Há 36 anos na rádio Difusora- AM, passou pelas administrações do Monsenhor Trajano Barraco, Padre Romeu Miranda, deputado Milton Reis e, finalmente, o Riachinho deixando para os filhos, atuais donos. “O padre Romeu eu testemunhei, como morador do Jardim dos Estados, ele carregando as pedras para fazer a igreja São Judas”, diz o locutor sobre os padres arrojados que a cidade teve.
Atualmente Vilmar tem o programa ‘A Volta do Sucesso’, transmitido às 10 h, com músicas de Roberto Carlos, Erasmo e Jerry Adriane. “São músicas antigas que fizeram muito sucesso, e que precisam ser lembradas” , fala o apresentador que está há 16 anos com o programa.
Nesses anos aprendeu as técnicas e menciona como a locução de rádio era exigente. “Havia muitas técnicas de dicção e havia muita censura também, não podíamos brincar com qualquer coisa que levávamos advertência”, complementa ele.
Lúcia
Vera de Lima
Nossa entrevistada dessa semana
é militante da causa negra, começou sua relação com a própria raça na
adolescência e fez da arte o caminho para conhecer a si mesmo. Lúcia Vera de
Lima é a atual presidente da instituição Chico Rei e da Associação Recriando.
Estudante de pedagogia tem como foco de trabalho apresentar a cultura afro, e
agora, as preocupações com o meio ambiente, às crianças da cidade.
Nasci em Poços 20 de setembro
de 1960 no centro da cidade, na região do córrego Vai e Volta. Morou sempre
região, mudando-se para perto da rua Capitão Affonso Junqueira, onde tinha
poucas casas e característica de um centro acanhado. Depois, o pai compraria
uma casa bem perto da mina d’água do Monjolinho.
A infância e a adolescência foi passada no
bairro. “A mina não tinha estrutura que tem hoje, então brincávamos muito nela.
Era uma diversão para as crianças que moravam ali perto”, relembra Vera. O pai,
pedreiro azulejista, fazia questão da educação de qualidade para os três
filhos.
Vera também se lembra da infância
da menina negra entre a maioria branca. Mesmo sendo de uma família pobre, o pai
de Lúcia Vera fazia questão de pagar a educação dos filhos, por isso, a menina
estudou em colégios particulares. O primeiro, em 1967, foi o Colégio Adventista
onde atualmente fica a sede da Igreja Adventista, depois, passaria a estudar no
Pio XII e continuaria os estudos no colégio Jesus Maria José.
“Em todas essas escolas eu
sempre fui a única negra na sala de aula. Por isso não convivi com negros, eu
era a única negra no meio dos brancos. Como eu sempre gostei de teatro e dança,
eu me sobressaia, mas não sei, se por não entender, não sentia o preconceito”,
confessa ela.
A militante ainda fala de como
é recente a aceitação da raça. “Eu convivia com as pessoas brancas e achava que
tinha que seguir aquele padrão, como todas as meninas negras daquela época, eu
alisava o meu cabelo, uma maneira de fazer parte daquele padrão”, explica ela.
Ela ainda reforça que era tratada igual e não sentia o preconceito no ambiente
escolar.
Voltando sobre a relação com a
cidade, Lúcia lembra como era prazeroso percorrer a rua Assis Figueiredo.
“Quando recordo a minha infância, vem a imagem de nós subindo e descendo a
Assis. Também gostava de ir a Praça dos Macacos para passar a água sulfurosa no
rosto, era muito gostoso”, lembra.
No início da adolescência, o
teatro se intensificou e esse foi o caminho para conhecer mais pessoas como
ela. “No Serviço de Obras Sociais de Poços de Caldas- SOS, tínhamos aula de
teatro com uma grega, a Aída, ela era casada com um alemão e era uma pessoa
muito engraçada”, comenta a militante. Foi no SOS que Vera passou a conviver
com crianças que tinham a mesma condição econômica que ela, e nesses cursos,
ela deixava de ser a única negra da sala de aula. “Passei a conviver com a
cultura afro”, completa.
Nesse período o balé também
entra na vida da adolescente. O Conservatório Municipal oferecia aulas da
dança. “Nossa professora era italiana, mais uma vez, eu era única negra e a
professora fazia questão de que eu apresentasse temas relacionados a cultura
afro”, menciona Lúcia Vera.
Em uma das apresentações solo,
o diretor do conservatório, disse uma frase que foi marcante para Vera. “Ele
chegou nos meus pais e disse: – O ar
parou, a apresentação foi muito bonita!”, aquilo foi o primeiro orgulho da
jovem bailarina. Com essas atividades, e principalmente o balé, Lúcia Vera
conhece um dos lugares que mudaria sua relação com a própria raça.
O Chico
Rei
Depois de algumas apresentações
de dança, Vera é chamada para se apresentar na instituição Chico Rei. “Quando
cheguei ao Chico Rei descobri que existia outro mundo, além daquele que cresci,
onde eu sempre fui minoria”, fala Lúcia Vera que cresceu na instituição,
participando ativamente das atividades que aconteciam no local.
O Chico Rei foi fundado em
1964, o seu fundador Mario Benedito Costa, tinha o interesse de criar um lugar
de divertimento e confraternização para os negros, já que a maioria dos locais
era predominante para brancos e os negros, quando participavam, eram hostilizados.
Na verdade, dezoito casais foram os fundadores do local, mas Mario foi quem
encabeçou o movimento. “Os casais se juntaram e compram a sede para que o povo
negro pudesse ir, seria um ponto de encontro”, explica Lúcia.
A fundadora do SOS, Elza Monteiro,
foi madrinha do Chico Rei. Vera Lúcia conta que recentemente foram encontradas
algumas fotos da fundação do Chico Rei e dos famosos bailes que aconteciam no
Palace Cassino. “Os bailes de gala do Chico Rei eram famosos e aconteciam no
Palace. As feijoadas também eram tradicionais”, exalta a atual presidente da
entidade. Outro famoso evento acontecia todo dia 12 de maio, era o Baile da
Rainha do Chico Rei, também no Palace.
Outra lembrança boa era a boate
que acontecia todos os domingos, a Zazueira, referindo-se a uma música de Jorge
Benjor. Segundo ela, além dessa boate, a Caldense também tinha uma e no
sindicato dos metalúrgicos, existia outra. “A Zazueira era muito famosa, fico
me perguntando por que não conseguimos prosseguir com o lugar”, comenta ela.
A presidente fala da falta de
registro dos primeiros passos da instituição. “Achamos algumas fotos
recentemente, mas não temos muitos registros, isso foi perdido com o tempo”,
lamenta ela. Um livro sobre os 50 anos da entidade está escrito pela professora
Maria José de Souza, a Tita. Para que o mesmo erro não seja cometido, a
presidente tem registrado todos os acontecimentos e quer resguardar a história
do Chico Rei.
A militante ainda lamenta o
esforço que os negros precisaram fazer para serem aceitos. “Muitas vezes os
nossos lugares são paupérrimos, sempre precários. Os negros se tornavam bichos
por serem tratados sem dignidade. O empoderamento do negro ainda é muito
difícil, as pessoas sofrem muito para defender a raça e até para se aceitarem
diante de tantos preconceitos. Para mim a questão de se falar preto ou negro
não é uma dificuldade, existe sérias discussões a respeito disso, mas essa não
é a nossa maior preocupação”, afirma ela.
O balé continua na vida da
dançarina até seus 21 anos, período em que decide dar aulas de dança e resolve
parar de estudar. “Não terminei o ensino médio e comecei a dar aulas, queria
saber só de dançar, dava aulas em várias cidades da região”, conta ela. Umas
das meninas que dançavam com Vera hoje está no balé de Bolshoi e, para Lúcia Vera, a falta dos estudos atrapalhou a
carreira de bailarina.
Comentando sobre a tristeza dos
pais em vê-la parar os estudos, Lúcia Vera comenta que o próprio fundador do
Chico Rei Mario Benedito Costa, que apesar de não ter formação, era muito culto
e também a questionava, amigos também
não se conformavam, “Todos tentaram me convencer a não parar, eu poderia ter
continuado os estudos e dado as aulas de balé”, arrepende-se ela.
Aos 25 anos, Lúcia Vera perde
os pais. Ela tinha começado a trabalhar recentemente como auxiliar de
fisioterapia. “Por conta do balé eu conheci a fisioterapeuta Tereza Cristina
Alvisi, nos simpatizamos muito, ela tinha acabado de se formar e me convidou
para trabalhar na clínica dela”, conta. Após três meses de iniciado o trabalho
os pais falecem.
Como auxiliar de fisioterapia
trabalhou mais de 20 anos e aprendeu muito nessa área, chegou a trabalhar nas
Thermas Antônio Carlos na sala de mecanoterapia. Tereza também insistia para
que a auxiliar fizesse algum curso universitário, mas Vera não tinha vontade.
Ela fez cursos de massagem e massoterapia.
Após o nascimento dos filhos
decidiu parar de trabalhar e dedicou-se a criação deles. “Quando tive o segundo
filho parei com toda a militância e o trabalho. Deus preparou meu marido, nos
conhecemos quando eu tinha 31 anos e com ele consegui construir a minha
família”, fala.
Depois de muitos anos Vera
reencontra Rui, o filho de Mario Benedito, o fundador do Chico Rei, que a
convida a voltar à instituição. “Rui estava presidente e me chamou a voltar ao
Chico Rei, meus filhos já estavam grandes e eu voltei, quando já estava
fechado”. O Chico Rei passa por várias fases que a presidente não chega a
participar até fechar as portas.
Lúcia Vera participou do Chico Rei por muitos
anos, mas ficou outros tantos afastada. Quando voltou, em 2000, assumiu a
presidência. “A instituição estava abandonada, o local também e fomos retomando
as atividades aos poucos”, reforça ela.
Em 2000 Lúcia Vera volta a
fazer parte da diretoria, que sempre participou na adolescência, para retomar o
trabalho do Chico Rei. Começa um projeto com adolescentes que o oferece aulas
de capoeira e palestras. Depois desse abandono, o prédio precisou ser reformado
para receber os adolescentes. “O imóvel é antiguíssimo, só de Chico Rei são 53
anos, antes era uma churrascaria”, fala Vera do imóvel que fica localizado ao
lado do Country Club. Na reativação, as reuniões e confraternizações também
voltaram.
Em 2010 a instituição perdeu o
projeto e hoje enfrenta dificuldades financeiras. Em sua segunda gestão, a
presidente tenta organizar as contas e continuar com as atividades de capoeira
e rodas de conversa. Outro grande projeto atual do Chico Rei é a difusão da
cultura afro nas escolas. “Esse período que estou presidente foi a época em que
mais trabalhamos e estivemos ligados a mídia da cidade, divulgando o trabalho
da instituição”, analisa.
Esse contato com as escolas
acontecia de forma muito acanhada, uma vez por ano, principalmente em novembro
quando se comemora a Consciência Negra, havia seminários criados para
professores. “Percebemos que esses seminários não surtiam efeito e resolvemos
mudar a proposta”, observou a presidente.
A lei 10.639 traz a
obrigatoriedade do ensino da cultura afro- brasileira nas escolas. “Gosto de
falar que é uma participação, porque o termo obrigatoriedade, já dificulta
nosso acesso”, ressalta ela. Por isso, o Chico Rei começou a inserir essa
cultura nas escolas. “A princípio precisávamos pedir, mas ao nos envolver com
outros movimentos sociais, conseguimos fomentar o trabalho dentro das salas de
aula”, completa.
O projeto começou tímido com
algumas visitas por ano. “De repente cresceu, Ricardo Senegal, também
militante, teve um papel muito importante com a implantação das rodas de
conversas, e além de irmos às escolas trazíamos os jovens para a sede do Chico
Rei”, comemora.
O assunto que os adolescentes
têm mais curiosidade é a religião de matriz africana. “Temos diretores que
falam sobre o tema e desmistificam a religião da Umbanda e Candomblé. Macumba é
o instrumento africano, mas há mito preconceito em torno da religião”, explica.
Outra contribuição importante
para o a instituição foi a vinda do professor Vagner Carvalho, da escola de
capoeira CEEPC, para a diretoria. “A ideia do Vagner de levar vídeos que
falavam sobre a cultura impulsionou novas visitas e conseguimos abranger muitos
colégios”, comenta ela.
Meio Ambiente
Além da presidência do Chico
Rei, Lúcia Vera acaba de assumir também a presidência da Associação Recriando,
associação dos catadores de materiais recicláveis que há 10 anos defende os
interesses desses trabalhadores, e trabalha, principalmente, a educação
ambiental.
Ela foi uma das fundadoras do
Coopersul, a cooperativa de reciclagem que fica na zona Sul da cidade. “Nosso barracão ficava em frente ao hospital
da zona Leste. E foi nessa época que eu comecei a aprender sobre reciclagem e
colocar a mão na massa”, relembra ela.
Vera vem para reforçar o
objetivo da associação, vai ajudar a difundir a educação ambiental nas escolas
do município. “Já faço um trabalho com o Chico Rei onde ensinamos o valor da
cultura afro para as crianças e adolescentes, quero alinhar a questão da
educação ambiental a isso. A escola é um instrumento importantíssimo”,
evidencia Lúcia Vera.
Depois de muitos anos de luta
Lúcia Vera decide terminar os estudos e hoje cursa pedagogia. “Demorou a me
convencer que precisava desse estudo, mas hoje estou disposta a aprender, para
poder sempre ajudar mais, seja o negro, a criança ou o meio ambiente”, se
dispõe.
Marcos
Salles
A família do nosso entrevistado
foi responsável por manter a beleza das nossas praças e jardins. Com uma
carreira sólida na prefeitura, Marcos Salles conta dos primeiros passos no
trabalho ao lado do pai, que também cuidava da divisão de parque e jardins da
cidade, e como gosta de ver o resultado nas áreas verdes de Poços.
Marcos Salles nasceu em Poços no ano de 1958 e criado na cidade.
As gerações anteriores também vieram das fazendas que haviam na cidade sul
mineira. “Meus avós eram alfaiates e tiveram alguns comércios conhecidos como a
JL e JS, todos da família Salles”, conta Marcos.
O avô de Marcos saiu da área
rural da cidade para trabalhar no Hotel Quisisana antes, ele ainda trabalhou na
transferência de uma linha de trem na ferroviária, um pouco antes da Fepasa,
onde o trabalho era todo feito em carroças.
Em 1948 o pai de Marcos, Miguel
Arcanjo Salles, começa a trabalhar no horto municipal onde eram produzidas
mudas para os jardins do município. Durante 54 anos o pai de Marcos se dedicou
ao trabalho na prefeitura. Depois dos primeiros passos no horto, passou a ser
responsável pela divisão de parques e jardins de Poços.
Marcos fala sobre os primeiros
cuidados com a Praça dos Macacos, e posteriormente, a recuperação da praça
Doutor Pedro Sanches. “A praça dos macacos estava abandonada, meu pai
revitalizou o espaço. Chegou a receber uma menção honrosa da Câmara pelo
trabalho feito por lá”, exalta o filho.
O antecessor de Miguel Salles,
Armando Mendes foi o pioneiro nesses cuidados, ajudou a criar os jardins em
torno do Palace Cassino e Palace Hotel em 1932. “O pessoal do paisagista
Dierberger foi chamado a cidade para a criação dos jardins, todos os jardins
são planejados, e o seu Armando ficou como o responsável, com a morte dele, meu
pai assumiu o cargo”, conta Marcos.
Na criação dos jardins o
projeto de paisagismo foi pensado de uma maneira que o Parque José Affonso
Junqueira tivesse muito sombreamento, remetendo as características de um parque
mesmo, com mais árvores e sem flores. Já na Praça Doutor Pedro Sanches, somente
as laterais foram arborizadas e o centro ficou mais aberto para a entrada de
luz e cultivo de flores. “Pensada para o turismo, a Praça Doutor Pedro Sanches
serviria para o turista apreciar o sol da manhã, e o Parque José Affonso Junqueira
para ele se refrescar nas tardes quentes”, enaltece o funcionário.
O projeto inicial é mantido
atualmente, o controle é rigoroso em relação a alterações nos jardins. Marcos
se lembra de uma época que as pessoas queriam plantar mudas no espaço. “O plantio
desorganizava o planejamento da praça, no tombamento dessas praças, não há
permissão da mudança do projeto inicial. Há um ajuste e cada mudança é
fiscalizada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artísticos e Turístico- CONDEPHAAT”, explica o responsável pelos jardins.
Grande parte do trabalho do pai
de Marcos podemos ver ao passearmos pelas praças da cidade. E Marcos continuou
o trabalho do pai. Ele e o irmão começam também a trabalhar na prefeitura. “Eu
comecei a trabalhar muito novo, como gari, varria os jardins de Poços. Depois
assumi o lugar do meu pai no horto municipal, meu irmão o ajudava na manutenção
dos jardins”, diz ele.
Em 1974 Marcos começa a
trabalhar na área do pai, nesta data a cidade passava por uma arborização e
várias árvores estavam sendo plantadas nas ruas. Nesse período, a divisão de
parques e jardins cuidava dos três jardins centrais e a praça dos macacos e só
havia alguns pequenos jardins espalhados na cidade. Hoje há mais de 100 praças
espalhadas por Poços.
Ele se lembra das épocas
difíceis do início do trabalho na prefeitura. “Nos primeiros anos a prefeitura
não tinha o suporte que tem hoje, nós tínhamos que ir a Aguaí buscar grama e
levávamos a nossa refeição, quantas vezes o almoço azedou por causa da alta
temperatura e não tinha outro jeito, se não, comer”, conta.
Marcos explica como a
arborização das ruas foi diferente. “As ruas eram largas, tinham canteiros e a
arborização era feita com árvores maiores, como os Flamboyant da rua São Paulo
e Pernambuco. Hoje não podemos mais plantar árvores desse porte por causa das
redes elétricas e a passagem de veículos altos”, lamenta.
Sobre as mudas plantadas na
cidade nessa arborização, Marcos fala havia poucas espécies disponíveis. Se
conseguia produzir Flamboyant, Esparatoria, Jacarandá- Mimoso, Quaresmeira,
Sibipiruna; são árvores de grande porte
que estão espalhas pela cidade. “Hoje não se aceita uma arborização com árvores
desse porte”, finaliza. Alguns bairros da cidade foram arborizados somente com
mudas frutíferas.
Com o falecimento do pai em
2001, Marcos é convidado a assumir a divisão de Parques e Jardins da cidade. E
as áreas com paisagismo havia crescido, em uma administração Marcos se lembra
que foram construídos cinco campos de futebol. Além disso, várias obras como:
hospitais, creches e escolas tinham planos de paisagismo nos projetos.
Em outra administração, Marcos
relembra a criação de dois grandes bosques na cidade, o do bairro Ipê e o do
Monjolinho. Áreas muito grandes. “O bosque do Ipê meu pai construiu antes do
projeto, como demorava muito a aprovação e o prefeito queria inaugurar o
bosque, o prefeito o autorizou a fazer por conta própria”, confessa ele. Quando
o projeto saiu, houve algumas pequenas adequações e esse foi um dos últimos
trabalhos feito pelo pai de Marcos.
O funcionário público fala da
tristeza em ver um dos lugares criado pelo pai abandonado. “Quantos bairros não
gostariam de ter um bosque para visitarem, o abandono do Bosque do Monjolinho
desmotiva muito o nosso trabalho. Como os moradores não frequentam dão abertura
para vândalos que destroem o local”, analisa. Ele ainda sugere que as escolas
deveriam levar os alunos para aulas práticas para que a comunidade se
apropriasse do local.
Durante todo o seu trabalho na
prefeitura, Marcos fala do seu empenho em fazer novas praças na cidade e da
beleza de um cartão postal que saúda os turistas que chegam à cidade, as flores
das árvores da Avenida João Pinheiro deslumbram moradores e visitantes. “Na
avenida João Pinheiro havia somente eucaliptos plantados, depois foram
plantadas as espatódeas, jacarandá- mimoso e as quaresmeiras”, específica ele.
Com a implantação do monotrilho
houve a necessidade da criação de uma “cortina” de árvores para que a estrutura
de concreto fosse escondida. “Nessa fase eu participei de todo o planejamento,
o monotrilho foi feito por cima das quaresmeiras e a ‘cortina’ foi feita para
disfarçar o cinza do concreto”, fala.
Outros dois grandes cartões
postais da cidade também são cuidados pela divisão de Parques e Jardins. O
Relógio Floral foi idealizado por Elisabeth Canta que vivia em Poços e adorava
as praças. O pai de Marcos e Elisabeth fizeram pesquisas em outras cidades para
construírem o relógio da cidade.
O calendário floral também foi
idealizado por outra figura feminina, a esposa de Francisco de Assis da rádio
Cultura, foi quem idealizou e orientou o paisagismo do calendário que contou
com a ajuda do irmão de Marcos, Antônio. Os dias do calendário são feitos em
pedras apropriadas, e todos os dias, antes do amanhecer, as pedras são
trocadas. Para o servidor que exerce a função não existe mal tempo, feriados ou
datas comemorativas que o impeçam de fazer o trabalho. Já em relação às
estações, que são escritas com letras de vegetação, o horto já prepara as formas
previamente.
O horto
municipal
O horto municipal foi criado em
1932, foi quando houve a inauguração de grandes prédios na cidade e a
revitalização do Country Clube. Houve a necessidade de criar um espaço para
manter esses espaços da cidade. “Não havia floricultura que fornecesse essas
mudas. Por conta das grandes áreas verdes da cidade havia necessidade dessa
produção, não havia outro jeito”, reforça Marcos.
O primeiro viveiro de plantas
foi criado ao lado do Country Club, como Poços tinha temperaturas muito baixas
fazia-se uma proteção com árvores maiores para que a geada não estragasse a
plantação e protegesse do sol ardente. “Nessa manutenção, o horto ficou muito
sombreado e improdutivo para a produção de mudas de flores, que precisam de
muito sol”, explica o responsável pelos jardins. Mas o horto Armnado Mendes é
excelente para a produção de mudas de árvores. Então foi pensado um novo espaço
para a plantação de mudas para paisagismo. “Quando o terreno perto do shopping
foi desocupado pensamos nele para o plantio dessas mudas”, diz.
Em 1983, o engenheiro agrônomo
e prefeito de Poços, José Aurélio Vilela, decidiu desativar o antigo campo de
Golf e criar o atual Parque Municipal Antônio Molinari. Toda a modificação foi
feita com mudas do horto. “Hoje temos diversas árvores frutíferas no parque,
como pitanga e uvaia”, elenca ele.
Sobre os outros pontos
turísticos, Marcos conta que a responsabilidade sobre eles foi passada há
poucos anos para a divisão de jardins e parques, mas que todos foram
revitalizados, mas fala em especial do recanto Japonês. “O trabalho do recanto
japonês foi ensinado aos nossos funcionários por jardineiros japoneses
contratados pela Mitsui. Temos jardineiros que são especialistas em jardins
japoneses”, exata.
Marcos fala como é duro ver
lugares que foram trabalhados serem abandonados. “É muito bonito você ver que
um lugar de pasto foi transformado em uma paisagem tão linda, mas a falta de
interesse me deixa triste. É algo muito valioso, mas que as pessoas não dão
valor”, confessa.
Atualmente Marcos é o
responsável pela Divisão de Parques e Jardins. Mas foi secretário adjunto na
secretaria de serviços públicos, na secretaria de obras, na administração e foi
convidado, por três vezes, a assumir a secretaria de Serviço Públicos. “Para mim
foi uma honra, comecei na prefeitura menino e pude seguir a minha carreira no
serviço público”, diz ele.
Os filhos foram criados no
horto municipal, na época Marcos precisava morar no local para cuidar das
mudas. “O trabalho no horto é constante, não tem sábado ou domingo. Minha filha
sabe todos os nomes de plantas e meu filho se tornou biólogo, passou no
concurso da prefeitura, e é mais um da geração da família
Salles a cuidar da área verde da cidade”, comemora.
É casado há 38 com a esposa Ana Celina que
também se interessa por plantas. “Nas minhas decisões minha esposa sempre me
ajuda e aos filhos também, em casa ela que toma conta das plantas eu não me
arrisco a opinar”, brinca ele. A esposa, logo que se casou, também mudou para o
horto e lá criou a família durante 15 anos.
O conhecimento adquiriu do pai
e do trabalho na prática orgulha-se a ver que ajudou Poços a se tornar umas das
cidades mais arborizadas do país. Com muito trabalho, ainda quer ver muitas
transformações, mas espera que as pessoas entendam como é importante cultivar o
verde e beleza das paisagens formadas pelos parques e jardins.
Ivair
José Gonçalves
Nosso entrevistado dessa semana
chegou a Poços ainda adolescente e carrega na sua história o envolvimento
direto com os turistas. Desde o seu primeiro emprego na antiga rodoviária até o
emprego atual, sempre teve contato com as histórias de poços- caldenses e dos
turistas que vinham visitar a cidade. Ivair José Gonçalves é taxista e atual
presidente do Sindicato dos Taxistas, aqui, compartilha o trabalho feito nas
ruas de Poços há 30 anos.
Ivair José Gonçalves nasceu na cidade vizinha
de Campestre- MG, mas desde pequeno foi acostumado a visitar Poços. Dessas
visitas traz as lembranças dos jardins e das charretes. Quando tinha 15 anos a
família se mudou para a cidade, e aos 17 anos, Ivair teve seu primeiro emprego
na antiga rodoviária da cidade.
Trabalhou na antiga rodoviária
por três anos, essa, era localizada no
espaço onde encontramos o Espaço Cultural da Urca. “Passei parte da minha
adolescência na rodoviária. Achava bonito todo aquele movimento. Os taxis
também ficavam na rodoviária”, conta Ivair.
Nos intervalos trabalhava também
como guia turístico, por isso se recorda dos primeiros passeios do teleférico.
“Levávamos os turistas para passear, mas eu mesmo nunca tinha andado, um dia,
um deles me pediu para ir junto, eu morria de medo daquilo, mas acabei indo e
gostando”, confessa o então guia turístico.
Segundo Ivair os pontos
turísticos eram bem cuidados, diferente do abandono que alguns sofrem
atualmente. “Ao chegar ao alto do Cristo pelo teleférico o turista tinha a
opção de almoçar no alto da montanha. A Saturnino de Brito era um ponto
maravilhoso, o ponto da Cascata também era outro lugar muito bonito, não tinha
a usina ainda”, lembra o taxista.
Antes de se tornar taxista,
Ivair ainda teve alguns comércios, trabalhou como motorista de caminhão,
vendedor e também em um hotel da cidade.
Esse emprego no hotel o despertou a vontade de trabalhar como
taxista. Decidiu sair do emprego e
arriscar-se na profissão.
Aos 26 anos começou a trabalhar
como empregado, dirigindo o táxi de outra pessoa. Trabalhou por três anos. Com
a experiência dos antigos empregos pode se virar nas ruas de Poços. “No início
o que se precisava conhecer eram os pontos turísticos e a área central. Os
bairros em Poços foram crescendo, tanto que até hoje eu não conheço todas as
ruas da cidade”, confessa o taxista.
Como antigamente não existia
celular, as ligações eram feitas no ponto, os clientes mais antigos ainda
conservam esse hábito. “O celular apareceu mesmo em 1994, eu já trabalhava no
táxi há algum tempo”, reforçou ele.
Em 1987 Ivair começa seus
primeiros passos como taxista e fala sobre os bairros da cidade. “Os bairros
mais antigos de Poços são: Jardim do Estado, Vila Cruz, Bairro São José, esses
bairros já existiam e foram aumentando”, exemplifica.
Sobre os clientes Ivair fala da
relação que construiu. “Tenho um cliente que comecei a atendê-lo quando ele
começou a namorar a atual esposa, quando casaram os levei ao cartório e os três
filhos que eles tiveram fui eu quem levou a maternidade”, fala ele do cliente
fiel que até hoje, mesmo tendo seu próprio carro, ainda faz corridas com o
amigo.
Dos vários clientes que o
acompanham durante esses anos, muitos começaram a visitar a cidade há 20 anos e
continuam fazendo corridas com ele. “Essas histórias nos completam mais que o
dinheiro, poder acompanhar de perto a história dessas famílias é mais valioso,
tenho cliente que conheço há 28 anos”, disse.
O turismo de antigamente era
diferente, segundo o taxista, os turistas usavam mais ônibus interestaduais,
por isso usavam mais o serviço do táxi. Mas atualmente, viajar de carro
compensa mais. “Com essas facilidades, o turismo, para o taxista, diminuiu
muito”, analisa.
O primeiro taxi de Ivair foi um
Fiat 147. A mudança do clima da cidade alterou a maneira deles trabalharem. “O
primeiro carro que tive com ar condicionado, em 1994, foi até criticado pelos
meus parceiros, porque Poços era uma cidade fria, hoje quem não tem, perde
cliente”, explica ele sobre um dos equipamentos essências de trabalho.
Outro fator que auxiliava na
profissão era o trânsito, ou melhor, a falta dele. “Há anos conseguíamos
calcular o tempo que gastaríamos do centro pra os bairros, a cidade era menor e
não tinha trânsito. Hoje, não conseguimos calcular isso com a mesma precisão”,
fala ele.
A esse respeito ele comenta de
pequenos hábitos que os clientes não conseguem abandonar. Segundo Ivair, muitos
têm a fidelidade com o motorista e exigem que a corrida seja feita por
determinada pessoa. E sobre o tempo, muitos ainda querem que as corridas sejam
calculadas antes mesmo dela acontecer.
Nessa profissão existe muita
fidelidade. “Temos o cliente fiel ao ponto e o fiel ao motorista”, fala ele.
Poços ainda preserva os pequenos aconchegos de cidade pequena. “Em algumas
corridas a parada para um cafezinho é quase obrigatória”, brinca Ivair.
A maior qualidade de Poços para
Ivair é o paradoxo de ser uma cidade pequena, do interior, mas dispor de coisas
que somente a cidade grande ofereceria. “Moro há 40 anos na cidade me sinto um
poços- caldense e nem penso em sair daqui”, homenageia o taxista.
Ivair ainda visita a cidade
natal, ainda tem parentes em Campestre. A cidade também foi ponto de encontro
dele e da esposa. Vindo da cidade vizinha e ela da cidade de Conceição da
Aparecida- MG, os dois mudaram para Poços e aqui se conheceram.
Sobre o começo do namorado com
a esposa, Ivair se lembra dos velhos costumes que o sogro, chegado da roça,
ainda os preservou por um bom tempo. “Meu sogro era muito tradicional, para
namorar a minha esposa, a minha cunhada tinha que ir junto”, brinca. A Praça Pedro Sanches era o principal local
de encontro deles.
Os pontos turísticos eram
atração também para os moradores e Ivair comenta como isso não mudou. “O
pessoal da cidade também usufrui muito dos pontos turísticos, encontro com
muitos moradores nesses pontos”, relata.
Em certa época era mais
vantajosa a corrida a noite do que durante o período do dia. Ivair fala que as
corridas eram mais rápidas, porque havia menos trânsito e eram mais lucrativas,
já que a tarifa cobrada no período é maior. Segundo ele a maioria dos carros trabalhava
a noite. Hoje essa realidade mudou, poucos carros rodam no período noturno,
para o taxista, isso ocorre pela questão de segurança e também por as pessoas
possuírem carros próprios.
Questionado sobre a violência
enfrentada, principalmente, nas corridas noturnas, Ivair desmente essa
previsão. “Sempre houve ondas de assalto, passamos por momentos muito
perigosos, mas hoje o policiamento em Poços é muito reforçado. A segurança
melhorou muito”, fala ele sobre a melhoria do policiamento.
A eficácia da lei seca também
foi outra alteração que ajudou na profissão dos taxistas. A punição e a
intolerância com os níveis de álcool trouxeram uma necessidade de se precisar
de um motorista, esse é um fator que os ajuda. “Essa educação está iniciando
ainda entre os condutores, mas é uma vantagem para nós”, explica.
O
Sindicato
Em 1968 foi fundada uma
associação, no ano seguinte, tornou-se o Sindicato dos Taxistas. No oitavo
mandato, Ivair vai para o nono e é um dos únicos a ficar por mais tempo a
frente do Sindicato. A eleição ocorre da mesma maneira que uma eleição para
prefeito, por exemplo. Com representante da federação e advogados, a eleição
acontece e o presidente é eleito entre as chapas apresentadas.
O trabalho como presidente é
uma responsabilidade feita por amor que ajuda os taxistas a se organizarem
jurídica e economicamente. “O Sindicato faz parte do taxista”, fala ele. Ele
ainda comenta de uma conquista do sindicato que poucos sabem. A classe tem um
direito adquirido conquistado pelo sindicato. “Depois de dois anos trabalhando
na profissão, os taxistas que queiram comprar um carro novo fica livre do IPI e
do ICMS, economizando até 30% na compra do veículo. E não paga IPVA”, enumera.
Com 120 carros nas ruas de
Poços a frota é considerada a mais nova da região. “isso ajuda a manter a
clientela”, reforça. As viagens foram corridas que se estabeleceram a pouco
tempo. Há 20 anos poucos taxis faziam esse trajeto. Atualmente, o deslocamento
para outras cidades é frequente. “Todos os dias temos de 5 a 10 carros de táxi
viajando, a maior parte para Campinas e São Paulo, ambas no estado de São
Paulo”.
As empresas também sempre foram
parceiras nas corridas dos taxistas. “Através da cooperativa de taxi
conseguimos ter mais contato com essas empresas e aumentamos as nossas
viagens”, fala o presidente do sindicato.
Sobre as histórias acompanhadas
nesses 30 anos, as mais curiosas ainda envolvem os casais e suas idas ao motel.
“Dessas histórias tivemos várias, de encontrar pessoas casadas com outros
parceiros, pessoas que conhecíamos. Mas o motorista é surdo, mudo e cego, a
descrição faz parte da nossa profissão”.
Sobre a postura que os
profissionais devem ter, Ivair fala que não há regras rígidas, mas que o
taxista tem que sentir o passageiro, saber o que ele gosta ou não, para não ser
inconveniente. “A educação do motorista é torcer pra todos os times, aceitar
todas as religiões e partidos políticos”, brinca ele.
Das profissões que trabalhou
Ivair enaltece a de taxista e deseja continuar até quando puder. Sobre os
futuros profissionais Ivair fala que ainda vê muitos jovens seguindo a
profissão, é uma profissão de herança familiar, mas há os que optem por outra
atividade. “Dos meus três filhos, somente um quis seguir, mas dois sobrinhos
meus trabalham como taxistas”, comenta.
Ivair faz o que gosta. Por
isso, sabe que a profissão exige que se trabalhe em datas como o Natal e
Réveillon . “Em um dia 31 de dezembro fui buscar duas moças a meia noite. Na
hora dos fogos, eu estava com elas. Então elas comentaram que aquele trabalho
era muito ruim, porque eu não ficava com a minha família ou amigos. Mas eu
nunca achei, e ainda brinquei com elas que eu estava na melhor profissão e
melhor companhia. Sou pago para passear”, justificou Ivair.
A disposição, quase que 24
horas, é um dos requisitos para
conservar os clientes e seguir na profissão. No inicio os períodos de 18 horas
eram normais. “Entre uma corrida e outra você conseguia descansar”, alivia ele.
A melhoria das estradas e dos carros também ajudou na evolução da profissão.
“As viagens são mais tranquilas, os carros são melhores, surgiram facilidades
que ajudaram a nossa profissão, mesmo sendo uma cidade pequena, Poços acompanha
as inovações”, comemora.
Casado há 36 anos, tem cinco
filhos, dois netos. As reuniões aos domingos mais parece uma festa. “É bom ver
a família reunida. O que o trabalho intenso não me permitiu fazer com os meus
filhos tento fazer com os netos, levando eles para
passearem no táxi. Dizem que quanto
maior a família, mais trabalhadora a pessoa se torna, acho que fiz bem
isso”, encerra o taxista.
Antônio
Carlos da Silva
O charreteiro Antônio Carlos da Silva herdou do seu pai a paixão pelos cavalos e a profissão, por isso, compartilha conosco os 55 anos percorridos na cidade em sua charrete. Acompanhou de perto a descoberta de alguns pontos turísticos, fala da convivência com os turistas e de leis que alteraram seu modo de trabalho, mas que não tirou a vontade de continuar a carreira do pai.
Antônio Carlos da Silva nasceu
no bairro Jardim Gama Cruz no dia 05 de junho 1949. A família era formada por
oito irmãos. O pai era charreteiro.
Carlão, como é conhecido pelos colegas, se lembra da dificuldade do pai
em manter a família. “Morávamos todos em uma casa pequena e pagávamos aluguel,
então com 12 anos parei de estudar para ajudar a cuidar dos meus irmãos”,
confessa. Carlão não era o mais velho, as irmãs que eram maiores não conseguiam
emprego já que as mulheres não eram inseridas no mercado de trabalho.
Ele se lembra do antigo ponto
das charretes, que ficava em frente ao Palace Hotel, onde encontramos os
carrinhos de lanche atualmente, e foi lá que iniciou seu primeiro trabalho.
"Comecei a trabalhar na charrete e no cavalo de sela”. O pai tinha vários
cavalos que ficavam na serra do Cristo. “Eu buscava os cavalos no morro às 5
horas da manhã”, completa.
O bairro Vila Rica ainda não
existia e Carlão se lembra da fazenda que ocupava o local. A fazenda era de uma
família turca que plantava uvas. “A única rua que existia era a das Pedras, rua
Afonso Pena, essa viela é uma das mais antigas da cidade, tem 100 anos”, exalta
ele. A única casa que existia no bairro era a da família de Carlão.
Trabalhando Carlão pode ajudar
nas despesas da casa, todo o salário do jovem ficava com o pai, assim foi
durante 30 anos. “Só deixei de trabalhar para o meu pai quando me casei, depois
disso, comecei a ficar com o meu salário”, explica ele que ajudou o pai a
comprar uma casa e a se aposentar.
No início do trabalho como
charreteiro Carlão levava os turistas a Represa Bortolan, Cascata das Antas, aeroporto e a Represa
Saturnino de Brito, que eram pontos
turísticos importantes na cidade. “Naquele tempo recebíamos uma média de 300 a
400 casais por semana que passavam a lua de mel em Poços, eram muitos casais”,
reforça o charreteiro.
A estrada da Cascata das Antas
era toda de terra, a avenida João Pinheiro também, e as árvores que dominavam a
paisagem eram os eucaliptos. “Hoje os passeios são curtos, percorremos as
fábricas da avenida João Pinheiro e levamos ao Country Club”, explica Carlão.
As charretes eram mais utilizadas já que não
existiam muitos carros na cidade, muito menos, táxis que pudessem transportar
os turistas. “Havia 10 taxis na cidade, hoje tem 120. O turista não quer
passeios longos, ele só quer fazer um pequeno passeio para mostrar as charretes
pincipalmente às crianças”, comenta.
Carlão se lembrou de um episódio
curioso que aconteceu enquanto trabalhava em sua charrete há 35 anos. “Um dia
eu estava com turistas na barragem Bortolan e um carro se aproximou, dele
desceu o humorista Chico Anysio, a esposa e os filhos. Fiquei surpreso em
vê-lo, ele foi muito atencioso, nos cumprimentou e conversou conosco”, conta
ele.
Sobre os fregueses que
transportou durante todos esses anos, Carlão fala de um turista do Rio de
Janeiro que se tornou um amigo. “Quando o seu Maurício veio pela primeira a
Poços eu ainda era solteiro, depois ele começou a vir todo ano e sempre andava
de charrete comigo, ficamos tão amigos
que ele foi padrinho de casamento da minha filha, participou do meu casamento e
do casamento do meu filho”, exalta. O turista continua visitando Poços, agora
além de cliente, é um amigo fiel de Carlão.
Quando Carlão começou o
trabalho com pai as charretes eram diferentes, elas tinham duas rodas e um
banquinho simples, só podiam levar duas pessoas, três com o condutor. Ele
comenta como a evolução das charretes melhorou a saúde dos cavalos. “As
charretes antigas judiavam mais do animal, eles carregavam muito peso, essas,
mesmo sendo maiores, equilibram o peso no lombo dos animais”, explica o
profissional.
Outro passeio muito comum era o
passeio a cavalo, os turistas passeavam por toda a cidade. “Eu tinha turistas
que andavam a manhã inteira, nós íamos até o Cristo, a Pedra Balão e saíamos na
Fazenda do Barreiro, chegando ao Córrego Dantas. Cortávamos a cidade toda a
cavalo”, relembra ele dos passeios que chegavam a durar seis horas e divertiam
toda a família.
Com a urbanização esses
passeios foram substituídos e deixou de ser interessante aos olhos do turista.
Com aumento do volume dos carros e, consequentemente, do trânsito, o passeio se
tornou inviável nas vias urbanas.
Os cavalos ficam no pasto até
hoje, Carlão continua tratando dos cavalos bem cedo quando o sol nem pensa em
aparecer. “Todos os dias, às 5 horas da manhã, eu levanto e vou tratar dos meus
cavalos, pode estar chovendo ou geando”, brinca ele que volta a tratar dos
cavalos no período da tarde.
O charreteiro possui três
cavalos e depois de implantadas leis a proteção dos animais ele precisa revezar
os animais. “Temos a nossa associação que tem pessoas que cuidam das charretes,
temos três fiscais que sempre orientam a melhor forma de trabalho”, relata.
Os
pontos turísticos
Carlão fala da descoberta do Véu das Noivas, local que os charreteiros visitavam mesmo
quando não era considerado um ponto turístico. “Foram os charreteiros que
descobriram o Véu das Noivas como atração turística. Nós levávamos o turista à
represa Bortolan, quando passávamos na estrada, víamos aquela cachoeira que
ficava lá embaixo”, relembra ele.
Um dia, por curiosidade, Carlão conta que os amigos desceram até o
local e viram que era uma cascata muito bonita, assim os próprios charreteiros
fizeram uma trilha e começaram a levar os turistas. “Todo o terreno era de uma
família do Rio de Janeiro, mas de tanto as pessoas começarem a visitar o local
a prefeitura desapropriou as terras, depois de muitos anos fizeram um
restaurante e aquela estrutura que tem hoje”, detalha.
Sobre os turistas, Carlão fala que o tempo de permanência dessas
pessoas alterou. Anos atrás, Carlão fala que os turistas vinham para ficar um
mês na cidade e passeavam todos os dias de charrete. “Hoje o turista vem para
ficar um final de semana”, completa ele.
Essas pessoas gostavam de ficar na cidade para descansar, passavam
de 15 a 20 dias nos hotéis como o Palace Cassino e os outros que eram famosos
na cidade, como o Hotel Quisisana. Carlão fala como o hotel era um atrativo
para turistas de todo o país. “O hotel era considerado um dos melhores do país,
era comparado ao Hotel Quitandinha do Rio de Janeiro, lá dentro tinha fontes de
água sulfurosa, cassinos, piscinas e tornou-se um ponto turístico”, enaltece
ele que levava os turistas para conhecer a estrutura do espaço.
Carlão lamenta sobre o
destino do hotel que teve o prédio vendido e transformado em condomínio. “O
hotel foi transformado em residências e o charme do lugar foi perdido. O prédio
do hotel deve ter mais de 80 anos”, ele lamenta.
E ainda fala do aumento do
número de hotéis. Aos finais de semana o munícipio recebe um grande número de
turistas e tem hotéis que comportam até 500 pessoas. Com o aumento da quantidade
de hotéis , o número de turistas acabou
aumentando também, mas o tempo de estadia diminuiu. “Como eles geralmente ficam
o final de semana, não há tempo para fazer todos os programas”, disse.
Outra mudança que o charreteiro notou em relação aos turistas que
frequentam a cidade é que a grande maioria vem de cidades vizinhas. “Antes
recebíamos turistas de todo o Brasil, dos estados do norte, nordeste e do sul.
Hoje não, os turistas veem de cidades mais próximas e do estado de São Paulo”,
afirmou.
O Country Club foi um dos primeiros pontos a fazer parte do
roteiro turístico dos charreteiros e Carlão lembra do local. “Na ilha havia
muitos macaquinhos, araras e capivaras mansas. Tinha um senhor, o Nardinho, que
cuidava desses animais, mas ele já faleceu. Ele que construía os próprios
barquinhos”, recorda.
Outro ponto tradicional era o Recanto Japonês, que na época, não
se chamava assim. “Sempre levávamos os turistas nesse local, que antes
chamava-se Caixa D’água. Conduzíamos eles de charrete até no meio da floresta
para ver os animais e a paisagem natural que era muito bonita”, explica.
Sobre os cuidados com os cavalos, Carlão se lembra das famosas
selarias da cidade. A de Chiquinho Seleiro, que ficava na rua Assis Figueiredo
em frente a Farmácia Rosário e a de outro seleiro que ficava na rua São Paulo,
em frente a igreja de São Benedito. “Esses seleiros faziam todas as peças, hoje
nós que fazemos os equipamentos das charretes, o material pronto não é bom, então
aprendemos a fazer”, confessa.
As ferrarias da cidade também foram lembradas, existiam três
ferreiros em Poços. “Hoje nós mesmos que ferramos os cavalos, antigamente as
ferraduras eram de rampão e com salto. A ferradura não tem mais esse salto, ela
é lisa e feita de ferro. Antigamente, por ser
feita de aço, o salto da ferradura tinha a função de não deixar o cavalo
escorregar”, explica..
Em 2003 Carlão teve um grave problema de saúde, descobriu que
estava com câncer de garganta. Sobre isso, ele fala dos primeiros trabalhos do
Sistema Único de Saúde- SUS no atendimento da área oncológica na cidade. “Fui
um dos primeiros a usufruir do tratamento aqui na cidade, minha médica era a
Doutora Helena. O tratamento foi tão bom que em três meses estava curado”, comemora
Carlão que não precisa mais tomar remédios para a doença.
Para encerrar, ele fala um pouco sobre a criação da Associação de
Condutores de Veículos de Tração Animal. “Antigamente existiam 74 charretes na
cidade. Quando a associação foi formada houve a necessidade de diminuir a
quantidade, assim algumas foram compradas pela associação e restaram as 48
charretes que temos hoje”, disse.
O ponto foi mudado há 40 anos para que o centro da cidade não
fosse prejudicado, já que a cidade expandia rapidamente. Carlão ainda se lembra da sujeira que os
animais deixavam nas ruas e como isso foi solucionado por um político da época.
“A proposta foi do prefeito Sebastião Navarro
que tinha visto a ideia dos “fraudões” em cidades de outro país. Ele trouxe
o modelo para conhecermos. Nós adaptamos o fraudão, o original era de plástico
e o nosso passou a ser de tambor que era mais durável”, explica ele. Pessoas de
outras cidades depois visitavam Poços para ver a adaptação feita pelos
charreteiros.
Carlão não se esquece de falar da mulher que sempre o ajudou em
casa e hoje ajuda a filha com os cuidados com a neta. Pai de um casal, fala do
filho que foi embora para os Estados Unidos e da filha que sempre esta por
perto. Como avô, gosta de levar os dois netos, uma menina e um menino, para
passear nas charretes. Completando 55 anos de trabalho no seu primeiro emprego,
Carlão se orgulha em poder contar a sua história como charreteiro.
Terezinha
Benedita de Oliveira
Terezinha Benedita de Oliveira
sempre foi chamada para falar do irmão famoso, Mauro Ramos de Oliveira o
jogador da seleção brasileira, mas também tem sua história para contar.
Trabalhou como professora e ajudou a cuidar da família. Sem sair de Poços, viu
os irmãos, aos poucos, voltarem para o paraíso, como ela define a casa onde
viveram e vive.
Recebeu o nome de Benedita,
porque nasceu no dia de São Benedito e a mãe, como era muito católica, achou
que se a menina não fosse batizada com esse nome, seria uma ofensa ao santo.
“Eu não gostava do nome Benedita, mas em csa, me apelidaram de Ditinha”,
confessa ela.
Terezinha acredita que Poços
era melhor antigamente. “Era uma cidade muita calma, o progresso tornou as
coisas difíceis para nós idosos, apesar das vantagens que surgiram”, comenta,
reforçando a beleza da cidade.
Terezinha é poços-caldense aos
82 anos, se lembra da infância ao lado dos sete irmãos. O pai tinha um comércio
de secos e molhados, e a mãe cuidava dos oito filhos. Tanto o seu pai, quanto a
sua mãe eram viúvos. O pai tinha 15 filhos do primeiro casamento e sua mãe
dois. Juntos tiveram seis filhos. “Quando se casaram formaram uma família de 19
pessoas, mas minha mãe era bem mais jovem que meu pai, havia uma diferença de
mais de 20 anos”, ressalta Terezinha.
Desses filhos, alguns nasceram
na rua Paraíba e Terezinha na rua Rio Grande do Sul. As irmãs mais novas na rua
Assis Figueiredo, onde fica a atual casa da aposentada. “Moro nessa casa há
mais de 60 anos, essa casa para mim é um paraíso, mesmo no centro da cidade,
parece que moro em um sítio, acordamos com o cantar dos pássaros”, exalta.
Dos oito irmãos, hoje restam
quatro mulheres. Terezinha cuida da irmã mais velha Dalva e comenta sobre ela.
“Dalva sempre foi muito inteligente, foi uma das primeiras mulheres a passar em
um concurso da área de direito, onde passaram 100 homens e três mulheres, uma
delas, foi Dalva”, orgulha-se a irmã.
Dalva cursou direito na Universidade de São
Paulo, na renomada Largo de São Francisco. Mesmo passando neste concurso onde
os homens eram maioria, ela não chegou a tomar posse do cargo, já que o marido
não havia passado e ela entendeu que, tomando posse, ele se ofenderia. “O
machismo era preponderante e ela achou que ele poderia se sentir
inferiorizado”, conta a irmã.
Mais tarde, Dalva prestaria um
novo concurso e se tornaria promotora. Aposentada pelo estado de São Paulo, aos
89 anos, sofre de Alzheimer e é cuidado por Terezinha. “Hoje Deus me deu a
oportunidade de retribuir tudo que ela fez por mim como irmã mais velha”, fala
ela.
O comércio do pai de Tererizinha ficava na rua
Assis Figueiredo onde hoje fica uma lotérica e uma farmácia. Terezinha se
lembra de um freguês antigo do pai que tinha um restaurante chamado Caixa
D’agua. “O restaurante do Gijo, que era um italiano, ficava onde hoje é o
Recanto Japonês”, conta ela que recorda como o local era lindo e arborizado.
Aos domingos o italiano, que
era muito amigo do pai de Terezinha, buscava as crianças de charrete para irem
almoçar no restaurante. “Eu amava ver a paisagem do local e da natureza. As
massas, principalmente, a macarronada tinha um tempero inesquecível. Nunca mais
comi algo tão bom”, relembrou ela.
A aposentada e as irmãs
estudaram o ginasial, o atual ensino fundamental, no colégio São Domingos e essa
é uma recordação valiosa para ela. Ela ressalta como o ensino era de qualidade,
como as freiras, que cuidavam do colégio e eram francesas, cuidavam da educação
das alunas. “Dalva aprendeu a falar francês com as freiras”, lembra. Mais
tarde, Terezinha tentou impedir o fechamento do colégio, mas as tentativas
foram em vão.
O colégio Marista, que fazia
divisa com a escola das freiras, hoje o colégio Municipal, era dirigido pelos
irmãos e também foi lembrado. A educação também era exemplar, mas esse era
exclusivo para homens. “Como o terreno do colégio São Domingos era enorme, do
fundo dele, podia-se ver os meninos do Marista jogando futebol. Os dois
colégios tinham internato”, diz Terezinha.
Os uniformes das duas escolas
também eram famosos, Terezinha recorda que ela e os irmãos tinham muito cuidado
com as roupas. Assim que chegavam da escola já tiravam o uniforme para que não
amarrotasse ou sujasse. Outra característica da época era o uso de
“distintivos”, com cores diferentes, nas camisetas, que identificam a série e a
sala que o aluno estava cursando.
“As sainhas eram pregueadas, as
blusinhas eram brancas de fustão e de gola marinheiro, com as iniciais do
colégio bordadas. No começo, minha mãe que cuidava dos uniformes, depois, nós
mesmas começamos a engoma-los”, comenta ela.
A casa de Terezinha, por ser muito central e ficar na Rua Assis
Figueiredo, sempre foi o ponto de encontro dos colegas a caminho da escola.
Outra escola lembrada foi a
escola infantil Menino Jesus, que tinha professores da prefeitura, mas as
orientações de estudo eram feitas pelas freiras. Terezinha se formou como
professora no São Domingos fazendo o curso normal, que era o estudo para
professores da época.
Os irmãos foram crescendo e
muitos foram para São Paulo, outros resolveram se casar e Terezinha continuou
com os pais. “Quando pensei em ir embora para São Paulo, meu pai pediu pra eu
ficar, porque a maioria já tinha saído e a casa ficaria muito vazia”, fala ela
que anos depois viria vários irmãos retornarem para casa.
A
professora
Com a morte do pai em 1954,
Terezinha começa a trabalhar como professora na Fazenda Espírito Santo. Na
época as professoras ficavam na fazenda, chegavam na segunda- feira e voltavam
para a cidade na sexta- feira. “Cada professora ficava em uma fazenda e dávamos
os quatro anos para as crianças. Era um ambiente muito gostoso. Fiquei três
anos por lá”, conta ela, que depois mudaria para uma fazenda mais perto que a
permitia ir e voltar todos os dias.
Na cidade deu aula na escola
que havia estudado a escola Menino Jesus, por dois anos. A diretora do colégio
era Julieta Brigagão e Terezinha tinha receio em pegar a turma por ter
experiência somente em escolas rurais. “Eu fiquei com medo de não dar conta de
dar as aulas, pedi auxilio a uma amiga, a Benedita Pires Duarte, e ela me
incentivou a não desistir”. Por fim,
Terezinha trabalharia na secretaria do Ginásio Estadual, escola que ficava no
prédio do atual Museu Geográfico e Histórico de Poços de Caldas, onde a
diretora era Edir Fraya.
Terezinha se formou na primeira
turma do curso de Letras na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC) , onde a diretora do
Ginásio era a sua professora. Neste colégio, Terezinha fica até se aposentar.
Nesse tempo a mãe tinha aberto
uma papelaria que começara no pequeno corredor da casa. O pequeno negócio se
chamava ‘Papelaria Ramos de Oliveira’. “O espaço que ficava a loja de papai
estava alugado, então minha mãe usou o corredor de casa, depois ela conseguiria
montar o negócio no espaço maior com a saída do inquilino”, explica a
professora.
Outra pessoa que Terezinha se
lembrou foi do Doutor Sebastião Pinheiro Chagas, na época, diretor das Thermas
Antônio Carlos, onde o irmão Ajax
chegaria a trabalhar. “Doutor Sebastião sempre ajudou a nossa família”.
Terezinha fala que a mãe
conseguiu comprar a parte dos irmãos de uma fazenda herdada do avô em Botelhos,
cidade vizinha a Poços, que se tornou o refugio da família. “Minha mãe, o Mauro
e a Dalva sempre ficavam a semana em Botelhos e vinham para Poços no final de
semana, eram os fazendeiros”, brinca ela.
Outra grande lembrança de
Terezinha foi o fusquinha que ganhou da mãe. “Assim que ela me deu, pediu para
eu batizá-lo. Ela gostava muito de uma
novela religiosa da Tupi que o protagonista era um frade chamado Bentinho,
e esse foi o nome dado ao carro. Hoje o meu cachorrinho leva o mesmo
nome”, fala ela.
Com as complicações de saúde da
mãe a papelaria fecharia depois de 20 anos, e o espaço seria alugado novamente.
“A farmácia já está no local há quase 30 anos. Abrimos a loteria, mas depois a
vendemos”, comenta.
Com as tarefas de cuidar do
pai, da mãe e dos irmãos, Terezinha dedicou-se a família e fez disso a sua
vida. “Acho que Deus me designou a cuidar das outras famílias e não da minha
própria”, desabafa Terezinha que não se casou, mas construiu sua família junto
aos seus.
O irmão
Mauro Ramos de Oliveira ficou
famoso por seu futebol na seleção
brasileira e pela conquista do título de 1962 como capitão do time. Terezinha
conta que Mauro começou a jogar futebol ainda nos campos do colégio Marista,
onde ele e os irmãos estudaram. Ela ainda comenta que ele tinha um espírito
religioso muito forte, por isso não gostava de ver as pessoas sofrerem e
ajudava a todos.
Ela lembra que a paixão pelo
futebol começou muito cedo e as salas de aula eram trocadas pelos campos. Os
irmãos do colégio sempre ligavam a procura dele e a mãe ficava furiosa. “Minha
foi criada com muito rigor, ela era muito brava e já sabíamos o que ela queria
através do olhar. Ela sonhava em ver o Mauro estudar”, destaca a aposentada.
Mauro estudou até a terceira
série ginasial da época. Começou a jogar nas cidades vizinhas, em um desses
jogos, ele foi descoberto. “O jogo era entre Desportiva, o time que Mauro
jogava, e Palmeiras. Os diretores do Palmeiras gostaram de Mauro e se
interessaram, mas após uma confusão em campo entre os times, eles desistiram”,
lamenta a irmã.
Mas na época, o Piolim jogava
em São João Da Boa Vista e levou Mauro para São Paulo. Aos 17 anos, Mauro foi
contratado pelo time São Paulo Futebol Clube. Com 18 anos já era campeão
paulista como zagueiro central e fez sua vida na metrópole. A irmã reforça que
o espírito de ajudar as pessoas nunca o abandonou, então depois de se
consolidar no time, além de ajudar as pessoas com suas palavras, ele passou a
ajudar os amigos também financeiramente.
“Mesmo já morando eu São Paulo,
quem cuidava do dinheiro dele era a minha mãe, então amigos que ele queria
ajudar procuravam por ela, que já sabia o que fazer por eles”, lembra
Terezinha.
Além do espírito solidário,
Mauro também era lembrado por sua educação, postura e beleza. Em 1950 ele foi
convocado pela primeira vez para a seleção, mas no último momento foi cortado.
Em 1954 e 1958 ele participou das copas.
Em 1957, Mauro foi campeão pelo
São Paulo com o técnico Béla Guttmann. “Mauro admirava muito esse treinador e
me contou que ele o havia chamado a atenção dizendo que ele não era jogador
para ficar em banco de reserva”, segundo Terezinha a fala era a respeito dos
jogos da seleção onde Mauro ficava no banco de reservas com frequência.
Outra situação do futebol eram as histórias
cruzadas do jogador Bellini e Mauro, ambos jogaram em times da cidade de São
João da Boa Vista- SP, um fez sucesso no Rio de Janeiro pelo time do Vasco da
Gama e outro em São Paulo, pelo time do São Paulo. Na seleção, disputavam a
mesma vaga.
Em 1962, Mauro estava com 32
anos e tinha a última oportunidade de ser campeão pela seleção. E o conselho de
Béla Guttmann martelava na cabeça do jogador. Durante os últimos treinos da
seleção ele foi destaque e saiu do Brasil como capitão. “Teve um treino que
Mauro não se saiu bem, Bellini, que agora estava no banco de reservas, era
cogitado para substitui-lo”, conta a irmã.
A escalação dos times da
seleção era esperada por toda a família, principalmente por Terezinha, e
Bellini e Mauro sempre eram cotados como capitão. Na véspera do jogo, o
treinador da época, Aymoré Moreira, chamou Mauro para conversar. “A dúvida
entre os dois jogadores ainda existia, mas Mauro se impôs e disse que se não fosse
titular não serviria mais a seleção”. No dia seguinte, Mauro era o capitão
confirmado.
No jogo decisivo entre Brasil e Espanha,
Amarildo, a estreia do time brasileiro, faria os dois gols da vitória. Mauro
levantaria a taça de campeão e encerraria a carreira da melhor maneira
possível. Depois disso, o zagueiro jogou no México, fez o curso de treinador,
trabalhando com isso no país. “Fui visitá-lo em Guadalajara, a capital do país,
visitei a praia de Acapulco. Todos ostentavam a cidade de São Paulo e escutavam
a canção Garota de Ipanema”, exalta ela.
Anos depois ele voltaria para o
Brasil, tentaria a carreira como treinador, trabalharia no time do Santos, com
o Pelé no time, mas não se adaptaria.
Aposentou-se e voltou para Poços depois de ficar viúvo aos 52 anos.
Terezinha Couto
Bruna Santine
Terezinha Couto foi quase uma exploradora das terras brasileiras,
através de seu trabalho em grandes empresas pelo país pode ver de perto a
criação de muitas delas, inclusive da Alcoa em Poços. E foi essa experiência
que a fez procurar novos rumos e colocar Poços no caminho das ações
sustentáveis.
Natural de Alpinópolis, cidade mais conhecida como Ventania,
Terezinha era a mais velha de uma família que completaria onze filhos. Mas logo
a família numerosa mudou-se para Alfenas-MG, onde Terezinha concluiu o ensino
médio. Terminado os estudos, Terezinha fica sabendo da vinda de uma grande
empresa pra Poços, a Alcominas, e por isso muda-se para Poços.
Quando chegou à cidade conseguiu um emprego no hospital. “Cheguei
a Poços pela manhã e a tarde já estava empregada”, lembra Terezinha. A família
logo veio atrás da menina que buscava o seu sonho. “Desde menina eu já me
correspondia através de cartas com pessoas do mundo todo, sempre gostei do
idioma inglês e fazia isso para treinar a língua. O desejo de viajar e conhecer
vários lugares também sempre me acompanhou”, confessa ela. Logo que chegou, aos
19 anos, foi à procura do emprego na grande empresa, que se instalava na
cidade. “Dois meses depois eu consegui o emprego na fábrica”, comentou.
A seleção era rigorosa. “A primeira pessoa que eu conheci na Alcoa
foi Marília Gonzaga, assim que fui ao escritório da empresa deixar meu
currículo, ela me informou sobre a seleção”, fala Terezinha. Ela conta que eram
mais de 30 meninas concorrendo à vaga na primeira entrevista, mas, Terezinha
sairia empregada.
Na Alcominas, foram
exigidos documentos pessoais para a admissão da nova funcionária. “Eles pediram
documentos básicos como identidade, CPF e carteira profissional, mas eu não
tinha nenhum deles”, brinca ela. Naquele período não era usual as pessoas
possuírem todos os documentos. No novo emprego, em 15 dias, ela seria
promovida. Terezinha chegou no final da construção da fábrica em 1969 e no ano
seguinte, a Alcoa iniciava a produção de alumínio na cidade. Começando como auxiliar
administrativo, a jovem é promovida a secretária, e posteriormente a secretária
bilíngue. “Meu marido também veio trabalhar na Alcoa, logo me casei e tive meu
primeiro filho”, conta Terezinha que ficou na empresa até 1977.
O marido conseguiria um emprego
na empresa Jari Florestal, grande projeto às margens do Rio Jari, que divide os
estados do Pará e Amapá. “Vimos um anúncio no jornal sobre uma vaga para
secretária executiva para a diretoria, eu estava grávida, mas mesmo assim
enviei meu currículo junto com o de meu marido,que trabalhava na Viação Santa
Cruz”, relembra ela.
Nesse meio tempo, um amigo
de Lázaro, o marido de Terezinha, que trabalhava no projeto do Pará, o indicou
para o cargo de gerente de recursos humanos. “Minha filha estava com um mês
quando fomos visitar o projeto”, especifica Terezinha.
O projeto, que ficava no meio da floresta Amazônica, englobava uma
plantação de arroz em São Raimundo, e, em Monte Dourado, exploração florestal e
de caulim,uma areia branca, usada em indústrias de refratários e cerâmica,
entre outros usos,e uma fábrica de celulose em processo de implantação.
Terezinha comenta sobre esta fábrica. “A estrutura foi trazida
pronta do Japão, de navio, eles só prepararam o local e “estacionaram” a
construção em cima do estaqueamento de maçaranduba, uma madeira muito
resistente encontrada na região amazônica. O know-how para a fabricação de
celulose era finlandês. Monte Dourado era a cidade construída pela própria
companhia para abrigar os cerca de 10 mil funcionários, com infraestrutura que
incluía escolas, hospitais e áreas de lazer. Nesta companhia, Terezinha e o
marido trabalharam por dois anos.
Esse início de carreira, apesar dos desafios de morar em lugares
distantes, segundo Terezinha, foi bom para a economia da família. “Não tínhamos
onde gastar dinheiro, não havia lojas ou outros lugares para se gastar, a única
coisa que existia na cidade era um supermercado”.
Com essa oportunidade, Terezinha conviveu com pessoas de todo o
mundo, ela lembra que no local havia 33 nacionalidades. Nesta empresa Terezinha
trabalha com a Folha Confidencial, setor que incluía o controle das rotinas
trabalhistas referentes a diretores, gerentes e expatriados, isto é, empregados
vindos de outros países para trabalhar no Brasil.
Além das boas experiências, Terezinha fala que o confinamento era
uma questão que, às vezes, incomodava. “Saber que você está em um lugar que só
se pode sair de avião ou barco era um pouco assustador. O barco demorava três
dias e duas noites para chegar a Belém”, explica ela.
Em uma dessas viagens de avião, um dos pilotos confessou que a
única alternativa que eles teriam, caso ocorresse alguma pane, seria um pequeno
espaço, no meio da imensidão florestal, para cair.
Nessas experiências Terezinha aprendeu a ficar isolada de qualquer
tipo de comunicação, não havia televisão, rádio, e o telefone tinha hora certa
para ser utilizado, já que somente uma central telefônica atendia todos os
funcionários. “Os jornais, recebíamos três dias depois”, reforça ela.
Outra constatação difícil, foi ver de perto a desertificação de
alguns espaços na floresta. “Havia uma clareira que tinha sido desmatada e
virou um deserto. A estrutura do local da empresa era muito grande. E o governo
já estava pressionando para o projeto sair do grupo estrangeiro e passar para
um grupo brasileiro”, explica.
A volta para Alcoa
Em 1980 o casal tinha
voltado para Poços, Terezinha estava de licença maternidade, mas já tinha outro
emprego garantido na cidade. Porém, um novo convite da Alcoa surgiria novamente
para o casal, que desta vez iria participar da construção de uma planta de
produção de alumínio da empresa em São Luís- MA.
Nessas empresas, Terezinha sempre usufruiu da estrutura que a
empresa fornecia. “Em São Luís, algumas famílias de funcionários da Alcoa se
uniram e construíram um condomínio, o que foi muito bom para nós”, lembra
Terezinha.
Terezinha ainda comenta como as pessoas do nordeste eram
receptivas e como conseguiram fazer muitas amizades no local. Outro atrativo da
região eram as praias. “As praias de São Luís são imensas, principalmente nas
marés baixas, quando são formadas pequenas “piscinas”, onde as crianças
adoravam brincar. Todos os finais de semana eram na praia”, recorda.
Nesta etapa, Terezinha e o marido ficam por cinco anos na cidade
maranhense. “Fui para trabalhar como secretária do diretor da construção, e
depois passei a trabalhar também com a folha confidencial dos gerentes e
diretores e novamente na supervisão do setor de expatriados”, conta ela.
Neste momento, Terezinha
era responsável por recepcionar as famílias estrangeiras dos empregados de
outros países que chegavam para trabalhar no projeto da Alumar, um consórcio
das empresas Alcoa e Shell-Billiton, cuidando de sua instalação na cidade e de
questões relacionadas a trabalho, documentação, entre outras. No convívio com
esses estrangeiros, Terezinha lembra algumas curiosidades. ”Os holandeses
tinham muita facilidade em aprender o português, em pouco tempo já estavam
falando a língua. Eram pessoas muito educadas”.
Ao final da fase da
construção do projeto e início das operações da fábrica, Terezinha explica como
a empresa conduzia seus empregados. “Como vários funcionários tinham sido
contratos apenas para construção, quando esta acabou, a própria empresa
procurou ajudá-los a se recolocarem no mercado de trabalho, e esse era o papel
do meu marido no setor de recurso humanos”, explica.
Lázaro, marido de Terezinha, pesquisava as grandes obras que
estavam acontecendo no Brasil para saber em quais empresas ele conseguiria
recolocar os trabalhadores. Um desses grandes projetos era o da empresa Aracruz
Celulose, no Espírito Santo, e uma nova proposta de emprego surgiu. “O gerente
de recursos humanos tinha se desligado da companhia e o queriam no lugar dele”,
recorda ela.
Terezinha também trabalhava na área de recursos humanos e, com a
proposta do marido, a família se muda novamente, agora para morarem no Bairro
de Coqueiral, mais um bairro de funcionários, desta vez da empresa Aracruz.
“Esse bairro era maravilhoso, ondeas casas eram cercadas de áreas gramadas, sem
muros, apenas com cercas-vivas e ficava a beira mar”, descreve ela.
Porém, nesta empresa,
Terezinha não consegue uma vaga, então ela começa a fazer traduções de material
técnico e manuais. “Durante os sete anos que morei lá trabalhei com tradução e
nunca me faltou trabalho. Eu tinha um contrato de prestação de serviços com a
empresa e, como trabalhava em casa, pude participar mais do crescimento das
minhas crianças e exercer outras atividades de que gostava, como pintura sobre
tela”, exalta.
A Escola Ativa de Coqueiral era considerada a escola padrão do
estado. O bairro estava cerca de meia hora da capital. “Meu filho queria fazer
vestibular para grandes universidades e a escola disponibilizava aulas
específicas para o vestibular das faculdades escolhidas pelo aluno”, explica a
tradutora que sente que esse foi um dos melhores lugares que ela pode morar.
Após sete anos vivendo no Espírito Santo, em 1994, a família
decide voltar a morar em Poços de Caldas e pela terceira vez voltam a trabalhar
para a Alcoa.“Dessa última vez eu trabalhei na área administrativa da fábrica
de pó de alumínio”, pontua Terezinha, que, desta vez, fica quase 15 anos na
empresa. O marido trabalha na fusão da Divisão de Cabos com a empresa Phelps. E
recebe mais um chamado para trabalhar na construção da Veracel Celulose, um
consórcio das empresas Aracruz Celulose com a Stora –Enzo, um grande projeto
instalado no sul da Bahia, onde trabalhou por três anos. Após isso, ele volta
para Alcoa na expansão da Alumar, em São Luís, e para o projeto Juruti, até se
aposentar.
Com a família estabelecida e reunida, uma das filhas decide fazer
vestibular de engenharia civil na cidade e Terezinha resolve arriscar também.
“Fiz sem muitas pretensões. Com a insistência de um amigo, que também tinha
prestado, fui ver o resultado, todos tinham passado, e eu tinha ficado em
segundo lugar”, surpreendeu-se a nova estudante.
Com mais de 40 anos, formada em economia, Terezinha começa a
cursar a universidade novamente juntamente com a filha.
Ainda dentro da Alcoa Terezinha começa a ter os primeiros contatos
com os conceitos de sustentabilidade. “Foi trabalhando na Equipe Líder de
Relações Institucionais da Alcoa que comecei a repensar o sentido que deveria
dar a minha vida”, confessa.
A rotina do trabalho já a cansava e começou a querer seguir outros
rumos. Já aposentada, Terezinha decide sair da empresa e foca em atividades que
lhe façam bem. Abriu uma empresa de prestação de serviço voltada as áreas de
recursos humanos, sustentabilidade e responsabilidade social empresarial, para
usar muitos dos conhecimentos adquiridos na Alcoa. Mesmo trabalhando na Alcoa
continuou com as traduções para a Aracruz. Mas no final de 2010 surgiria o
convite para participar da Associação Poços Sustentável, que inicialmente foi
pensada como Conselho Poços Sustentável.
Com a necessidade de uma diretoria executiva, Terezinha se
voluntariou e está desde 2011 à frente da Associação que conta, no seu Conselho
de Administração, com representantes de empresas locais, universidades,
organizações sociais, poder público e dos próprios associados, sempre com a
missão de sensibilizar e mobilizar os vários segmentos da sociedade para
contribuir na construção de uma cidade mais justa e sustentável.
Com uma equipe pequena, as ações começaram em 2011. No mesmo ano,
Terezinha sofreu com a perda do marido e do filho e fez da APS seu refúgio para
seguir em frente. Em outubro desse ano, acontece o primeiro Fórum de
Sustentabilidade, com apoio da Alcoa e outras empresas locais.
O foco da associação sempre
foi o bem da cidade. No dia 19 de julho de 2012, a APS promoveu o lançamento do
Programa Cidades Sustentáveis em Poços de Caldas, quando os candidatos a
prefeito, inclusive o prefeito eleito, assinaram a Carta Compromisso,
comprometendo-se a realizar um diagnóstico da situação da cidade baseado nos
indicadores do programa, para a elaboração de um Plano de Metas a ser divulgado
para toda a população. O Programa incentiva a participação de cidadãos,
empresas, mídia e poder público na promoção e no acompanhamento de compromissos
que visam ao desenvolvimento sustentável.
Neste mesmo ano, a APS promove o Giro Sustentável juntamente com a
OSCIP Planeta Solidário, onde a associação apresenta vários temas sustentáveis.
“É uma maneira de buscar atitudes mais sustentáveis através das artes, do
esporte, cultura e das atividades nas escolas”, enaltece.
Em 2015, em sua quarta edição, o Giro promoveu 51 atividades, com
mais de 60 parceiros, nos três dias do evento. Abordando temas como cidade
sustentável, economia de água, energia e reciclagem.
No mesmo ano aconteceu a Feira Verde na Alcoa para os próprios
funcionários e para a comunidade. “A APS também divulga a plataforma
www.economizeoplaneta.com.br, através da qual pode-se calcular a pegada de
carbono de cada pessoa. Respondendo um questionário, a pessoa descobre quanto
ela emite de CO2 para a atmosfera e o site envia sugestões de como o individuo
pode reduzir o tamanho da sua pegada”. Além dos trabalhos em escolas,
condomínios e eventos, a APS tem parceria com a Ação Reciclar, cooperativa de
material reciclável, oferecendo apoio técnico em seus projetos.
O ano de 2016 foi marcado por várias atividades, com destaque para
o Encontro dos Candidatos a Prefeito de Poços para a assinatura da Carta
Compromisso do Programa Cidades Sustentáveis, no dia 23 de setembro. Seis dos
oito candidatos se comprometeram a implantar o programa em Poços de Caldas,
levantando indicadores de sustentabilidade, cobrindo todas as áreas da gestão
publicada,incluindo saúde, educação, bens naturais, mobilidade urbana, entre
outras, e elaborando um Plano de Metas. “Cada cidade elege os indicadores
importantes para a cidade, e através dos quais, podem nortear decisões
conscientes e necessárias para a população. É uma ferramenta de ajuda aos
governantes”, enfatiza a diretora.
Algumas representações da APS privilegiam Poços de Caldas quando o
assunto é sustentabilidade, conhecimento e inovação. Neste ano de 2017, a
cidade vai sediar o Encontro da Rede de Cidades Sustentáveis, reunindo
representantes de movimentos de dezenas de cidades que trabalham para a construção
de cidades mais justas e sustentáveis.
Também durante este ano, a APS terá uma intensa programação com o projeto “Diálogos para a Sustentabilidade”, que engloba seis eventos, abordando temas de interesse da comunidade, para o enfrentamento dos grandes dilemas ambientais, climáticos e sociais. O primeiro evento acontecerá no Dia Mundial da Água, 22/março, na PUC, com o tema: O Valor da Água. A programação contempla ainda os seguintes eventos: 17/maio – “Reciclagem e Sustentabilidade; 05/Junho – Dia Mundial do Meio Ambiente; 25/Agosto – Segurança Alimentar- Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs); 22/setembro – A Hegemonia do Carro e 26/outubro – Encontro da Rede de Cidades Sustentáveis, mencionado acima. Nesses anos de dedicação, Terezinha trabalha intensamente para que a cidade possa ser pioneira em muitas ações sustentáveis. Para as filhas e netos, consegue passar para as futuras gerações a importância da preocupação com o meio ambiente. Com novos rumos em sua vida, encontra tempo para lembrar os caminhos que a levaram até aqui.
Edgar
Marcos de Oliveira
Bruna Santine
Nosso entrevistado da semana aposentou-se como professor de
história, mas fez da causa social o trilho da sua vida. Edgar Marcos Oliveira
defendeu causas como sindicalista na área de educação, lutou pela democracia
fundando o Partido dos Trabalhadores na cidade e, além disso, foi uma das
primeiras pessoas a trazer o conceito de rádio comunitária para a região.
Os pais de Edgar vieram de Campestre- MG em 1937 com os quatro
filhos, em Poços, aconteceu o nascimento de mais oito filhos completando a
família. Edgar é o mais novo, a rapa do tacho. O pai de Edgar era barbeiro e
músico. Duplas como Tunico e Tinoco,
Pedro Bento e Zé da Estrada e toda a música sertaneja o fascinavam. Chegou a
gravar um “bolachão”, o disco de vinil, em uma gravação solo. “O movimento de
duplas sertanejas só foi se concretizar nos anos 80. Estou à procura desse
bolachão, que está com algum irmão, mas ainda vou encontrar”, conta o
comunicador. “Coincidentemente a minha emissora de rádio toca somente músicas
sertanejas”, completa ele.
A mãe trabalhava em casa e cuidava dos doze filhos, mas depois de
um período, abriu uma pensão, sendo uma empreendedora para a época. “Antes da
década de 50 minha mãe abriu algumas pensões no centro da cidade e foi assim
que criou todos os filhos”, lembra Edgar.
Assim, os filhos começaram a traçar seus caminhos. Edgar lembra,
com orgulho, do irmão mais velho, que foi uma inspiração para a escolha da
profissão de professor de história. “Adelmar, o mais velho, foi no ano de 1972,
vereador, quando esse cargo não tinha remuneração. E diretor da escola São João
da Escócia, lecionando por mais de 30 anos também em história”, exalta Edgar o
irmão que hoje está com 84 anos.
O professor aposentado se lembra dos estudos quando criança. “Na
época em que eu estudava não existia o atual segundo grau na rede pública,
somente na rede particular”. Edgar estudou no colégio Virgínia da Gama Salgado,
escola pública que ficava no prédio que atualmente está situado o Museu
Histórico e Geográfico de Poços. “Como não existia escola pública na década de
70 fizeram seis salas ao lado daquele prédio. Quando terminei os estudos eu não
tinha emprego e não podia fazer o segundo grau, já que todos eram em escolas
particulares”, reforça o professor.
Além das escolas particulares, Edgar ainda lembra que as escolas
Jesus Maria José e São Domingos eram, exclusivamente, femininas e o São
Domingos ainda tinha o internato.
A família sempre morou na área do bairro Vila Nova, zona leste da
cidade. Ainda que, por um período, instalaram-se no centro, local onde
funcionava a pensão da mãe. “Os preços dos alugueis da área central começaram a
aumentar, e por isso, mudamos para o bairro”, comenta Edgar.
“Em 1972, Poços de Caldas tinha 84.752 habitantes”, fala com
exatidão Edgar que havia trabalhado no censo da época. Nesse período a única
faculdade que existia em Poços era a Faculdade Municipal de Filosofia, que
muitos anos depois firmaria convênio com a Universidade do Estado de Minas
Gerais- UEMG. “A prefeitura ainda repassa uma verba para a faculdade de pedagogia
que diz respeito à antiga faculdade de filosofia”, explica o também
comunicador.
Sem poder estudar nas escolas particulares, os 16 anos, Edgar se
muda para a cidade de Espírito Santo do Pinhal-SP para estudar na escola
agrícola da cidade. A escola era uma oportunidade para os alunos que não tinham
condições financeiras. “Eu morava no colégio, para ganharmos a alimentação, era
necessário trabalharmos. Durante o período da manhã estudávamos e durante a
tarde, toda semana, tínhamos sessões para fazer, que eram os trabalhos na
escola. Aprendi a cozinhar, a fazer doces cristalizados, a mexer com animais e
café”, conta Edgar sobre o mecanismo ditatorial que os diretores da escola
implantavam na escola.
O terreno da escola foi doado pelo Estado, mas a escola se
mantinha com a plantação de café, arroz e o cuidado dos animais. O tiro de
guerra também foi feito em Pinhal. Em 1974, Edgar percebeu que com o curso de
Pinhal não conseguiria o profissionalizar, já que na época não existia o
técnico agrícola, então resolveu ir atrás de uma profissão. “Voltei para Poços,
com quase 20 anos, para estudar no recém-criado Colégio Municipal, mais ou
menos, em 1977”, lembra ele que se formou como técnico de agrimensura, a
chamada topografia, que é a medição de terrenos.
Além dos estudos, Edgar fala da época em que o trabalho era
iniciado muito cedo. Aos 13 anos ele já trabalhava. Até a década de 80 existiu
o chamado salário do menor, em que já havia o registro em carteira. Desde muito
novo trabalhou como ajudante em farmácias, comércio e bares.
Concomitantemente aos estudos no Municipal, Edgar trabalhou por
cinco anos na Cerâmica Togni como técnico administrativo, mas nunca trabalhou
na formação de técnico de agrimensura. “Me lembro que o teste para entrar na
cerâmica foi o de datilografia, a máquina de escrever era o computador da
época”, brinca ele.
O colégio São Domingos abriu algumas vagas para um curso que
ensinava datilografia para aqueles que não podiam pagar por um, onde Edgar fez
o curso, e que foi um dos requisitos principais para entrar na Cerâmica.
Passados alguns anos de trabalho na Cerâmica Togni, Edgar resolve
começar o curso de história. “Sempre gostei de história, já tinha a influência
do meu irmão mais velho, mas a opção de conseguir ‘subir’ na vida também era
uma motivação”, confessa ele.
Em Poços e na região não existia a faculdade de história, então
Edgar percebeu que o mercado precisava de profissionais nessa área. “A cidade
mais próxima que tinha a faculdade era Guaxupé- MG. “Uma irmã minha foi
transferida para a empresa Polenghi,
fabricante dos queijos polenguinho, que também ficava em Guaxupé”,
lembra ele. Hoje, a fábrica não existe mais na cidade.
Sobre essa irmã, Edgar ainda lembra que ela participou do
lançamento do Danoninho no Brasil, antes
ela tralhara na Danone, empresa francesa que tinha se instalado em Poços. “O
lançamento no Brasil do iogurte foi feita em Poços”, exalta ele.
O professor relata as dificuldades que tinha para chegar à cidade
de Guaxupé. “Eu frequentava a faculdade as terças, quartas e quintas-feiras,
eram os dias que eu tinha dinheiro para ir”, conta ele lembrando que uma das
estradas acabava na cidade de
Muzambinho- MG e continuava por caminhos de terra.
Com um mês de faculdade, um convite inesperado o surpreendeu. “Me
chamaram para ir até o antigo colégio que eu havia estudado, o Virgílio Gama
Salgado”, quem o chamava era a senhora Edir Fraya, diretora do colégio e esposa
do geólogo Resk Fraya, que o queria como professor de história da escola.
Segundo o professor, Edir era muito direta e logo lhe disse que
precisava de um professor, e que esse professor seria ele. “Adverti a senhora
Edir que eu estava no primeiro mês da faculdade, que não tinha experiência. Ela
me respondeu dizendo que me conhecia desde criança, sabia das minhas
participações dentro da escola como presidente do grêmio e que eu daria conta”,
assim começava a carreira de professor logo no início da faculdade.
Uma curiosidade sobre os exames de admissão da época era a
obrigatoriedade da radiografia do tórax. “Havia somente médicos clínicos gerais
e todo ano tínhamos que tirar o raio- x do pulmão, naquela época muitas pessoas
morreram por causa da pneumonia”, explica Edgar.
Era comum profissionais formados no curso de Direito darem aulas
de história, havia falta do profissional formado na matéria. Na faculdade,
Edgar lembra da vigilância da ditadura militar. “Havia os P2, os militares
descaracterizados que ficavam dentro das salas de aula e eu vi um professor ser
preso”, lembra Edgar que também foi o presidente do diretório acadêmico da
faculdade.
Em 1979, houve umas das primeiras greves educacionais da história
do Brasil, foi um dos maiores movimentos dos sindicados educacionais, que
tomavam força. Através do Sindicato Único dos Trabalhadores de Educação- UTE,
hoje chamado Sind-UTE/MG a greve ocorreu. “A greve surgiu pela falta de
concursos públicos e pelos privilégios de alguns cargos de direção, as
diretoras eram nomeadas pelos políticos”, salienta o professor.
Maria Teresa
Mariano
Maria Teresa Mariano é geógrafa, professora e ambientalista.
Apesar de não ter nascido em Poços fez das lutas da cidade, as suas. Com muita
energia fez a causa do meio ambiente sua vida, foram passos aprendidos com o
pai que trabalhou em reservas ambientais. Em Poços, pode dividir tudo que a
vida próxima das reservas lhe ensinou.
A relação da geógrafa com Minas Gerais é longa, começa pelos
passeios a casa do avô em Ipuiuna, mesmo nascendo em Piracicaba, interior de
São Paulo, Maria Teresa se recorda muito da infância na fazenda e também nas
reservas florestais.
A forte influência do pai é
marcante em suas falas. “Meu pai, Gonçalo Mariano cursou a Escola Superior de
Agronomia Luiz de Queiroz formado pela ESALQ/
USP e foi convidado para trabalhar no Instituto Florestal, ele foi o
primeiro engenheiro agrônomo chefe da Serra da Cantareira”, exalta Teresa.
Por conta da profissão, Gonçalo demorou três dias para saber do
nascimento da filha. “Nasci na véspera de feriado, 30 de abril, estávamos na
casa da minha avó em Piracicaba”, conta. Nesses dias houve um incêndio
criminoso na serra, e o pai de Maria, como chefe do local, foi, junto com os
funcionários, ajudar a apagar o fogo. “Na época a comunicação era a rádio, como
ele estava ajudando na contenção das chamas não tinha como comunica-lo”,
comenta Teresa lembrando que hoje a
Serra da Cantareira é considera uma floresta da biosfera.
A relação com Minas começa com o pai, que nasceu em uma fazenda
entre Senador José Bento e Congonhal, cidades do interior de Minas, e que
estudou como aluno interno do colégio Marista, hoje o colégio Municipal. No
colégio, foi colega de Washington de Novaes, famoso jornalista ligado a temas
do meio ambiente e cultura indígena. “Da última vez que estivemos em Poços, meu
pai me pediu insistentemente para passar na rua Pernambuco, curiosa,
perguntei o que que tinha nessa rua”,
comenta Maria Teresa.
Em resposta, o pai dizia que queria se lembrar da época que
estudava no colégio Marista e que saia para passear no centro da cidade. A rua
Pernambuco que ele tanto insistia em rever trazia a sua memória a imagem de um
antigo brejo e o rio por onde as pessoas passavam. “Ele conta que uma vez caiu
nesse brejo, que já recebia esgoto da cidade, e teve que voltar para casa para
tomar banho”, lembra a filha.
Depois de passar pela cidade de Pouso Alegre, Gonçalo Mariano,
muda-se para Piracicaba para fazer a escola de agronomia. Entre as viagens de
Piracicaba para Ipuiuna Maria Teresa se
lembra das paradas em Poços. “Sempre parávamos naquela loja que fica em
frente a praça Pedro Sanches. Me recordo muito bem de uma bonequinha que ele
sempre comprava para mim, e do dono da loja se aproximar para oferecer doce de
leite. Então Poços, para mim, se resumia nessa boneca e nesse doce de leite”,
brinca ela. A loja a qual ela se refere é a Foto Praça 1 fundada em 1950 que
continua no mesmo local.
Com o passar dos anos, outras estradas foram construídas e o
trajeto da viagem seria outro. “A partir dai meu pai começou a fazer o caminho
que passava por Espírito Santo do Pinhal, Ibitiúra de Minas, Santa Rita de
Caldas, Caldas e Ipuiuna, tendo parentes em toda aquela região. Desde pequena
estabeleci uma relação com a cidade, dos meus irmãos, somente eu me interessei
por esses caminhos”, exalta o posto de filha mais velha.
Com a voz rouca, de tanto dar aulas, como ela mesma menciona,
Maria Teresa se relembra das lutas do pai. “Meu pai foi pesquisador do
Instituto Florestal, chegou a recuperar mais de quatro unidades de conservação
de reservas do estado”, conta ela.
Como pesquisador, o pai foi trabalhar na unidade de preservação de
Tupi, perto de Piracicaba, onde Maria morou por três anos. Ainda criança, aos 6
anos, se divertia ao andar pelas terras da reserva e ter o privilégio de buscar
o pai no trabalho. “No meio do caminho tinha um centro de meteorologia, quando
chovia eu já sabia que o técnico estaria no local e como eu era muito curiosa,
gostava de entrar no centro para ver o que todos aqueles aparelhos faziam”,
relembra a geógrafa que muitas vezes se perdia na curiosidade, mas era
resgatada pelo pai.
Além disso, Maria Teresa se lembra de umas das tarefas mais
difíceis que seu pai teve que acatar enquanto funcionário do Instituto. “Ele
foi o primeiro agrônomo que teve que comandar o plantio dos primeiros talhões
de pinos de eucaliptos no Brasil, em Itirapina, próximo a São Carlos, onde
tinha uma unidade do Instituto Florestal”, explica ela ao lembrar que a área se
tratava de um lindo cerrado. “Os funcionários do meu pai contaram que ao ver
todo o cerrado modificado para o plantio do eucalipto, ele sentou e chorou”,
comenta ela. O pai não se conformava ao ver que estavam colocando uma espécie
desconhecida em terras brasileiras, e que tinham acabado com um belo cerrado.
Maria Teresa, na época com mais de sete anos, se lembra que não existia o termo ecologia, o pai era
especializado em floresta, e já passava a ela os ensinamentos e valores que a
terra trazia a ele.
Sobre esse plantio, Teresa lembra o que o pai descobriu com a
observação do eucalipto, trazido da Austrália, as consequências do plantio que
até então eram desconhecidas. “A primeira alteração que meu pai notou foi o
desaparecimento de um pequeno lago natural que havia no meio da plantação,
questionado por um funcionário se aterraria o lago, ele pediu para que fizesse
uma placa e escrevesse que ali havia um lago natural”, reforçou Maria Teresa.
O primeiro trabalho do pai surgiria da volta deste lago quatro
anos depois, ele observaria que a terra precisava de um tempo para se recuperar
daquele plantio. “Meu pai percebeu que quando os pinos de eucaliptos chegavam à
idade adulta eles paravam de puxar toda aquela água e somente utilizava água
suficiente para sobreviver”, explica ela que o pai dizia que o grande defeito
da humanidade era não conhecer o sistema ecológico e natural.
O aumento de plantação de eucaliptos deteriorou muitas terras,
quando a única solução, seria ter mais paciência. “A pressa do capitalismo não
consegue esperar que o eucalipto, após a fase adulta, permaneça na terra por
mais alguns três ou quatro anos para que o ciclo hidrológico volte, e
consequentemente, não roube a água do ambiente. Como não há essa espera
retira-se a água do ambiente, provocando desertificações”, finaliza a também
ambientalista.
Ainda no convívio com o pai e seu trabalho Maria fala como
aprendeu o que era suborno e o quem era o Estado. “Uma vez peguei alguns clipes
da mesa do meu pai para levar para casa, meu pai me reprendeu na hora e disse
que tudo que existia naquele escritório era do Estado, nada daquele local se
podia levar para casa”, reforça ela ao dizer que achava que o Estado era um
homem muito bravo.
Por muitas vezes viu o pai receber presentes de fábricas como a
Faber- Castell, ou outras que participavam dos leilões das madeiras plantadas
nas reservas, mas ele sempre lhe mostrou que tudo era do Estado. “Uma vez ele
ganhou dois quadros da Faber Castell que tinha os estojos e lápis que toda
criança queria ter na época, como ele havia ganhado dois, na minha cabeça o
Estado já tinha o dele, então o outro seria para mim”, brinca ela que recebeu
do pai mais uma lição, dizendo que um iria para o museu do Instituto Florestal
em São Paulo e o outro ficaria na reserva para que fosse mostrado aos
visitantes.
No dia da entrevista, Maria Teresa teve a notícia que o atual
governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin iria vender e privatizar 35
unidades de conservação do Instituto Florestal, inclusive a que ela morou.
“Quando meu pai foi para essas unidades não havia nada, não havia água, meu pai
ajudou a estruturar todo aquele local, a achar as nascentes. Aprendi a nadar
nessas primeiras nascentes”, revolta-se ela.
A ligação com a terra foi além do trabalho do pai, na fazenda do
avô, Maria aprendeu sobre o valor da terra e o trabalho no campo. “Eu passava
férias na fazenda e tinha uma ligação forte com o meu avô. Eu adorava descer
com a minha avó até o porão, onde eu a ajudava a salgar os queijos que ela
havia feito. Me lembro também de um moinho que gerava energia, era uma mini
hidrelétrica, e meu avô me levava para a abrir a pequena comporta” , ressalta a
geógrafa que já teria seus primeiros ensinamentos.
A energia era gerada para a fazenda, a comporta era aberta no
final da tarde e fechada pela manhã para represar a água. “Hoje me assusto ao
ver que meus sobrinhos não sabem de onde vem o leite, ou o ovo”, brinca ela.
Em consequência da profissão do pai ela teve muito contato com as
reservas e assim conviveu de perto com pequenos ensinamentos, a mãe muita vezes
ficava em cidades próximas com as crianças como Rio Claro e Piracicaba. “Mesmo
não ficando na reserva de Itirapina, quando criança, anos depois voltei ao
mesmo local para fazer o mestrado no Centro de Recursos Hídricos de Ecologia
aplicada da USP. Um pedaço da reserva foi doado pelo Estado para a
universidade, e pude reencontrar algumas pessoas que tinham trabalhado com o
meu pai”, comenta.
No regresso as terras que o pai tinha ajudado a preservar a
geógrafa pode constatar que parte tinha sido dominada por condomínios, outra
pela faculdade para pesquisas. “Perdemos muitos trabalhos naquele local porque
o pessoal do condomínio não respeitava as delimitações de boias de pesquisa” ,
lamenta ela.
O pai faleceu de uma fibrose pulmonar, provocada, muito
provavelmente por um fungo de floresta.
A ligação
com Poços
Em 1999, já formada, residindo em Piracicaba, onde mora até hoje,
mas dando aulas na Pontifícia Universidade Católica- PUC de São Paulo, Maria
Teresa fica sabendo pelo irmão que a PUC de Poços estava com concurso aberto na
área de meio ambiente, mas especificamento no curso de engenharia de
telecomunicações. “Faltava um dia para o encerramento das inscrições, chamei
meu pai e viemos para Poços, sem deixar de passar em todas as cidades da região
para ver os parentes”, brinca ela.
Nessa época Maria Teresa já era ativista na área de meio ambiente
e já trabalhava em ONGs. Disputando a vaga com mais dezessete concorrentes foi
aprovada graças a um tema, que até meses antes, não sabia o que significava.
“Quando fui olhar os temas me deparei com efeitos deletérios na saúde da radio
frequência- poluição invisível, eu não sabia do que se tratava” confessa a
ambientalista.
Voltando a Piracicaba ela encontrou um amigo vereador e comentou
que prestaria esse concurso, mas que um tema a incomodava porque ela não fazia
a menor ideia do que se tratava. Coincidentemente, o vereador tinha acabado de
pedir um requerimento sobre o assunto, pois pessoas com câncer tinham
processado a rede de comunicações Globo pela exposição à radiofrequência, o que
teria provocado a doença. Assim ela teve
acesso a esse material e pode estudar e conhecer o assunto. O principal tema da
seleção para o ingresso na universidade foi exatamente esse.
Em 2001 começa a dar aulas na cidade. “Cheguei animada por estar
perto dos parentes do meu pai e nas terras de Minas, também gostei de como a
PUC trabalhava”, comenta a geógrafa que ainda era assessora do secretário de
meio ambiente de Piracicaba e dava aulas na faculdade de engenharia também de
Piracicaba.
Aos poucos os trabalhos em Poços aumentaram. “Comecei na engenharia
elétrica, depois passei a dar aulas de gestão ambiental para os alunos de
Administração. Participei de um concurso interno da PUC e montei um curso de
lato sensu de gestão ambiental, que hoje se chama Gestão ambiental e
sustentabilidade. Além disso,fui pra engenharia civil com a matéria ‘Ciência do
Ambiente’, ainda dou aulas de ecologia no curso de Medicina Veterinária”,
elenca a professora.
Maria Teresa ainda comenta
sobre a preocupação que tinha com grandes empresas mineradoras que se
instalaram na cidade. “As minhas salas eram cheias de funcionários da Alcoa, e
pude passar a realidade para eles. Quando conheci a Alcoa pude ver como o caso
era grave”, reforça.
Há mais de oito anos atua
também como representante da PUC e conselheira titular no Comitê de Bacias dos
Rios Afluentes Mineiros Mogi- Pardo.
“Tivemos muitos trabalhos premiados com gerenciamento de resíduos e
questões ligadas ao meio ambiente”, ressaltou ela.
A professora participou da
formação da clínica de Direito Ambiental. O núcleo de práticas jurídicas
abrangia as áreas de meio ambiente, patrimônio público e direitos humanos.
“Nessa clínica ajudamos a organizar a primeira associação de catadores de lixo
de Poços”, reforça ela que enxergava a importância de saber para onde o lixo
iria e como era o trabalho nos lixões.
A partir desse contato começa mais um grande envolvimento com a
questão ambiental da cidade e com os catadores de lixo. “O aterro de Poços
tinha 14 pessoas idosas catando lixo, diferente de todos os outros lixões pelo
país que recebiam jovens a beira da marginalidade. Tínhamos um trabalho com o
curso de fisioterapia também, que cuidava da saúde desses catadores”, completa
a professora.
Na área jurídica Maria Teresa tentou auxilia-los de uma maneira
livre para que eles escolhessem o melhor para a associação. “Além de todos os
problemas ainda tínhamos que mediar o trabalho dos catadores com o dos
lixeiros, que também recolhiam material reciclável, e também queriam receber
por aquilo”, salienta ela.
Nesse trabalho a professora ajudou na criação da associação e
ficou estabelecido que uma parte do dinheiro coletado fosse para o fundo de
garantia e férias dos catadores, e os lixeiros ganhariam um pouco menos, já que
já tinham esses direitos garantidos. No lixão puderam fazer uma estrutura com
um local para almoço e um banheiro. “A ideia era parar o caminhão logo no
início para que já se separasse o material reciclável. Mas havia muito trabalho
em separar materiais de construção, pilhas e eletrônicos”, explica Maria Teresa
que em seis meses conseguiu reunir uma quantia financeira favorável de giro
para a associação.
Depois de alguns anos, com a troca da prefeitura, houve a
proibição do trabalho de pessoas no lixão e a associação foi desfeita. Em uma
reunião avisaram os catadores que eles não teriam mais emprego. “Pedi para
alguém ceder um barracão para que eles pudessem trabalhar ninguém se manifestou
e nada foi feito. O fazendeiro que tinha terras ao lado do lixão ainda os
ajudou, mas não perdurou porque não podiam entrar mais no naquele local de
trabalho”, relata a ambientalista.
Ativismo
ambiental
Antes do trabalhado realizado em Poços Maria Teresa foi
conselheira do meio ambiente do estado de São Paulo, representava todas as
organizações não governamentais – ONGs ambientalistas do interior de São Paulo.
Nessa posição como conselheira, trabalhou ativamente contra
grandes monopólios que construíam empreendimentos sem respeitar as leis básicas
de proteção ao meio ambiente. “ No caso Xuxa Parque, eu fui a segunda citada,
votei contra, justificando que eu não sabia do que se tratava”, disse a
ambientalista que votou por instinto e mais tarde saberia que o parque seria
construído numa área de restinga. O parque não foi construído.
Maria também deu aulas na
cidade de Varginha no curso de especialização de saneamento ambiental, falando
de avaliação de pacto ambiental. “Como aluno eu tinha um funcionário do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis- Ibama que faria o laudo do Xuxa Paque em São Paulo,
ele escutou toda a minha explicação, e depois de uma visita a campo
comprovou que era uma área de restinga e
que o estado de São Paulo não poderia ter autorizado a construção”, enfatiza
Maria Teresa.
Outra história marcante no ativismo ambiental da geógrafa foi com
outro parque, o parque aquático Wet’n Wild, em Vinhedo. “O parque foi feito sem
licença, Eu tinha uma reunião marcada em São Paulo e a pauta era a discussão da
licença ambiental deste parque, eu saia de São Carlos e no caminho vi que o
parque já estava sendo inaugurado. Liguei para o promotor do conselho indagando
o porquê da reunião já que o parque já tinha inaugurado. Ele não sabia do
ocorrido e em minutos ele interditou a inauguração”, comemora a ambientalista.
Neste caso, o parque, que tirava água do subsolo, prejudicou mais
de 100 produtores de frutas finas que existiam ao redor, deixando esses
agricultores sem água. Com a licença ambiental isso não teria ocorrido, por
isso, um professor que também era conselheiro propôs o feitio um sistema de
tratamento de baixo do parque. “Foi feito um cálculo de quanto eles poderiam
tirar por mês de água do subsolo para não prejudicar os produtores que já
usavam aquelas águas”, explica a ambientalista.
Há muito tempo convivendo com a preservação do meio ambiente Maria
Teresa lembra das responsabilidades que tinha desde muito pequena. “Por ser
filha do chefe da reserva, todo dia da árvore eu tinha que fazer um discurso na
escola, eu não gostava daquilo, eu morria de vergonha, mas fazia pelo meu pai”,
brinca ela.
Maria Teresa sempre contribuiu em questões relevantes para a
cidade na câmara Municipal de Poços, principalmente, pelo Paço Municipal, uma
área de recarga de água. “No ano de 2015, apenas quatro conselheiros votaram
contra entubar uma parte do córrego Vai e Volta que passa perto do supermercado
Bretas”, diz ela. Tal decisão acarretaria na destruição que a forte enchente enfrentada pela cidade, em
janeiro de 2016, deixaria na cidade.
Junto com outras pessoas, reformulou a proposta de criação da
Secretaria de Meio Ambiente para Poços, que foi protocolado na câmera, mas não
foi discutido. “A secretaria mudou o nome para Secretaria de Planejamento e
Meio Ambiente, mas não houve a mudança necessária”, desabafa a ambientalista
que não sabe mais do andamento da Secretaria.
A ambientalista,
professora, geógrafa e a orgulhosa filha de Gonçalo Mariano não deixa de falar
do seu amor por Minas e por Poços. “Adoro a cidade de Poços, adoro o meu
trabalho na PUC, amo dar aulas, mesmo sendo um desafio, porque os alunos hoje
em dia não tem motivação”, confessa ela que fez e continua fazendo muito pelo
meio ambiente, pela cidade e por todos que estão nela.
Paulo César Pereira
Completando quase 60 anos de trabalho no Mercado
Municipal de Poços de Caldas, Paulo César Pereira pode compartilhar conosco a
história de um dos mais importantes locais da cidade. Além de ser apreciado
pelos turistas, o Mercado Municipal é também patrimônio da cidade e Paulo pode
acompanhar toda a sua história.
Natural de Machado, Paulo César Pereira morava no munícipio de
Campestre- MG, onde o pai tinha um sítio. Anos depois a família veio para Poços
sem nenhuma experiência ou profissão definida, mas logo que chegou à cidade,
Paulo foi trabalhar no Mercado Municipal. Paulo tinha 18 anos quando iniciou
seu trabalho no Mercado Municipal de Poços de Caldas, o tradicional comércio
ficava no prédio onde hoje a loja de construção Casa Carneiro se instala.
O pai de Paulo também trabalhava no mercado, no Empório Nossa
Senhora Aparecida vendia mercadorias do sítio, como feijão, milho, arroz e
queijo. Mas, Paulo tinha sua própria banca, em frente a do seu pai. Em sua
banca, vendia frutas e artefatos de madeira.
Paulo lembra como era a rotina no mercado no começo da profissão
como vendedor. “Quando entrei no mercado meus planos era ficar um ou dois anos
no trabalho até arrumar um emprego melhor”, confessa o comerciante. Mas com o
passar do tempo, Paulo gostou da rotina do mercado e nunca mais saiu dele. No
dia 7 de fevereiro deste ano (2017) completou 57 anos de trabalho dentro do
Mercado Municipal.
A chegada
Poços era uma cidade pacata e pequena quando Paulo chegou e ele
lembra quando as ruas ainda eram de terra, como o Jardim dos Estados e outras
ruas próximas ao centro. Além disso, o Mercado Municipal atual não existia e ao
seu redor a terra ainda dominava os chãos.
Paulo morou no bairro Santana, continuação dos Jardim dos Estados,
depois morou na rua Major Luis Loiola, paralela a rua Expedicionários, onde
morou por muito tempo até se casar. Nesses bairros, acompanhou a evolução de
Poços.
Ele fala das histórias que vivenciou dentro do mercado. “Nessa
estrada do mercado vimos muitas pessoas entrarem, fazerem sucesso, mas também
vimos muitas pessoas que não conseguiram permanecer”, fala saudosista o
comerciante.
As bancas eram fechadas, com muita mercadoria espalhada pelas
estantes. “Havia uma porta grande que “mergulhávamos” para dentro da banca, e
dentro dela, eu usava uma banqueta porque o balcão era muito alto, assim eu
ganhava altura, e ficava em cima da banqueta o dia todo”, diverte-se o
comerciante.
Em 1960, o Mercado Municipal era diferente, na época era comum
vender galinhas vivas, já que o costume era matar o animal em casa para se
fazer o alimento fresco. “Me lembro do ‘Poço Fundo’,comerciante que tinha uma
gaiola de frangos vivos. Era uma porta grande de grade e se escolhia o frango
que queria, jogava-se uns grãos de milho, o frango vinha e ele pegava o animal”,
lembra o comerciante.
Outras pessoas que Paulo recordou foram o Zé do Passarinho,
comerciante que vendia pássaros, outra prática comum da época. E de uma
portuguesa que se chamava Filipona. “Ela tinha um papagaio e sempre andava com
ele nos ombros, e o pessoal mexia muito com ela”, relata Paulo.
O comerciante ainda fala dos fiscais do mercado. “Como fiscais
tivemos o Paulo Alvisi, o Sargaço, e o seu Américo”, comenta o comerciante
sobre os profissionais que trabalharam como fiscais do Mercado Municipal.
“Tinham pessoas boas, algumas, apesar de concorrentes, ainda continuavam sendo
parceiras, pessoas boas de conviver”, completa ele ao lembrar da família que se
formava no local.
O Mercado Municipal localizava-se nas ruas Assis Figueiredo,
Avenida Francisco Salles e a rua Pernambuco. “Na rua Pernambuco acontecia a
feira livre, muito diferente da que acontece hoje, a feira tinha panos improvisados e as
mercadorias eram distribuídas no chão mesmo”, explica Paulo.
Um local que ficou marcado na memória do feirante foi o Grande
Hotel, que ficava ao lado do mercado, também na Avenida Francisco Salles, e que
a proprietária era Dona Mariquinha. O
Grande Hotel foi um dos primeiros hotéis da cidade, juntamente com o Hotel
Lealdade e o Palace Hotel. “Tinham poucos hotéis, mas todos sempre estavam
cheios”, lembra ele.
Paulo ainda lembra que a
feira livre começou a acontecer no local atual tempos antes do estabelecimento
do mercado no local. No mercado antigo
Paulo trabalhou dos anos 60 aos 70, quando foi inaugurado o novo mercado.
Paulo comenta sobre o motivo da mudança de local do mercado. “O
prédio era do Estado, emprestado para a Prefeitura, além disso, o espaço não
era mais suficiente, e o trânsito também era uma preocupação por estar em umas
das esquinas mais movimentadas da cidade”, esclarece ele.
O comerciante conta sobre
as propostas que os políticos tinham para o Mercado. “Entre os candidatos a
prefeito da época, estava o Dr. Martinho e o David Ottoni Filho, o primeiro,
tinha a proposta de desapropriar os prédios perto do mercado para que ele fosse
aumentado. Já David Otoni, como engenheiro, propôs a construção do novo prédio,
como este foi eleito, o novo prédio do mercado foi construído no endereço
atual”.
Mas a adaptação ao novo local também não foi fácil. No início
havia poucas bancas. “Muitos não tiveram condições de se mudarem, outros não
quiseram, então só havia metade do mercado com as lojas, a outra metade ficava
vazia”, relata o comerciante.
Paulo conta que o acesso às ruas do mercado não era fácil, as ruas
eram precárias, o terreno limitava ao rio e os turistas, muitas vezes, não
conseguiam chegar ao local. “Ficávamos isolados e não foi fácil nos adaptar a
isso, o turista não nos achava, mas com o tempo foi melhorando o acesso”,
explica.
Outro fator que ajudou na recuperação de clientes foi a divulgação
nos hotéis. “Os hotéis da cidade passaram a indicar o mercado, a explicar onde
se localizava, e isso nos ajudou a receber novamente os turistas”, ressalta
Paulo.
Como o mercado era da Prefeitura os feirantes tinham que se
adaptar ao horário imposto, que era das seis horas da manhã às dezessete horas.
“Hoje o mercado funciona como um condomínio, temos o síndico, e com ele, temos
reuniões para decidir o melhor para todos. Com isso conseguimos adaptar horários
ou outras necessidades que os comerciantes precisam”, explica Paulo.
O Mercado Municipal é um ponto turístico obrigatório e os
habitantes da cidade também se acostumaram a colocarem o local em sua rotina.
“Os turistas comentam que vir a Poços e não ir ao mercado, é o mesmo que ir a
Roma e não ver o Papa”, brinca Paulo.
Com o tempo Paulo adaptou-se as necessidades dos clientes. Depois
das frutas, passou a vender cestas de palha que eram feitas na região. “Eu
vendia muita mercadoria para Salvador, tinha clientes em todo o Brasil”, exalta
o comerciante.
Paulo comenta de um caso curioso que aconteceu. Ele foi participar
de uma festa de São Benedito em Machado- MG, a festa na cidade acontecia no mês
de agosto, chegando a casa de parentes, Paulo estava decidido a passar alguns
dias. “Na noite em que cheguei sonhei que a minha irmã, que deixei cuidando da
loja, estava toda atrapalhada e não conseguia atender ao cliente. Acordei e
decidi voltar para Poços”, conta ele. Ao ser indagado pelo primo sobre o porquê
daquela decisão repentina, ele respondeu que iria atender somente um freguês e
voltaria.
O comerciante fala que no sonho ele via que um cliente de Salvador
estava na loja e a irmã não conseguia atendê-lo. “Quase não consegui pegar o
ônibus que já estava saindo, mas o motorista me esperou. Chegando a Poços
estava tudo calmo, falei com a minha irmã e ela informou que o Ananias, o
cliente de Salvador, estava mesmo lá. O encontrei e disse que tinha voltado só
para atendê-lo”, conta o comerciante que depois voltaria para Machado.
As sensações de pressentir a vinda de clientes ainda o
acompanharam outras vezes. “Outra vez sonhei com um cliente de Águas de São
Pedro- SP. Sonhei que ele estava comprando as mercadorias na cidade. No dia
seguinte, cheguei à banca e já comecei a separar a mercadoria dele. Meu pai me
perguntou se eu já tinha vendido toda aquela mercadoria, eu disse que ainda
não, mas que iria vender, que o cliente iria chegar”, brinca ele.
Minutos depois o cliente aparecia e se surpreendia ao ver toda a
mercadoria que precisava já separada no mezanino. “O cliente estranhou e me
perguntou se eu já tinha vendido a mercadoria para outra pessoa, eu disse que
não, que eu já havia separado tudo para ele mesmo”, fala o comerciante que
deixava, até o seus clientes, surpresos com a adivinhação.
Essas histórias rondaram a vida profissional do feirante, que sem
ter como explicar, criou uma sintonia com seus fregueses que o fazia pressentir
o dia que visitariam sua banca. E outras
coincidências dessas se repetiram nos anos de trabalho. “Sonhei com outra
freguesa, a Dona Emília, e assim que cheguei, já separei a mercadoria dela. Ao
chegar, ela ficou espantada ao ver a mercadoria toda separada”, completa Paulo.
Paulo ainda aventurou-se
nas vendas de chapéus e confecções mais não conseguiu continuar com essas
vendas. “As confecções deram certo por um período, mas depois não consegui mais
acompanhar o mercado”, confessa ele.
As visitas a Companhia de
Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo - CEAGESP eram semanais, lá o
vendedor comprava sua mercadoria, e por algumas vezes, Paulo lembra que se
perdia na imensidão do lugar. “Eu viajava a noite toda para chegar a São Paulo,
uma vez, não conseguia encontrar a banca do Cabeção, o feirante que sempre me
recebia, mas foi ele quem me encontrou no meio das ruas do CEAGESP, perdido”.
O trabalho no mercado o permitiu participar de várias gerações.
“Temos clientes que convivem conosco há mais de 40 anos, e assim trazem os
filhos, os netos e participamos de toda a família”, orgulha-se ele.
Ainda na época do antigo mercado, Paulo se lembra das visitas
famosas que pode vivenciar. “Uma vez atendemos o elenco da novela “Nino, o
Italianinho”. A novela teve algumas cenas filmadas em Poços. O Juca de Oliveira
e todo o elenco da novela foram ao mercado. Recebemos também o cantor sertanejo
Marcelo Costa, de Andradas”, comenta ele. Esse encontro com várias pessoas é um
fato que enaltece o trabalho do comerciante.
A banca hoje vende queijos, doces, pimentas, vinhos, cachaças e
produtos da região. “Na época que não tinha laticínios os produtos eram mais
artesanais, hoje as regras da vigilância exigem outras práticas de compras e
vendas, mudamos a linha para nos adaptar a necessidade de cada mercado”,
explica ele.
A banca ocupa um grande espaço no mercado, algumas partes foram
compradas, outras alugadas. “Hoje ficamos de olho, quando falam em vender, já
estamos de olho”, brinca o comerciante.
A continuação do mercado fica em dúvida, ainda mais pela família,
para Paulo, com o estudo e toda a evolução, ele não sente que os netos queiram
dar continuidade ao negócio, mas espera ainda poder continuar o que começou há
quase 60 anos.
Além do amor pelo trabalho no mercado, Paulo também fala do amor
pela sua família e como tudo começou. A esposa encontrou em uma missa de
domingo. “Nos conhecemos por acaso, fui á missa em um domingo e a vi junto com
as irmãs, gostei dela e não pensei em mais nada além de acompanhá-la para conversarmos. Eu estava de
carro, deixei meu carro aberto no local e a acompanhei. A partir dai deu certo,
foi o nosso começo”.
Os três filhos puderam trabalhar com o pai e conhecer as histórias
do mercado, alguns seguiram outros rumos, outros continuaram, e hoje além da
ajuda do genro, aos finais de semana ele conta com a ajuda dos netos.
Bruna Santine - brunasantine@hotmail.com